©guy bordin

 
 
 
 
 
 
 

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o desenho do corset

nas costas


a mulher que escondeu

atrás da armadura:


um enigma


procurava aquela exata

memória, ao cortar o

o coutil


ao costurar o  tafetá

na linha do busto


suspensa fragilidade

na silhueta interna

da barbatana


como um falso

torso, tolhido


por tantas fitas







//



primeira vez

cortando renda


peguei o molde

de um bolero antigo

dado por uma amiga


não cabe mais nela


renda negra

para o meu bolero


como um de minha mãe

em azul marinho


cortar estas peças 

os moldes do passado


a manga copinho

o vinil tocando boleros


e um tubinho preto

para dançar com ele






//



encontrar a agulha

precisa


para costurar

retalhos


de cetim

e renda


de um vestido cor-de-rosa


para um baile

que você nunca foi 






//



violência

sufocando a

psique


uma sombra

tapando a boca


dentro de uma cela


luz sobre

a cama

estreita


onde brilha

o paetê turquesa


de uma saia


ela vira sereia

se desfaz dos

dedos


e acorda

arfando







O DIA EM QUE DEIXEI DE SER GUEIXA



A caligrafia invadia o teto, a parede. Shodō. Um vazamento inundava o tatame. Os sentimentos enchiam o quarto, transbordavam. Uma mulher sozinha no aposento, deitada, olhando a luz vaga pela persiana de papel. A falta de luz dentro do quarto atemporal. Poderia ser Paris, poderia ser Tóquio, poderia ser Aquiraz. Ela meditava, dispersa, vestida num quimono vermelho.







SERTI



A tinta inunda o tecido até esbarrar no gutê. Desenho uma mulher de cabelo curto, loiro, com uma blusa negra de mangas bufantes. Ao lado de uma bolsinha, um perfume Shalimar, um scarpin vermelho. Imagens de Guy Bourdin. Cada objeto guarda uma história. A seda seca na moldura. Caminho por corredores de outras modas. Granny takes a trip num vestido de veludo vermelho com um raio azul, em plissados vestidos de crepe da China. A névoa do vapor cozinha a pintura no tecido, envolta em papel e alumínio. Para revelar o magenta, as cores vivas. Faço a barra da peça. É o meu fetiche.



março, 2022



Virna Teixeira nasceu em Fortaleza. Poeta e tradutora. Publicou diversos livros de poesia no Brasil e exterior, com destaque recente para a coleção bilingue My doll and I (Lumme Editor, 2021), uma reflexão sobre crossdressing e gênero. Virna gosta de costurar suas roupas, e prepara seu primeiro livro de contos, A pupila. Vive em Londres, onde trabalha como psiquiatra.


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