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Talvez não exista, na área do direito das famílias, algo mais sagrado que o estímulo e preservação dos laços afetivos entre pais e filhos, sobretudo, em casos de separação. Ainda que não exista um bom relacionamento entre o ex-casal, o filho deve ser poupado e seus vínculos de afeto fortalecidos com aquele com quem não reside mais. É difícil? É. Mas, é direito da criança conviver com ambos os pais de maneira equilibrada. E direito do pai e mãe conviverem com seu filho da mesma forma. Tudo o que foge dessa órbita ou obstrua, por qualquer motivo, a convivência entre pais e filhos, facilmente, e a depender do tipo de obstrução, "descamba" para uma dinâmica inaceitável de alienação parental.


— Mas, doutora, e a pandemia?


Pois é, a pandemia inaugurou formas de relacionamento à distância absolutamente necessárias para o tempo excepcional que vivemos. E tempos excepcionais requerem medidas igualmente extraordinárias, como, por exemplo, a restrição da convivência física entre pais e filhos que não residam no mesmo ambiente.


Como é natural, muitos entendem que a pandemia não pode ser usada como impedimento para a convivência física entre pais e filhos. Eu não entendo dessa forma. Compreendo a dificuldade, a tristeza de não se poder, momentaneamente, abraçar, dar um beijo estalado e conviver de maneira habitual. Só que estamos em tempos em que a normalidade de comunicação, e convivência, adquiriram outros contornos. E entendo, também, que cada caso é um caso. Como decidir, afinal, entre o direito de um pai ou mãe ter o filho em sua companhia, e as medidas de restrição impostas e adotadas pela maioria das pessoas?


Para mim é muito simples: em primeiro lugar a saúde e a vida. Ainda que se contraponha ao direito de convivência física entre pais e filhos. Imagine o seguinte cenário: uma criança tem como domicílio fixo a casa de seu pai, onde todos seguem os protocolos recomendados pelo Ministério da Saúde. Na outra ponta, existe a mãe e seu direito, definido em sentença, de conviver com o filho quinzenalmente e durante metade das férias escolares, mas em sua casa todos se negam a usar máscaras, fazem festas, aglomeram-se e recusam-se a tomar vacinas. É inacreditável, mas acontece com frequência. Uma vez mais, para mim, é muito simples: cada escolha carrega um ônus. Não se pode obrigar alguém a acreditar em algo, em contrapartida não se pode exigir que outras pessoas convivam com escolhas arriscadas, especialmente aquelas que possam trazer risco à saúde e à vida, bens tão preciosos.


Então, como advogada, não tenho o menor receio em sugerir que, ante o risco, a restrição de convivência física é o melhor caminho. Ressaltando-se, no entanto, que a restrição sempre será medida excepcional a ser adotada pontualmente (cada caso é um caso). Ademais, há de se ponderar que medidas restritivas são parcialmente amenizadas pelo contato virtual entre pais e filhos que, embora distantes fisicamente, podem se comunicar através de chamadas de vídeos e telefonemas. O que não se pode fazer é obstruir o contato entre a criança e seu pai ou mãe.


Ao final, penso que enquanto perdurar esse estado de coisas, não custa agir com cautela e, sobretudo, responsabilidade, algo lamentavelmente ignorado pelo senhor que ocupa o assento máximo da República. Fazer o quê?


Continue usando máscara!

 

                                                                             

 

setembro, 2021

 

 

Mariza Lourenço é advogada e coeditora da Germina.