©mira cosic
 

 

 

 
 

 

 

 

NOVEMBRO



O baque da manguita

do correio, cantado.


Não treme o chão de areia,

treme o silêncio da noite,


invadido pela alegria

do susto doce, maduro.







CORREDOR VERTICAL



O sol tem cheiro

de estrela morta

no céu opaco da cidade,


o olor vai se soltando

e o anzol dos olhos

pesca a sombra em volta.







ATÁVICO



Não sou voraz

à mesa da linguagem,


( carrego comigo uma gente

envergonhada com a própria fome )


em uma igreja barroca

só me apetece o silêncio.







SERRA DA CAPIVARA



No início era apenas a fome

e o frio ( proteínas e fogo )

entre as paredes das cavernas

aonde a gente se escondia

da morte.

Depois, vieram os sonhos

e das suas sombras construímos

a cidade invisível dos mitos

cortada pelo rio da poesia

que entrava pelos nossos pés

e nos conduzia aos lugares

das fontes.







O MUNDO

( ARCANO MAIOR )



Reconheço aquela mulher,

reconheço aquele homem

e o tilintar de gotas de chuva

nos seus calcanhares.

Resplandecentes animais

de entranhas prateadas

à mercê da alegria

com as suas lâminas

cortando o viés da noite

espalhada pelo mundo.







RAINHA DE COPAS

( CARTA DA CORTE )



Quem bate palmas?

Quem chama o mestre?


Quem atravessa a ferrugem

do velho portão e chega ilesa

para novas posições de amor?


Quem confunde curiosos

e encena devoção verdadeira?


Quem lê a geometria

de antigos mosaicos

sob os pés do arcano?


Quem espalha migalhas

para os famintos passarinhos?







A TORRE

( ARCANO MAIOR )



Abertas as janelas,

abertas as portas,


pequena floresta

de marmeleiro e chananas


entra no prédio,

entra na casa vizinha,


entra nos olhos

de seus moradores.


Está limpo o céu,

está livre o caminho,


é chegada a hora:

cabelos macios e cheirosos,


a pele dormiu oleada,

nas orelhas leve perfume.


Migalhas de pão ou cinzas

para os desatentos passarinhos?







PASSAGEM SECRETA



Ouve no vento,

estamos no tempo,


o tempo não está

em nenhum lugar,


nem campos, nem céus

podem guardá-lo,


nem mesmo a água.


Mestre, e o sopro

guarda o instante?


Nem a promessa

de amor eterno,


tempo e memória

de mãos dadas


atravessam a linguagem.







CÉU IMPERFEITO



A linguagem pulsa,

sopra na superfície,


sibila com o vento

na noite de setembro.


Leve toque dos dedos

cicia em segredo,


silêncio em movimento

dança com a eternidade.







A TEMPERANÇA

( ARCANO MAIOR )



O bailarino do tao recolhe

pequenas sobras de seu palco,


pega restos de folhas

esquecidas pelas formigas,


limpa o chão da noite

como se dançasse entre estrelas,


natural como a lua,

elegante como um gafanhoto.







A BELEZA



Senhor pássaro manco

caminha entre os terríveis

apenas baixa os ombros.


Segue o caminho das estrelas

como se jogasse amarelinha

com as meninas no recreio.


Pequeno desequilíbrio realça

a sua alegre humanidade,

vestida de movimentos alados.







PRIMEIRO DIA DE AULA



Mãe,

penteia os meus cabelos,

só hoje,

com a tua mão leve

e toda concentrada

partindo de lado

ou puxando a franjinha

que aparava a luz

daqueles dias

em que trazíamos

o céu no peito.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Carmen Gonzalez nasceu em 1965, em Barras do Maratoã, no Piauí. Atualmente reside em Santo André/SP. É bacharel em Direito, pela UFPI. Possui poemas publicados na revista PULSAR (Teresina, 2001), e nas antologias Saciedade dos Poetas Vivos (Volumes II e III, Rio de Janeiro: Blocos, 1992/1994), e Baião de Todos (Teresina/PI: Corisco, 2007).


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