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Acalma teu coração

Que é feito de vento

Em puro desatino descendo a ladeira

Como uma criança em dias de sol

Com brisa amena e cheia de energia

Gritando a plenos pulmões

O quanto é bom existir

Naquele momento

Naquele tempo

Naquele vento







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Uma mosca passou rente ao teto

Com os olhos vidrados numa mancha escura

Pequena e frágil

Como o bater das minhas asas


Era vigente entender

O que havia de tão intenso

Na mancha escura do teto

Na mancha escura do osso

Na mancha escura do coração


O que atraía as moscas pra dentro?

Era um complexo de café e avelã,

Um cheiro de carne exposta ao ar

Ou era a escuridão 

Que tentava dominar o coração?







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Sonho sempre que meu corpo é como um lago 

Profundo, escuro e com a claridade interna de um desespero em vaga-lumes

E mesmo que a lâmina afiada da morte

Tente apagar a luz dos olhos que outrora foram meus

E mesmo que tente apagar o amor, o tempo, as nuvens doces em algodão

A roda da vida gira em sorte e encanto

Trazendo a reza de encontrar todo dia

No cheiro da sua voz

O caminho de volta a superfície

Mesmo que eu ainda

Não saiba nadar

Em águas turvas







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Saudade é pássaro

Que canta dentro do ouvido

Aquela música que você

Já conhece bem a letra


Saudade é pássaro

Que canta

No coração

O dia todo

Enquanto você não volta pro ninho.







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Era água

Escorrendo nos corredores

Do teu corpo escuro

E cheio de buracos

Rachaduras, fechaduras

E todas as palavras mastigadas

Como se todos os becos

Terminassem em fim

Terminassem em mim


Era água

Nas articulações das árvores

Plantadas nos teus ouvidos

A balançar com o vento

Do suspiro quente e claro

Que arrepiava as folhas dos teus braços

Que arrepiava os espinhos presos

No nó desfeito da coluna


Era água

O meu nome

Escorrendo no último gole do teu copo

O meu nome

Escorrendo no último gole do teu corpo

O meu nome







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As pedras no caminho

Ainda pesavam sobre os pés

Desgastados e em relapso

Sobre os pés que traziam, em si

O que não se trazia mais

Nos dias de céu azul


As pedras no caminho

Ainda pesavam sobre o corpo

Eram as pedras do caminho

As perdas do caminho

Ou os campos enormes

De memórias leves

Engaiolados em tudo

O que o olhar perdido

Deixou de ver?







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Sou isso, um amontoado de lembranças

Ridículo, imprevisível e sem rumo

Não posso querer ser mais do que isso ou caminhar contra o que me foi escrito. 

Está escrito o que está escrito e eu só devo seguir a linha. 


Hoje, enquanto penso novamente em quão nada posso ser, 

Em quão tudo tem que ser 

Enquanto o botão de rosa não floresce, 

Enquanto tantas coisas que inúmeras seriam aqui

Quem está na chuva fria? 


Um poeta não é poeta porque quer, é poeta porque sofre.







É hora

De seguir adiante

Mesmo que o adiante seja longe

Ou que, ainda, seja um canto baixo

Que ao longe caminha lento

E escuro dentro da noite


É hora

De seguir adiante

Ainda que os pés estejam cansados

E descalços

Pisando em pedras

Em perdas

Em flores de cerejeira


É hora

De seguir adiante

De se ver adiante

De abrir o peito cru

E dobrar a primeira à esquerda

E dobrar pra sempre 

À esquerda







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Era como saber de tudo

Em frente ao brilho de uma placa velha

Alvejada pela poeira do tempo

Que o vento não desfazia


Era como saber o doce

Em frente ao amargor queimado do açúcar

Escurecido pelo tempero errado

Que a mão trêmula deixou cair


Era como desistir

Em plena insistência

Sem resistência


Era como insistir

Com toda ardência

No meio da primavera







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Que seja breve

A ventania que desfoca o olhar

A queimação das borboletas no estômago

A sensação de queda livre insegura

E em brevidade

Seja nuvem


Que seja breve

Que seja entregue

Que seja em disputa irreal

Que seja o que tiver que ser

Mas seja

Ainda que peguem fogo

As borboletas da garganta

E que vivem

Em chamas

Nos olhos da tormenta que se aproxima


Que seja breve

Que seja entregue

Mas seja







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Entre todas as coisas escondidas

Entre todos os olhares em plenitude

Entre todos os galhos secos de inverno

Entre água e óleo

Entre água e vinho

Entre o complexo e o definido

Entre o entrar e o sair

Entre o deixar e o partir

Entre o frio e o ameno

Entre a batida do seu coração

O espaço do teu não ser

O ponto mais alto do meu céu

Entre isso

Entre tudo e nada

Muros e pontes

Entre qualquer coisa

Mas entre

E deixe a porta aberta







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Quanto vale a paz

Que carrega a alma solitária

Como um gomo de romã

Pequeno e rubro

Em sua delicadeza

Em toda a grandeza de um oceano

Numa garrafa plástica


Quanto vale a paz

De acreditar em sussurros de vento

De sussurros de mãos em riste

Dos gritos que amenizam

As cabeças encostadas nos ombros

Nos bancos das praças

Nos barulhos dos vitrais

Em que o sol passa


Quanto vale a paz

Quanto vale o passo

Quanto vale a palavra

Quanto vale?



[Do livro Poemas para você aprender a respirar, inédito]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Wanderley Montanholi é um ator, diretor e escritor paranaense, nascido na Cidade Poesia (Paranavaí), em 1989. Começou a atuar desde criança e teve contato com a escrita por meio do teatro, iniciando seus primeiros rascunhos na adolescência. Seguindo o rumo da arte, hoje é fundador do Grupo Grito de Teatro, advogado e dramaturgo. Escreveu as peças Como Respirar em Dias de Chuva, baseada em seu livro Poemas para você aprender a respirar e A Cartomante, adaptação da obra de Machado de Assis.