©angelo bognanni
 

 

 

 
 

 

 

 

Torre Pellice



estou no norte da Itália

onde os tetos das casas

são de pedra lascada

onde o vinho tem cor 


de sangue pisado

onde as montanhas são

majestade e solidão 

onde as folhas da figueira

fazem sombra no quintal


a casa é de 1894

está gravado na pedra

acima da porta

flores brancas e amarelas

como o silêncio


escolho a palavra pomeriggio

e a palavra terremoto

e a palavra tutto

para responder perguntas


escolho Lucio Dalla

e Lucio Battisti

para inebriar de canção

as tardes montanaras


aqui

onde os corredores

do hospital antigo

têm pinturas renascentistas

aqui

onde as pedras das ruas

são tranças e espinhas de peixe


escolho bailar

à luz da lua

escolho Ti voglio bene assai

até que eu pare de sonhar







sobre Berlim



pois muitas coisas não me falaram

sobre essa cidade

não me disseram sobre essa luz

dourada no outono

dos amarelos dos laranjas

pelo chão

e como olho mesmo muito para o chão

eis que me deparo com essas pedras stolpersteine

com nomes de pessoas/famílias deportadas

com datas e destino gravado

e quando se para

um segundo que seja

para ler os olhos

imediatamente

se enchem d'água

e por falar em água

ninguém me disse 

aqui passa um rio

cidadão antigo o spree

com bares e gáudios

às suas margens

festejando a vida e o sol

rio maroto

se esconde e reaparece

quando menos se espera

a mim que tanto me falta

o mar e o sal

me alegro quando ele 

se faz surpresa na janela 

do metrô

que seria frio e escuro no inverno

sim sim,

isso me avisaram

mas como sou nostálgica por natureza

e sempre me falta um fado

basta arder uma vela e

avistar as janelas 

acesas

nos apartamentos antigos

para amortecer

o gelo e a escuridão

ensaio sempre

um sobressalto

ao sair de casa, pois

muitas coisas nessa cidade ainda não sei







Manaus



Calor. A quentura abafada

Carpetes e papéis de parede mofados

embolorados formam bolhas gigantes pelos corredores

O rio Negro é um rio lindo

é a imensidão

Camisola branca de tecido fino pendurada na janela

lá debaixo vejo

a camisola esvoaçar

Saio para nadar na noite quente

mergulho de cabeça

me atiro com tudo

Você bate na porta do quarto

me atiro com tudo

São tantos verdes por aqui

Onça pintada enjaulada

os olhos a pata da onça

pena da onça

Um macaco me dá a mão

Eu rio e choro

Quero ler o livro

aqui não dá

Tudo é levado

pela torrente

também eu sou arrastada

Você está feliz e

amo em ti este sorriso

Uma cama de hotel

umidade relativa do ar de oitenta e sete por cento

Tua voz enternecedora

me desperta







Clarabica / SP-150



quem toma daquela

água pura

sai falando 

verdades.

A bica fica na

serra do mar

no meio de verdes

árvores

sai água cristalina

das pedras

clarabica

clara a boca

desenrola a língua

que não se cala

vai vomitando

palavras

faladepolíticafalaeuteamofaladóiocoração

fala até no escuro da noite

dormindo/sonhando /clareando







Jardins



queria poder te descrever

essa paisagem cinza

da janela do quarto

não sei se você se lembra

você costumava fechar 

a janela

queria poder te falar

que havia certa beleza

na feiura daquela vista

naqueles carros estacionados

aquele ermo

aquela falta de árvore

carros que parados, se moviam

os trilhos de aço do estacionamento

estranha engenharia

queria que você visse isso

que é algo como o teu sorriso

capeado 

que sempre amei

queria poder te contar

que foi esse vento essa chuva fina

que a escrita veio com esse vento cinza

da janela dos Jardins.







A praia de munch



são homens brancos

alemães poloneses

caras e antebraços bronzeados

mais do que o resto do corpo

membros escurecidos pela pele murcha

torsos vigorosos

espelho reluzente


homens nus

banham-se

de mar de sol


aqui na praia de edvard munch

o céu é laranjazulado

areia em tons de jade


pincelado/espatulado o

azuverde do mar ondas

camaradagem viril

olhar maré

óleo sobre tela













Se queres saber



Para E. Lubitsch



se queres saber chego por intermissão

tateio pelas paredes

me visto de noiva

danço em bailes

desponto na aurora


se queres saber sou um ser

sem medo

impregnada de sonho

títere feiticeira

maga trepidante


mas admito

que neste mundo

até que sou feliz

mesmo quando me quebro.


Se queres tanto saber

confesso, sim

sou eu sim, Ossi

a filha de Hilarius

e respiro.







a onça



como crença avita a gata

se esfrega nos troncos

seu jugo é feito

madeira nobre


deitada em seu galho

no salta-martim a felina 

contempla prescruta

seu butim


vida que vai vida

que vem

suçuarana

que tudo vê


seu urro é 

olência

evapora-permanece 

éter-entra nas


fendas abertas 







Spiderwoman



Caranguejeira aguerrida no ar que

rarefeito raramente lhe falta


pega na cesta uma drupa

chupa o único caroço ressalta


teia alheia ela rouba arranca extorque

aranha que mete medo se reconhece forte


meio artrópode meio fruta essa mulher é arguta

com ela é vida no cash nada de permuta


tecendo quatro cantos chega até Nova York

arranhar céu já lhe cansa se manda pro Oiapoque







Joni



perto do natal ela canta que

começam a cortar os pinheiros

ela canta que

queria ter um rio 


uma história de amor uma briga com o namorado ela é difícil

(é sempre assim)

um rio que é amor e descaminho

um natal murundu


onde eu moro

também começam

a cortar os pinheiros

(que depois dessecam jogados nas calçadas qual carcaça)


onde moro tem um rio

ele se mistura com o rio da voz de Joni

e fico sussurrando pra mim

I wish I had a river a could skate away on







segredo



o segredo é meu e

só eu sei que é segredo

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Valeska Brinkmann, santista, estudou Rádio e TV em São Paulo. Tem textos em revistas literárias online e impressas, traduções de poesia alemã (Escamandro, revista Cult, revista Intempestiva), participação em antologias (Alemanha, Brasil, Portugal). Integra o coletivo GLENSE — Guerrilha Literária Espontânea na Sala de Estar e é aluna do Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE) da Casa das Rosas. Vive em Berlim.