ansiedade



mil vozes

murmuram aqui dentro

gritam

debatem

num ruflar de mil pássaros

cativos

seus pequenos pulmões que nunca dantes respiraram o ar pesado do cárcere sufocam ao bater apressado de seus fortes corações numa cadeia de explosões

falta-me ar

a palavra amordaçada

é a justa rima que falta.







lodo



havia uma palavra

sobre a pedra


e lambendo palavra-pedra

o rio

passava o dia

querendo

criar limo na poesia...







7 mortes



os pássaros se aninhavam na aba da noite

e eu soube quão fastioso era meu dia

inapta às rotinas do mundo

vesti minha mortalha de silêncios


esta foi minha terceira morte



o sol desacortinava o dia

entre os lençóis

uma dor fria

o asco de mil noites em uma

e seu desprezo

eu

mais um corpo sobre a cama


esta foi minha quarta morte



era nosso aniversário

bolo partido

estilhaços de vidro

no cartão amassado meu poema ridículo

flores e face pelo chão


esta foi minha quinta morte



era a sétima semana de esperança

o segredo foi revelado

meu sorriso apagou-se ao primeiro punho

ventre rijo

rubro rio

meu delta sagrado profanado


esta foi minha sexta morte



uma noite rara

desejada

conduzida à valsa

com a leveza das manhãs de maio

seu movimento morno

acalanto ao meu coração tão pequeno

sua mão pausadamente torquês

no meu pescoço


e esta foi minha sétima morte.







~



estive em coma

ia me visitar e chorava

sentia saudade

— um ladrão em nosso quarto

o consolavam


no quintal

cresciam as margaridinhas do campo

baixo calibre







~



sobre meu corpo-laivo

ele lamenta

— era tão doce e frágil

fui cedo

mas somos tantas

sua cama de tortura

ficará vazia somente o tempo

de esvaecer meu venoso-perfume







carta de janeiro



na sua ausência

coube um poema


na fresta das horas

germina

aflita

uma poesia

como toda lacuna

fria e úmida

como a mão pequena

segurando o futuro e as incertezas


do vão do tempo

escorre o poema

um pouco doce

um pouco ácido

como em todos os reencontros 

quando um beijo acorda os deuses







~



no dilatar das horas

procrastino um verso

dominicalmente preguiçoso

mas se você viesse

ah… se você viesse

todos os ponteiros seriam curtos

e todas as maçãs proibidas

doces e selvagens

todas as maçãs

e você

na minha heresia







verão

sobe
labareda úmida
atreve-se
flancos pardos
incendeia lenta
nude 
terracotauréolas
prece bendita
no meu verso torpe
teu nome
dilui-se a noite
em[cada]vão
poesia
visga
linglutinosa
meia-lua
fúcsia
veraneia







manhã



um verso lento

atravessa o jardim

e cantarola 

um hino antigo


no abismo da sua boca

a cisma do novo dia

e um poeta oco 

se decompõe







noite



as horas agonizam sobre meu corpo

e do léxico-pretérito a essência cíclica 

de todas as deusas

entre minhas pernas tua devoção

e nos meus abismos teu verso santo







versos da alcova



a poesia está caída

sem forças para se levantar


um filete de sol 

acende o silêncio no meio da sala

a poeira lume 

— minúsculas fibras douradas

leves e lentas 

flutuam na ausência densa —

é difícil respirar na alcova do poeta


e a poesia

favila-inerte

espera

o vento soprar...







haicais



sob a sete-copas

caminha a vida descalça

farfalhando outonos




previsão de chuva

passarinho faz orquestra

telhado de teclas




final de estação

fundo azul espelho d'água

garça faz inverno




noite se desfaz

no jacarandá mimoso

tapete lilás




nas tardes coradas

o pequeno flamboyant

compõe primaveras




vai-se a chuva breve 

céu tingido de verão

o tempo se estica




nos dedos da noite

lume prímula rubi

perfume de estrelas

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Diana Pilatti. Professora e poeta. Iguaçuense de nascimento e campo-grandense por teimosia. Formada em Letras, pela UCDB, e Mestre em Estudos de Linguagens, pela UFMS. Autora dos livros Palavras Avulsas, volume 7 da I Coleção de Livros de Bolsa do Mulherio das Letras (2019) e Palavras Póstumas, volume 5 da II Coleção de Livros de Bolsa do Mulherio das Letras (2020). Coorganizadora da Mostra Poetrix (2020). Participou de diversas coletâneas e revistas literárias. Publica poemas em seu blogue pessoal | Poesia | Diana Pilatti | e nas redes sociais @dianapilatti.