©marília marz
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Dois fatos políticos que aconteceram nos últimos meses, na minha avaliação, foram destaques no cenário nacional: um deles foi a anulação das condenações do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), pelo Supremo Tribunal Federal, em março. O outro foi a CPI da Covid-19, que investiga omissões do Governo Federal no combate à pandemia e desvios de verbas federais, enviadas originalmente para ações contra o vírus, por prefeitos e governadores.


Em 8 de março, o ministro Edson Fachin revogou todas as condenações do ex-presidente pela Justiça Federal no Paraná relacionadas às investigações da Operação Lava Jato. Com a decisão, Lula recuperou os direitos políticos e voltou a ser elegível. Portanto, ele volta a ser um 'player' para as eleições de 2022. E isso gerou uma forte reação da base aliada do presidente Bolsonaro.


Antes de me aprofundar nessa consequência, quero direcionar o comentário para outro lado: a decisão do ministro Fachin foi interpretada, por agentes do Direito e por comentaristas políticos, como uma tentativa de blindar o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro. Pois, na mesma semana, foi pautada, pelo ministro do STF Gilmar Mendes, a suspeição de Moro nas condenações do ex-presidente Lula. O argumento é de que, após condenar e tirar o petista da corrida pelo Palácio do Planalto, em 2018, Moro ganhou um cargo de primeiro escalão com o presidente eleito, Jair Bolsonaro. Com a anulação das condenações por parte do STF, não haveria sentido em julgar a suspeição de Sérgio Moro. Mesmo assim, o ex-juiz e ex-ministro foi julgado suspeito pelo Supremo Tribunal Federal. Ou seja, a anulação das condenações do ex-presidente Lula foram inúteis, nesse sentido.


Voltando ao ponto anterior do comentário. Segundo a última pesquisa Ibope, de maio, o petista é favorito para as eleições presidenciais de 2022. Ele aparece à frente de Bolsonaro em todos os cenários possíveis. E apesar de falar publicamente (mais pra base ideológica) de que não acredita nas pesquisas, o fato é de que isso gerou forte preocupação para o atual presidente e seus aliados. Lula, quer queiram ou não, é um candidato muito forte ao Planalto. E ações contra isso estão em andamento, e deverão ser reforçadas nos próximos meses.


Não vou entrar no mérito se a decisão do STF em anular as condenações do petista na Operação Lava Jato foi correta ou não. Deixo isso para os colegas e para as colegas da área do Direito. Mas foi uma porrada em quem acreditava numa reeleição tranquila de Bolsonaro. Ou em quem apostava em uma 'terceira via' para 2022. Os candidatos e partidos de esquerda e de centro devem rearrumar as peças para o tabuleiro político-eleitoral, caso queiram ter alguma chance nas eleições presidenciais.


O segundo fato político de destaque para mim, dos últimos meses, e como adiantado no começo deste texto, é a CPI da Covid-19. Aberta após uma ordem do STF (de novo tendo de resolver as disputas políticas), pois o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), se recusava a fazê-lo (mesmo com as condições para a abertura cumpridas pela oposição), a comissão já tomou o depoimento de várias pessoas.


O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, os ex-ministros Eduardo Pazuello, Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta, os responsáveis pelos laboratórios que produzem vacinas contra a Covid-19 e diversas outras autoridades foram ouvidos pelos senadores. Os depoimentos estão longe de terminar, mas é possível concluir algumas coisas.


É óbvio que houve pressão de algumas pessoas e grupos por reforçar o uso de medicamentos não comprovados cientificamente contra a Covid-19, como a Cloroquina. É óbvio que houve um ato político contra a compra de vacinas contra o novo coronavírus, como a CoronaVac, produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, mantido pelo Governo de São Paulo, governado por um adversário político do atual presidente.


No entanto, apesar de tudo isso ser óbvio, não quer dizer que aconteça uma consequência política clara. A CPI tem força para investigar. Mas o relatório, que deverá ser feito pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), só poderá recomendar ações ao plenário do Senado e encaminhar provas ao Ministério Público Federal. Caberá ao presidente do Senado, que é aliado do presidente Bolsonaro, e ao Procurador Geral da República, Augusto Aras, que é um dos favoritos por uma vaga no STF (Marco Aurélio se aposenta em julho e cabe ao presidente Bolsonaro nomear um substituto), adotarem medidas como a aprovação do relatório e oficiar a Câmara para a abertura de um processo de impeachment (no caso do senador Pacheco) e de uma investigação formal (no caso do procurador Aras).


A reação de Bolsonaro contra a CPI já começou, claro. A Copa América vir para o Brasil é um claro revide. É um torneio esportivo de grande repercussão e a vinda para cá, na avaliação do governo, pode 'distrair' a população da pandemia, que já matou centenas de milhares e contaminou milhões de pessoas. A CBF, cujo presidente afastado estava (e ainda está) fragilizado politicamente, fez força para que esse torneio aconteça. Fora os interesses financeiros da Conmebol. Tudo o que Bolsonaro queria. Uma competição ao estilo 'pão e circo' da Roma antiga. Se vai dar certo ou não, é tema para o meu próximo comentário por aqui.


Eu gosto de fazer relações históricas nos meus textos. Faz parte do meu estilo de escrita, mas também prefiro incluir elementos históricos nas minhas avaliações políticas. No caso da CPI existe um precedente prático de consequência política: no começo dos anos 1990, uma CPI foi o condutor do processo que afastou e cassou o mandato do ex-presidente Collor. Portanto, uma comissão como essa é motivo, sim, para preocupar o Palácio do Planalto e seus ocupantes. Porém, no caso do ex-presidente Lula, não existe um precedente. Nunca um líder político da envergadura dele passou por algo semelhante no Brasil. Desse modo, é difícil prever o que pode acontecer no caso dele. E isso é animador para quem é contra o atual governo, e uma verdadeira dor de cabeça para quem apoia Bolsonaro.

 

 

 

 

 

 

junho, 2021