[Em memória de Bruno Pereira e de Dom Phillips, que tombaram sob a necropolítica que assolou nosso país]

 

 

E aí chegaram os homens, com seus tiros, suas mentiras, seus pés duros, sua ganância que não cessa nem diante de Deus nem em face da morte.

Fugimos à noite para longe, para o fundo mais fundo da floresta, lá onde só havia o canto e o encanto dos pássaros, o gargarejo dos rios, o sussurro macio das fontes que corriam como veias de prata, levando a seiva da vida para o verde.

E aí chegaram os homens, outra vez, com suas taras, suas caras besuntadas de navios, suas mãos sempre rápidas, lambuzadas de sangue, suas almas vazias e seus olhos acesos, sempre cúpidos, sempre querendo mais que o mais havido.

Fugimos outra vez para as distâncias, para os longes mais longes e remotos, para o escuro mais fundo, para além, mais além de onde nunca estivéramos ou tivéramos notícia.

E aí chegaram os homens novamente, com seus gritos, seus brados e seus braços entupidos de morte, repletos de ambição e de vazio impreenchível.

Fugimos mais ainda e uma outra vez, e uma vez mais, e sempre e sempre, cada vez mais para lá da mata, além dos montes, mais pra lá do horizonte, do que podia existir, do que pudéssemos.

Mas então vieram os homens sempre mais, e uma outra vez e outra, e sempre o sangue insone a avermelhar a terra, o mar, o ar, tudo o que o homem toca, com seus dedos compridos, repletos de ganância e querer mais.

E agora nos cosemos neste escuro, ao rés do chão, no fim de quanto existe, para que os olhos dos homens não nos vejam nem seu desejo de morte nos alcance.

Porque não sabem nunca como a vida pode acordar clarões na nossa cara e pássaros podem nascer de nossos dedos.

Para onde vai o homem segue a morte, sua sombra, seu rito, sua essência. Onde ele pisa, a vida se estiola e se evapora como a neblina ao sopro da manhã.

 

 

junho, 2022

 

 

 

Viriato Gaspar. (São Luís/MA, 1952). Jornalista profissional desde 1970. Funcionário público aposentado do Superior Tribunal de Justiça. Tem participação em mais de uma dúzia de antologias poéticas no Maranhão e em Brasília. Seus poemas foram publicados em vários veículos nacionais. Vencedor de muitos prêmios literários importantes, tanto em sua terra natal quanto no Distrito Federal. Bibliografia: Manhã portátil (poesia, São Luís/MA: Gráfica SIOGE, Plano Editorial Gonçalves Dias, 1984), Onipresença (poesia, versão incompleta, São Luís/MA: Gráfica SIOGE, Plano Editorial Gonçalves Dias, 1986), A lâmina do grito (poesia, São Luís/MA: Gráfica SIOGE, Plano editorial da Secretaria de Cultura do Estado em convênio com o SIOGE, 1988) e Sáfara safra (poesia, São Luís/MA: Gráfica SIOGE, Plano Editorial da Secretaria de Cultura do Estado em convênio com o SIOGE, 1996). Tem, no prelo, pela Editora Penalux, de São Paulo, os livros Fragmuitos de mim (antologia de sua obra poética) e Onipresença (versão completa). Possui, ainda, inéditos, dois outros livros de poemas — Voo Avesso e Lapidação da noite — e um de contos, Ir-me entre os vivos. Está terminando um livro de salmos em linguagem moderna: Sílabas de Fogo.


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