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Um dia de março



Poesia de todo dia

Adentrou a quinta e quarta vértebras

Deixou em ponto de bala

Partiu a terça parte do meu amor

Abelha trancafiada no paliteiro

Morte espetada ao redor.







Travessia



A bico de pena

Escrevo

Versos

Gaivotas

Verde canoas

Cidadezinha mágica

Seu outro lado

Atravessar a ponte

Rio sem água.






Não passarão



Não me dê um colar com meu nome

Não sou toda mulher

Urubus rodeiam a carcaça dinheiro

Podridão de destino

Golpistas







Estrondo



Desconforto amargo

Impossibilidade de criar e de voluntariamente agir

Mundo que empurra

Severamente proibido para a maioria

Os eleitos não abrem mão

As ligações estão fracas

O funcionamento se faz em colapso

Coisas ardem em compasso quinário

Frouxas rotas

Veias

Estranho

Veloz

Eternamente insuportável.







Linguagem



Encontro de palavras e coisas

Deixar acontecer o deslizar de mãos.







Concerto em fá menor



No largo

Tua morada

Namorada lua

Mora o pecado puro

Observador

Limite de formas e fomes 

Limiar do cheiro da neblina

Névoa do passado

A luz do lampião de ferro desnuda

Quase sem cor

O breve halo azul 

Alado

Ao lado

Do largo da tua morada.







Acalanto para a menina que sonha acalantos



Canto para a menina que sonha acalantos

Brinca de roda com os olhos do mundo

É feito criança num tom distraído

Puro equilíbrio

Não cresce menina

Que o mundo é violento

Guarda nos olhos toda a inocência

Quer se conhecer tentando entender

Todo o infinito

Canto para a menina que o mundo é violento

Guarda nos olhos os olhos do mundo

É feito criança tentando entender 

Todo o infinito

Não cresce menina que sonha acalantos

Brinca de roda toda a inocência

Quer se conhecer num tom distraído

Puro equilíbrio.







Ano novo no Brasil



Para Henfil



Fim de ano

Agenda nova do PT

Não cabe um cartum

Nem um riso

O riso Henfil, quem levou?

Teu sangue Brasil

Vermelho

Coragem

Necessita de pureza

Não há quem pague

Nem teus santos

Meninos

Fradinhos

E impune

O sonho desaba

Na dureza dos vírus.







Ocre



Poema ofício

Sabor verbo

Vértebras

Instante

Paladar 

Provar cores

Seiva

Reino modesto

Mar não pacífico

Metafísico

Ondas.







O amor



Caprichoso

Imagina para a vida um destino passarinho

Sempre em voo

Solto véu

Sempre novo

Puro mel

Lambuza

Trabalha o fio das horas

Horas a fio

Escapa às frutas

Sabor sem fim

Barulho

Paz.







Chácara



Meus ídolos

Esfacelados trópicos

Almas de casimira

Vestidos de avós

Passagem das horas

Malditas pragas

Levando a matéria

Deixando rastros

Veredas me assombram

Memória das fontes de água pura

Descobertas botânicas

Fazer diário

Poder habitar o teu quintal

Achar-me em outro século

Sem a menor vontade de voltar.







Jazz instrumental



Intangível

Não há vida após a prosa

Um dedo de cólera

Corda bamba

Esse copo

Sonoridade de madeira

Range

Dentes da noite

Pés de café

Certeza

Atravessa

Vaza

Veia aberta.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Tânia Rêgo. Doutora em Música pela UNIRIO. Mestrado e Graduação em Música na Universidade de Brasília (UnB). Toca saxofone e é professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão-IFMA. Participou de festivais de poesia falada da UFMA, tendo o poema "Números", publicado no vol. III dos Novos Poetas Maranhenses, em 1991. Participou da coletânea de poesia O feminino na poesia: antologia poética de professoras poetas (São Paulo: Todas as Musas, 2018). Publicou o livro de poesia Espraiamento do sólido (7Letras, 2017)


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