©ollebolle
 

 

 

 
 

 

 

 

Regra e sujeira racista



estude além do terceiro grau

esqueça a vontade de ser eles

entenda o que significa odiar

rode esse interminável carvão

estenda-o à sua visita branca







Em você o amor demora



declínio que manhã

precisa


dívida que se prega

imaginando


de longe: arraigada

entre o nada


de imã, que segura

pelo afano







Piscina, três da manhã



meu esforço dá grampos

se apaga no azul

da água fria


meu olhar é cinza

sangra um sumário

de lambaris agitados







Treze pares de meias (quarta parte)



a claraboia mija luz, seu galho ardósia

pelo escuro, eu a derrubo de todas as formas que

meu pensamento servil ajuíza, e meu falo asa-a


sua trama me compete, sou a cafetina que nota

sua migração enquanto os outros dormem à dúzia

(três em cada coxa de parede)


no meio, ele não acorda, vive a paz da manjedoura

obturo-o com o cheiro repugnante

desses doze dentro de mim, bois pastando podre


ferida que inflama, a vigia

dou a planta do minuto em que chegarei ao futuro

(e do meu reto cairão os ovários)







Boxe



mão de umbigo

enrosca na luz

o riste do pulmão


de fora, o couro

ramo esvoaçando

ausências


pedindo acolchoado

um pouco mais de ar

um pouco mais e Deus







Leitos cadeados



abre a última lata de leite condensado,

traz para perto de si o litro d'água,

seus olhos incharam de nunca chorar na frente dele,

há bolhas grandes nas margens das pálpebras

(e, quando ele pergunta, ela diz que são parte da festa)


não há espelho nesse túmulo,

ela tira o alfinete da blusa, limpa com saliva,

chama-o para perto, fala que será uma nova brincadeira,

entrega-lhe o alfinete, arregala bem os olhos,

diz que chegou a hora furar os balões







Campo de força que te observa



difícil de explicar porque ele é somente o coelhinho-negrão

seus olhos têm um laranja e brilham estagnados de esforço

sua vida é suor dos ácaros estrumando no mofo do poliéster


tênues, as margaridas conversam no papel de parede

resistem anversas, roscam demoras na oclusão do reboco

esgueirando-se pelo roxo que as cerca em tez de néon


auréolas fornicam o desfile no olhar pedinte

da fada-trocada-em-tamanhos-de-carne-cada-vez-maiores

que está sobre a cama de casal e coagula as pálpebras


(cabelos ainda melados com ar da escola)

o coelhinho a chama de Susie-Que-Morde-Os-Nervos

e, quando ela diz que está em perigo, lhe dá as patinhas


para que suportem juntos as desgraças do filme pornô







Minha boca na tua boca de revólver



notei o

ventre

que era

dentro

do vaso

e rachou







1989



1. medo de mostrar o corpo

2. querendo brigar

3. sozinho na cama pensando em velocidade

4. tarde de surfe seguida de banho quente

5. minha avó na barraca e cheiro de leite em pó

6. sentimento confuso enquanto meu amor chora

7. número vinte e seis, seguido de um cão amigo

8. minha mãe dizendo: você é um trouxa

9. noite de sábado, aos dezoito anos

0. dois irmãos chorando na cama dos pais







Papel suave



se o destino é respirar

pode-se dizer então


que o estado inicial

é de afogamento


pés sem tornozelos

prontos para a revolução

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Paulo Scott é autor de sete livros de poemas — os mais recentes são Se o mundo é redondo e outros poemas (Lisboa: Gato Bravo, 2020), Garopaba Monstro Tubarão (São Paulo: Selo Demônio Negro, 2019) e Mesmo sem dinheiro comprei um esqueite novo (São Paulo: Companhia das Letras, 2014, livro vencedor do Prêmio da APCA - Associação Paulista dos Críticos de Arte 2014) — e seis de prosa, dentre eles, o livro de contos Ainda orangotangos (Porto Alegre: Livros do Mal, 2003, adaptado para o cinema pelo diretor Gustavo Spolidoro, longa-metragem vencedor do 13º Festival de Cinema de Milão), e os romances Habitante irreal (Alfaguara, 2011, livro vencedor do Prêmio Machado de Assis 2012, da Fundação Biblioteca Nacional, lançado também na Alemanha, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos e Croácia), O ano em que vivi de literatura (Editora Foz, 2015, livro vencedor do Prêmio Açorianos de Literatura 2016), e Marrom e Amarelo (Companhia das Letras, 2019, publicado em Portugal e em preparação para ser lançado na Inglaterra e nos Estados Unidos, no qual aborda as perversidades do racismo e do colorismo no Brasil). Seus trabalhos estão publicados em Portugal, Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Croácia, México, China, França e Argentina.