[Conexão]
 

 

 

 
 

 

 

 

E L A S

 

 

ela era triste e louca

seu melhor amigo o vinho

sempre em velocidade

na rua atrás de carinho

 

uma tinha tudo e era pouco

um amor que não lhe cabia

mas largou o que possuía

mudando de mente e de corpo

 

levava a força com ela

queria mudar seu mundo

no fundo ela não era

A D'arc, Amélia ou Cinderela

 

e desde cedo meu entender de menino

se encantou por seu coração feminino

 

outra vivia entre os livros

sua solidão uma história

de repente um anjo voador

lhe apagou toda a memória

 

aquela criava a família

seu universo era uma ilha

mas ficou sem mar sem saída

ao esquecer de si se traía

 

seu sorriso era um tiro

vivia feliz e em paz

quis multiplicar suspiros

gostar muito mais se capaz

 

e desde cedo meu entender de menino

se encantou por seu coração feminino

 

a infância não foi boa

mas ela gostava do pai

fugiu na primeira canoa

salvando uma alma que cai

 

seu silêncio era um mistério

a moça não era esta sina

uma alegria bem mais séria

no querer que não se destina

 

 

todos os homens foram seus

beijo sexo e a paixão

mas agora sem muita ilusão

vive um caso secreto com deus

 

e desde cedo meu entender de menino

se encantou por seu coração feminino

 

depois da mais linda festa

passou a vagar bem a esmo

o vestido ficou rasgado

mostrando o seio a si mesma

 

foram tantas idas e vindas

no novelo da liberdade

aos poucos achava o caminho

labirinto felicidade

 

a sua presença de mulher

inventando o mundo melhor

ensina como semear

afeto descanso e calor

 

e desde cedo meu entender de menino

se encantou por seu coração feminino

 

 

 

[Letrama]

 

 

 

C A N O

 

 

esse ano

íamos bem

chegou o susto

pintou revés

sujou geral

 

furou o plano

tipo vai entrar pelo cano?

 

baixou a sombra

zerou a conta

rasgou o pano

parou a roda

fechou o tempo

 

chegou insano

propondo entrar pelo cano

 

virou perigo

propondo ataque

só conspiração

no seu estoque

se diz inimigo

 

é um afano

mandando entrar pelo cano

 

faça saída

fique de fora

pra anular

o tal fulano

que te convence

 

ser mediano

não vá entrar pelo cano

 

fique distante

do preconceito

vá na proposta

de afastar

esse defeito

 

seja humano

deixe de entrar pelo cano

 

mais uma vez

busque o bem

tente brilhar

cá e além

faz reverter

 

esse engano

já ia entrar pelo cano

 

venha a chama

acenda a luz

pinta e canta

degusta avança

dança encena

 

mão no piano

assuma não entrar pelo cano

 

siga o rumo

voo ou a pé

rural ou urbano

anda na fé

mira o melhor

 

para nunca entrar pelo cano

desencana!

 

 

 

[Selecionar]

 

 

 

CÁ SAMBA

 

 

uns dançam conforme a musica

levando a vida na flauta

outros botam boca no trombone

 

e afastam a velha ladainha

pois isso não é sonho de valsa

só pra ver a banda passar

 

está tudo muito punk

e será bastante pauleira

para quem só quer lero-lero

 

não venha com choro

essa situação é grave

perdemos toda a harmonia

 

esse toque é uma cantada

mas não um arranjo de fuga

orquestrando um voo solo

 

 

 

[JÁ]

 

 

 

H Á

 

 

há poesia na pedra

há poesia no vento

há poesia na rede

 

no vazio na parede

 

há poesia nos muros

há poesia nas falas

há poesia no tempo

 

no papel e no silencio

 

há poesia na terra há poesia na gruta

há poesia nos astros

 

no gozo e no fracasso

 

há poesia no papel há poesia na tinta

há poesia no som

 

no evitável e no bom

 

há poesia na luta há poesia no grito

há poesia na dor

 

na guerra e no amor

 

há poesia no jogo há poesia na aula

há poesia na ida

 

no caminho que instiga

 

há poesia aflita há poesia carente

há poesia na calma

 

no corpo e na alma

 

 

 

[Poéticas Leituras]

 

 

Nota da editora: Poéticas Leituras foi uma instalação de arte pública e poesia urbana feita por João Diniz e Bel Diniz na Área Central de Belo Horizonte, por ocasião do Festival da Luz, em outubro de 2021. A montagem se deu por meio da instalação de 13 faixas de tecido de 12 x 1,5 metros, com palavras de oito letras impressas e suspensas por cabos de aço estendidos entre os blocos mais baixos dos edifícios Sulacap e Sulamérica (Av. Afonso Pena/Rua da Bahia). O conjunto cromático pôde ser apreciado, e lido, desde o pátio interno dos prédios e também à distância, no Viaduto Santa Tereza. À iluminação cênica e dinâmica instalada na marquise interna dos imóveis proporcionou imagens noturnas variadas da obra.

 

 

 

L Í Q U I D O

 

 

o rio nunca é o mesmo

a esmo passa líquido

e não chora devora

 

sua água mata a sede

na rede de lembranças

recordações e canções

 

a seca entorna a mágoa

a lágrima rega o sonho

do olho em corpo úmido

 

por um sorriso breve

jorram palavras a dizer

a vida como história

 

emoção ficção sem dono

que por dedos escorre

lavando a existência

 

impossível retê-la

náufraga no misterioso lago

no vento do campo chuvoso

no reflexo em chão molhado

 

não existe cenário pronto

para a lavada alegria

que evapora e chora em ciclo

que afirma e questiona

 

que duvida e inventa

a ficção da transparência

o risco da liberdade

 

a gravidade da curva fluida

que desce com a matéria

e sobe com a leveza

 

 

 

[Alô]

 

 

 

D E C R E T O

 

 

decretaram

 

que estava proibido o beijo

que as flores não teriam mais odor

que não se deveria mais pensar

que o sorriso estaria extinto

que o carinho seria um delito

 

acontece que

 

havia mais volúpia em beijos discretos

as cores florais não abdicaram de seus perfumes

balões invisíveis passaram a pairar sobre as cabeças

(como nas estórias em quadrinhos)

uma serena e segura felicidade substituiu as gargalhadas tensas

as crianças se revoltaram e começaram a abraçar todas as pessoas

 

decretaram que

 

a poesia estava banida

a beleza não poderia mais circular

a musica existiria apenas se fosse silêncio

a arte seria desnecessária

a dança deveria a ser imóvel

 

acontece que

 

todos passaram a se comunicar por versos breves

o imaginário popular desconhece o feio

intuiu-se um fone de ouvido invisível

(onde as canções soam na memória)

a resiliente natureza é a maior de todas as obras

os corpos se movem em ritmo e graça nos passos do dia a dia

 

a cada absurdo decreto

surgirá um oposto secreto

e cada segredo

será compartilhado

por aqueles que não têm medo

e o medo partirá

em degredo

 

 

 

[Sede]

 

 

Nota da editora: Sede é uma obra do arquiteto João Diniz, que adota o copo de vidro — carinhosamente chamado em BH de "Lagoinha" — como o seu único material de composição. A palavra título remete à função principal desse módulo construtivo e às carências ambientais e sociais presentes em necessidades e privações individuais e coletivas, sejam elas reais ou metafóricas: "Você tem sede de quê?". A instalação propõe uma aproximação do observador, em que uma frágil topografia ascendente, percebida à distância, se torna a palavra mensagem do trabalho, quando vista mais de perto. O significado da obra sugere a importância do tema, que se não percebido e saciado causará grandes danos a todos e ao nosso planeta. O trabalho faz parte da "Ação Street da Modernos & Eternos", que incluiu 20 autores trabalhando com o mesmo material fornecido pela fabricante Nadir Figueiredo, e foi um convite de Marcos Esteves, coordenador de arte da mostra, exposta na Galeria Murilo de Castro até 12 de julho de 2022. Dimensões: 115x115x40cm com 500 copos sobre base de madeira.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


João Diniz é arquiteto e atua em Belo Horizonte com seu escritório de projetos, efetuando projetos e obras nas áreas de urbanismo, arquitetura, design, cenografia e artes visuais. É também professor na Universidade Fumec e palestrante em instituições acadêmicas e profissionais do Brasil e exterior. Mestre em Construção Metálica pela UFOP e doutorando pela UFMG analisando seus processos de projeto. Publicou os livros João Diniz Arquiteturas (2002), Depoimento: Circuito Atelier (2007), Steel Life: arquiteturas em aço (2010), Ábaco (2011), Aforismos Experimentais (2014), O Livro das Linhas (2020) e Futurografia (2021); além de outras edições experimentais ou livros únicos sob demanda. Paralelamente, participa de edições, físicas e digitais, de CDs e DVDs, exposições e apresentações individuais e coletivas voltadas à arquitetura, fotografia, poesia, vídeo, artes visuais, design e música. Algumas dessas ações são executadas com o projeto colaborativo Pterodata, que criou e que está dedicado a ações interdisciplinares nessas diferentes áreas da cultura. Seus trabalhos podem ser conhecidos nas redes sociais, plataformas digitais e aqui: www.joaodiniz.com.br

 

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