oiticicas

e ouricuris

araticuns

e xiquexiques

raízes

entremeadas

de sal suor e riso


cobertas

pelo céu

de extremidades

azuis

esgalham-se

e rompem

com o destino de


ser 


tão








cacimbas



breves placas líquidas

rebrilhando ao luar

realimentam

a esperança

no sertão




[Do livro Miragem. CEPE, 2015]




alma gêmea



tons de azul 

tingem o silêncio

da noite

quando 

busquei em mim

tua alma nua

para compreender

o barulho

da minha







trilhos do tempo



o maquinista

flerta com a paisagem


olhando pro futuro

mas não tem a liberdade


de correr fora

dos trilhos


ou tem?




[Do livro Meu samba. Penalux, 2015]




vazios



enquanto um lençol puído cobre meu corpo

um assobio fecha os dias preenchendo vazios







burguês



com vista pro mar

de costas pra vida

vegeta

entre arranha-céus







insônia



a noite não perdoa os insones

nem os que catam estrelas com as mãos

toda noite um sol é deposto

para que a escuridão

reine sozinha


a noite é um vaga-lume

em estado de êxtase







gênese



nenhum poema nasce

do ponto no bordado

do dedo no teclado

do rabisco na folha


nenhum poema nasce

sem desejo


de romper o asfalto

quebrar a rocha

desafiar limites

enfrentar o caos


nenhum poema nasce pronto

faz-se tatuagem na ponta da língua




[Do livro O que ficou da fotografia. Linguaraz, 2016]




quanto vale



esse grito

engasgado

com minério


no mapa

rios e montanhas

precificados

na alienação


a vida tem sido minas

prestes a explodir







insistência



dos olhos secos do açude

a vida insiste em brotar


nos riachos secos do agreste

a vida insiste em brotar


no corpo seco da caatinga

a vida insiste


e brota







anti-sol



há dias

formigas escalam

uma paisagem escura 

seus passos decidem

o ritmo da agonia

flores expropriadas


há dias

imagens imprecisas

feitas de esquecimento 

espalham-se no chão

da madrugada


escuro vertical


há dias

o anti-sol acorda o mundo




[Do livro As flores daqui são duras. Penalux, 2021]


 





[imagens ©georgia o'keeffe]

 

 

 

Socorro Nunes é cearense, de Araripe, radicada em Minas Gerais. Poeta. Professora Titular da Universidade Federal de São João del-Rei e pesquisadora da cultura escrita. Publicou os livros de poesia Meu samba (Penalux, 2015), Miragem (CEPE, 2015), O que ficou da fotografia (Linguaraz, 2016) e As flores daqui são duras (Penalux, 2021). Tem poemas e contos publicados em revistas e coletâneas no Brasil e em Portugal. Publicou, com Pedro Américo de Farias e Christiano Aguiar, o livro Ficção em Pernambuco (CEPE, 2021).