Toda criança brinca muito de esconde-esconde, com o objetivo de se divertir escondendo-se e depois salvar-se antes de ser encontrada. Nos escondemos para não ser achados. Ficamos por trás da sombra para que a luz não nos ilumine. Nos salvamos protegidos dentro da escuridão. A mesma criança que tem medo do escuro brinca de estar segura justamente no escuro que a amedronta. No escuro, podemos ser nossa essência sem medo de julgamentos. A criança se esconde para salvar a sua essência.

O escritor moçambicano é um construtor de esconderijos. O mais popular autor de seu país escreve em português, uma língua que se esconde entre tantas outras nesta sofrida terra na costa leste africana. Em português, Mia Couto escreve segredos, que ele faz questão de esconder dentro de contos.

Mia Couto escreve contos em prosa. Uma prosa que se disfarça de parágrafos. Mas o que Mia Couto realmente faz é escrever poesia em parágrafos, versos em histórias, estrofes em contos que são verdadeiros poemas. Dizer que Mia Couto escreve em prosa poética é omitir que ele escreve poemas que se escondem dentro de uma prosa em trevas.

Seu livro Contos do Nascer da Terra mantém vivo o estilo consagrado de Mia, com enredos de personagens fantásticos, narrados com neologismos que são tecidos com palavras que deslocam o sentido original para apontá-las para um destino escuro e infinito, sugerindo metáforas que devolvem seu sentido original. Mia Couto esconde uma palavra atrás dela mesmo.

Os trinta e cinco contos deste livro são um convite para o leitor levitar em histórias de personagens que amam, que traem, que sofrem, que morrem e que pensam que viver é muito perigoso. E que escondem no escuro de seus enredos o autor que mais influencia a narrativa de Mia Couto: o mineiro do sertão do universo — Guimarães Rosa.

Ler Mia Couto é sempre reler Guimarães Rosa. E ler Contos do Nascer da Terra é entrar em uma caverna escura onde, por trás de cada história de vida em barcos, em rios e em mares, se esconde o infinito que habita o conto "A Terceira Margem do Rio", de Guimarães Rosa. Por trás das histórias dos Contos do Nascer da Terra, Mia Couto esconde um pai, que é um criador e um pecador de filhos, que têm medo de sair do escuro e ser encontrados antes de ser salvos. Os Contos do Nascer da Terra são uma brincadeira de criança e se escondem do leitor, que, ao lê-los, condena seus personagens a bater a cara com olhos fechados para a mesmice do cotidiano.

Ler Contos do Nascer da Terraé nascer para um universo que esconde versos com inorganismos, papagaios gagos, camaleões vesgos e pássaros canhotos que habitam o pique ao redor de um cotidiano que, se esconde, esconde em contos da Terra de terra terna. Venha brincar nestas histórias de Mia e de velhos embriagados de Moçalambique.

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O livro: Mia Couto. Contos do nascer da terra.
São Paulo: Companhia das Letras, 2017, 272 págs., RS$ 52,90
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setembro, 2021