©sguimas

 
 
 
 
 
 
 

Fome é tema de ensaio fotográfico

com ossos à venda em bandejas

 

 

come osso menina

come osso menino

não há mais metafísica no mundo

do que comer osso

 

no açougue ou no mercado

osso de graça já foi dado

hoje é vendido hoje é comprado

 

come osso maria

come osso mané

come osso joão

com arroz e feijão quebrado

 

porque nesse país sem nome

temos que comer osso

para matar a nossa fome

 






§

 

 

já podeis

da pátria, filho

ver demente

a mãe gentil

 

já raiou

a liberdade

em cada cano de fuzil

 

salve lindo

fuzil que balança

entre as pernas

a(r)madas da paz

 

a gripezinha

era a certeza esperança

de um genocida

imbecil incapaz

 

 

 

 

 

 

§

 

 

A vida 

sempre em suspense

alegria prova dos nove

fanatismo não me convence

muito menos me comove


 

 

 

 

 

Navegar é preciso



Para Fernando Aguiar



Aqui

redes em pânico

pescam esqueletos no mar

esquadras  descobrimento

espinhas de peixe convento

cabrálias esperas relento

escamas secas no prato

e um cheiro podre no AR

caranguejos explodem

mangues em pólvora


é surreal a nossa realidade

tubarões famintos devoram cadáveres

em nossa sala de jantar


como levar o barco

em meio a essa tempestade

navegar é preciso

mas está dificilíssimo navegar


Deus não joga dados

mas a gente lança

sem nem mesmo saber

se alcança

o número que se quer


mas como me disse mallarmè

:

— vida não é lance de dedos

A vida é lança de dardos

Deus não arde no fogo

mas eu ardo







poema a(r)mado



todos os dias

capino a esperança

escavando outras palavras

no chão desse quintal


e quando escrevo com enxada

o poema é mais real







cacomanga

 

 

na roça desde cedo comecei a escavar

palavras e separar uma das outras de

acordo com o seu significado dar farelo de

milho para os porcos e olhadura de cana

para o gado aprendi que no terreiro não

dependo de mercado e para que urbanidade

se a cidade não tem paz com a enxada

capinei a liberdade e descobri que ditadura

é uma palavra que não cabe nunca mais


 

 

 

 

 

testamento



a tesoura rasga o tecido da carne

enquanto sangra 

no processo cirúrgico do poema

corta de cada palavra a sílaba

que não presta 

de cada frase a palavra

de cada sílaba a letra morfa 

e o poeta vai vivendo no que resta






fulinaíma sax blues poesia

 

 

ela era Bruna

em noite de blues rasgado

soltou a voz feito Joplin

num canto desesperado

por ser primeiro de abril

aquele dia marcado 

 

a voz rasgou a garganta

da santa loucura santa

com tanta força no canto

que até hoje me lembro

daquela musa na sala

 

com tua boca do inferno

beijando meus dentes na fala

 


Nota do autor: Esse poema foi escrito em noite de Fulinaíma Sax Blues Poesia, no dia 1º de abril de 2015 — 50 anos do Golpe Militar de 1964, performance realizada no Bar e Restaurante Dona Baronesa, em Campos dos Goytacazes/RJ, com Artur Gomes, Reubes Pess, Dalton Freire e Bruna Tinoco.







pan(demônica)



Para Salgado Maranhão

inspirado em seu poema Pá



passeio os pés descalços

sobre covas rasas

contando ossos no poema exposto

no sujeito do objeto


tudo isso exposto

nesse papo reto

segue o passo norte


não leio cartas de suicídio

nem decreto de hospício

na tentação que me conforte


quero matar o genocídio

pra não morrer antes da morte







metáfora

 

 

meta dentro meta fora

que a meta desse trem agora

é seta nesse tempo duro

meta palavra reta

para abrir qualquer trincheira

na carne seca do futuro

meta dentro dessa meta

a chama da lamparina

com facho de fogo na retina

pra clarear o fosso escuro

 

 

 

 

 

 

Indigesta

 

 

ê fome negra incessante

febre voraz gigante

ê terra de tanta cruz

 

onde se deu 1ª missa

índio rima com carniça

no pasto pros urubus

 

oh! My Brazyl

ainda em alto mar

Cabral quando te viu

foi logo gritando:

 

— Terra à vista!

e de bandeja te entregando

pra união democrática ruralista.

 

por aqui nem só beleza

nesses dias de paupéria

nação de tanta riqueza

país de tanta miséria

 

 

 

[Poemas para a segunda edição ampliada do livro Pátria A(r)mada. Desconcertos, 2019]

 



dezembro, 2021



Artur Gomes é poeta, ator, videomaker e produtor cultural. Tem diversos livros publicados, sendo os mais recentes SagaraNAgens Fulinaímicas (Edições Du Bolso, 2015), Juras Secretas (Penalux, 2018) O Poeta Enquanto Coisa (Penalux, 2020 ) e Pátria A(r)mada (Desconcertos, 2019, Prêmio Oswald de Andrade, UBE-Rio, 2020). Inédito: O Homem Com A Flor Na Boca e Da Nascente A Foz : Um Rio De Palavras (livro de memórias). Dirigiu a Oficina de Artes Cênicas do Instituto Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes/RJ, de 1975 a 2002. Em 1983, criou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira e, em 1993, idealizou o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira Mário de Andrade — 100 Anos — realizada pelo SESC São Paulo. Em 1995, criou o Projeto Retalhos Imortais do SerAfim Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim, executado pelo SESC-SP em várias unidades na capital e pelo Estado. Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, realizado até 2019 pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes/RJ. Em 2002 lançou o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia , com seus parceiros Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess. Em 2021 lançou dois e-books — Poesia Para Todas As Horas e O Homem Com A Flor Na Boca ou O Poeta Enquanto Coisa. Desde 2007 produz performances poéticas com videopoemas. Em 2021 fez curadoria para a Mostra Cine e Vídeo De Poesia Falada. realizada pelo SESC Piracicaba/SP. Mantém na sua página Studio Fulinaíma de Produção Audiovisual, no Facebook, o Festival Cine Vídeo de Poesia Falada. Com seu videopoema Goytacá Boy, é um dos poetas que integram a Mostra Virtual de Videopoemas do Projeto Bossa Criativa, Arte de Toda Gente, realizado pela FUNRTE Rio. Em 2021 integrou a Comissão Julgadora do Festival Cine Urutu, realizado pela Prefeitura de Pindamonhangaba/SP e fez curadoria para o Festival Ecos — Videopoemas, realizado pelo Instituto Federal Fluminense.


Mais Artur Gomes na Germina
> Poesia