O que podemos dizer do novo livro de poemas de Rodrigo Starling, intitulado O Cético Selo? Primeiro, que se trata de uma iniciativa original para celebrar as duas décadas da trajetória poética dele e as quatro décadas de sua existência como pessoa física, cidadã e natural de Belo Horizonte, capital mineira, Brasil. Segundo — em especial —, que estamos diante do sexto livro solo do poeta que, nos últimos 20 anos, disse muito bem a que veio artisticamente. Aqui e agora, porém, nos interessa o artesão do verso, de quem passaremos a comentar a mais nova obra. 

O poema-título "O Cético Selo" é um dos 27 textos que compõem esta obra homônima e bilíngue (português/francês), que vem a público para, mais uma vez, reafirmar o amadurecimento poético de Star. Portanto, nem é preciso dizer que ele veio ao mundo para brilhar! 

Para conduzir o leitor pelos labirintos estético-expressivos do selo mágico, vamos eleger dois aspectos relevantes para dialogar com a obra em questão: 1) o apelo simbólico e metafórico e, por consequência, sua conexão intertextual com grandes poetas do simbolismo nacional, como Augusto dos Anjos, e internacional, como William Blake; 2) o foco metapoético através do qual o poeta exercita e debate o fazer literário — como nos poemas "De pressão vivem os poetas" e "Poema-relógio —, de maneira que os textos possam (se) enriquecer e (se) inspirar em termos de conteúdo e forma. Porque, afinal, estamos conscientes do valor da obra de arte enquanto tal e, também, enquanto meio de ligação com o leitor, como propõe a teoria da recepção. 

No primeiro aspecto, assistimos a Starling surpreender com uma poética extremamente metafórica e simbólica de posse dos temas caros à humanidade — como o amor, a ansiedade, a esperança, o tempo e a salvação —, com voos altaneiros e imagens grandiloquentes. Nesse momento, ele arrebata seus leitores não só como poeta inspirado, mas também como filósofo conhecedor das (segundas) intenções da alma humana. Claro que essa mistura poético-filosófica imprime um quê starliano irresistível: versos repletos de beleza e, portanto, envolventes. Impossível resistir à loucura lúcida, como diria Mario Quintana. 

Para que a viagem fique mais mística e arrebatadora, Starling lança mão de um recurso muito eficiente — a intertextualidade —, dialogando com toda uma tradição poética (também filosófica e espiritual), com consequências líricas e expressivas da maior relevância artística. Daí resulta um discurso poético de grande sedução para o público que, contudo, precisa estar pronto para a recepção estética. Pois aqui não há concessão, há entrega e troca. Se de um lado, o poeta está certo de que "Não escrever é morrer", do outro, ele cobra na mesma moeda: "Leitor, quem te tornas ao me leres?".

Claro que essa profusão de temas, cores e influências não cai do céu nem irrompe das entranhas de Gaia. Em O Cético Selo nada é gratuito, mas tudo se apresenta fluido, fértil e febril, como um poema, uma prece ou um símbolo. E as contribuições para essa totalidade advêm, por exemplo, de um Blake, Descartes, Deus, Dos Anjos, das quatro Estações, Heráclito, da Luz e da Escuridão. 

Peguemos o "Isaac Newton", que ilustra a capa desta obra de modo definitivo e que, pelo visto, foi tão bem assimilado por Rodrigo Starling. Na imagem, o cientista aparece retratado nu e curvado, no fundo do oceano, medindo atentamente algo com seu compasso. Trata-se de uma gravura pintada por William Blake no final do século XVIII que, à primeira vista, nos revela a intimidade do poeta também com as artes visuais. Contudo, mesmo nas suas pinturas, o grande visionário faz escolhas: emoção em vez de razão, sentimentalismo em detrimento do racionalismo, arte no lugar da ciência, e assim por diante. Blake em vez de Newton — a poesia agradece. 

Num segundo aspecto — de caráter metalinguístico — Starling coloca em questão o próprio fazer poético, enquanto arte da palavra, chamando para si a responsabilidade de botar o signo para esclarecer o signo, o código para explicitar o código, num exercício de empoderamento da linguagem. Até porque, como diria Heidegger, ela é a morada do ser. 

Essa preocupação aparece, com destaque, nos poemas "Ouroborus" ("Demiurgo leitor, ora pro nobis"), "Não escrever é morrer", "Poema-relógio" ("Sonho o poema como um relógio"), "O morcego de Wuhan" (para Augusto dos Anjos), "Eu vos dedico" ("Eu vos dedico este poema"), "Parnaso de além-mar", dentre outros. 

Aqui para nós, essa coisa de um escritor ou poeta dialogar com outros autores e/ou textos (intertextualidade) e de a linguagem refletir sobre si mesma (metalinguagem) foi inventada para enfatizar o caráter literário de um texto — ao que chamamos "literariedade". Mas nada disso teria razão de ser se a participação do público fosse ignorada na equação autor/leitor, pois o texto ganha relevância social e artística na medida em que é lido, assimilado e ressignificado pelos leitores. Assim, ao travar um diálogo com a obra, o leitor a torna histórica e estética e, portanto, perene. 

O mesmo leitor que — na medida em que lê e interpreta a obra de arte e/ou poética — precisa ter seu direito à coautoria reconhecido desde já, como aliás faz Rodrigo Starling no poema "Leitor, quem te tornas ao me leres?": 


Leitor, quem te tornas ao me leres?

Alguém melhor que virtudes afere

Indiferente, se o verbo afaga (ou fere)

Descuidado, enquanto colhe (ou lavra)

Temeroso, porque machuca a palavra


Sabedores disso é que nós, na condição de autor e leitor, desejamos vida longa e inspirada a Starling e uma leitura inebriante a seus leitores. Que estes sejam mais receptivos que céticos para com esta obra; que aquele — Star — continue nos contagiando com seu brilho poético e talento literário. Que possamos juntos, ao fim e ao cabo, nos embriagar de vinho, poesia ou virtude. E viva Baudelaire!


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O livro: Rodrigo Starling. O cético selo.
Belo Horizonte: Selo Editorial Starling, 2021.
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junho, 2021




Almir Zarfeg — ou simplesmente A. Zarfeg — é um poeta e jornalista baiano. Atualmente, preside a Academia Teixeirense de Letras (ATL). Ele é autor de livros envolvendo os mais diversos gêneros textuais: poemas, crônicas, contos, novela, infantojuvenil e reportagem. Participa de inúmeras instituições literárias dentro e fora do país. Iniciou-se na literatura em 1991 com o livro de poemas Água Preta, atualmente na 4ª edição. Nos 25 anos de sua trajetória literária, celebrados em 2016, ganhou a biografia De A a Z e seu nome virou verbete no Dicionário de Escritores Contemporâneos da Bahia e na Enciclopédia de Artistas Contemporâneos Lusófonos. Em 2018, recebeu o "Primeiro Prêmio Absoluto" pela obra poética inédita A Nuvem, concedido pela Accademia Internazionale Il Convivio. Assim Zarfeg se define no poema "Origem": "Não tenho dívidas,/ tenho divisa:/nunca ser rei,/mas rio".


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