São Jerônimo, 2002, 124 x 173 cm, óleo sobre tela e madeira
 
 
 

 
 
José e a mulher de putifar, 2003, 108x 88 cm, óleo sobre tela e madeira
 
 
 
        Complicado a um artista falar sobre sua própria obra. Desde que a psicanálise, a política, a antropologia, a filosofia, a própria ciência decodificaram a arte, ficou assente que a obra seria indevassável a seu autor. No entanto, os artistas falam. E não cogitaria de insistir que me valho dos temas religiosos senão pelo que eles têm de paráfrase da pintura em si. Assim, encontrar bem mais que alusões no verde que encima o painel com os Orixás e onde, explicitamente, representei Xangô, pode incitar muitas imaginações. Confesso que os concebi depois de ver um documentário com os afrescos de vários mosteiros búlgaros. No caso, tenho a explicação de uma cor. Poderia, arriscar, porém, que há algo de uma inútil centelha neste São Pedro encanecido. Reconhecer-me nele como um crítico das religiões pelo que acrescentam de morte e devastação na idéia de um Deus de  Amor é, sem dúvida, o que me animou, talvez inconscientemente.
 
 
São Pedro, 2000, 226 x 110 cm, óleo sobre madeira
 
 
 
        Da mesma forma em relação a Virgem Negra. Depois que a fiz, notei-lhe o olhar enviezado (quem sabe na expectativa de que, como todas as madonas, ela se satisfaça com que  a admirem). Sua negritude, contudo, seria apenas o que a Mãe Negra, com seu leite abundante, extensivo ao filho do senhor, representa para os povos latino-americanos. Anoto, contudo — e valha-nos Nossa Senhora Aparecida — que fomos os últimos a nos sentirmos culpados pela escravidão. Logo...
 
 
A virgem negra, 1998, 117 x 117 cm, óleo sobre tela e madeira
 
 
 
        Intenções? Elas não existem claramente. Há a loucura das mulheres no Ecce Homo, isso é evidente. Mas enquanto a Virgem Negra se desdoura na  lembrança dos ícones bizantinos — uma alusão decerto falsa pelo dourado falso da moldura — e que não empresta à Virgem senão a falsa ilusão de que seria objeto de adoração — a Virgem da Pietá  eu arriscaria ser também um arquétipo — de novo — o da loucura da violência.
 
 
Deus vê David, que vê Betsabá, 2002, 150 x 100 cm, óleo sobre tela
 
 
 
Suzana e os velhos, 2002, 110 x 90 cm, óleo sobre tela e madeira
 
 
 
        E vem, enfim, entre outros, dois quadros intencionalmente voyeurísticos: Deus vê David, que vê Betsabá e a Suzana e os Velhos. No fundo, somos todos velhos ao espiarmos essas moças tão complexamente tortas. Intenção do artista que sabe que a beleza só existe torta — fora dos eixos de um mundo apenas retilíneo nas sacrossantes intenções de destruir? Que falem as dúvidas.
 
 
 
 "Salomé" ou "A dança dos sete véus", 2002, 118 x 99 cm,
óleo sobre tela e madeira
 
 
 
 
        Por isso, pouco a aduzir sobre o título Santidades. Ele me veio, não pela crença de um Deus, que me ignora — mas pelo que eu ainda acredito da pintura, mesmo que se faça, mais uma vez, sobre a pintura.
 
 
A última ceia, 1999, 64 x 58 cm, óleo sobre tela e madeira
 
 
A natividade, 1997, 59 x 67 cm, têmpera e óleo sobre madeira