©jeffdiabolus
 

 

 

 
 

 

 

 

Espelho ReVerso



A imagem distorcida no espelho

Vislumbra noutro,

O outro que não trago dentro

Imagem insana

Ótica e fluxo do meu pensamento


Bruxas, monstros, lobos e sapos

Medusas, medeias e lagartos

Lágrimas e venenos invisíveis


Visão elucidada das coisas

Alegoria que resiste e insiste

Ilusão nas dobras do tempo


Loucura de projeção

Não-conexa, se revela avessa

Ao pulso do coração


Enlameada lona da emoção


Viagens cavernosas

Estradas perigosas

Percursos da imensidão

Do mar que habita dentro e secreto


Discursos em devaneios

Alinham imagens distorcidas

Buscam caminhos sem partida

Ou fins que tenham meios


Limbo onírico do delírio e da utopia

Languido amor que se esvazia

Douradas cavernas e mitos da fantasia,

Faz um bloco inteiro sair,

E cantar sem carnaval


Fica na lenda o espelho quebrado

Maldição de amor mal-amado

Imagens da covardia e distopia


Farelos de sonhos e utopias

Desmanche de sonhos e alegorias


E o que não foi dito,

Deixou de ser bendito


O tempo reverso da imagem

Nunca criou coragem

Para refletir um amor bonito,

De encaixe pleno na colagem,

E vento azul de crina celeste,

Na garupa do destino.


Invertido sentido do sonho

Reverso espelho transgressor

Alento de um voo sensível

Na busca incessante do amor.







INDIE GENTE



Colchão largado na calçada.


Tragédias cotidianas,

Esquina de prédio bacana.

Tem sujeito ao pé do rodapé, na portaria.

Caído ali, perdido e fedido.

Sujeito invisível esquecido.


Ninguém dá bom dia ou pergunta:

Como vai você?

Gostaria de um café,

Algo de comer, beber?


Colchão largado na calçada

Colchão largado na calçada


Já não se sabe a rota ou mapa da estrada

Sujeito vagueia sem rumo ou social coleira


Sujeito vagueia

A beira da ribanceira


Pedaços, migalhas, restos,

Coisas espalhadas. Ali, largadas.


Gestos, entulhados por aí.

Largados, perdidos como se fossem nada.


Ossos da sobrevivência

Despejos de querências


Sem um afeto, sem teto,

Sem um chuveiro, ou almoço garantido o ano inteiro.


"A vida vence e vale,

Via ferocidade da velocidade,

Ferve disputas nas esquinas da cidade,

Em alpinismos sociais, das tais oportunidades".


Colchão largado na calçada:

Solidão, mal acompanhada.


Sujeito invisível esquecido,

Indigente — triste — jornada.


Tragédia anunciada:

Sujeito invisível esquecido,

Colchão largado na calçada.



Indigente: adjetivo e substantivo de dois gêneros. Que ou aquele que vive em indigência, sem condições de suprir suas próprias necessidades; miserável, necessitado, pobre.

Indie: uma abreviação do termo em inglês "independent", que significa "independente", em português, e remete ao produto ou estilo cultural que foge às grandes massas, produções, empresas ou distribuições.







Noção de sujeito (a)



Como pode me conhecer

Se sou mutante ambulante?


Como acha que sabe tudo,

de minha pessoa,

se sou mutante em RPM*?


Acredite, não nasci assim à toa


Me perco aqui dentro

como o Minotauro louco

na trilha do labirinto


Às vezes sujeito perdido,

na lábia de quem esbarra e

encontra pelo caminho,

ou com um desejo solto,

que bateu voo do peito.


Sou mutante multifaces

Fragmentada sujeita

em cacos de espelhos

espatifados na rota


Um álbum de figurinhas de mim


Acaso se importa

Se estou à deriva

ou a esmo, mesmo assim?


E nesse jogo-de-espelhos

partidos

em cada pedaço

Um rosto

(animado ou inanimado)

Se ilumina irreconhecido


Cada um compõe

Alma que abraça e embarca


"Metamorfose-ambulante",

como já dizia nosso grande poeta louco


Ele já sabia,

que do Eu

a gente sempre

sabe muito pouco.


E de pulmão aberto

em desordem organizada,

desfolho e desvendo

o reto e o torto,

as partes heteronomias,

as personas fantasiadas

e as peladas dos muitos (bichos ou anjos escondidos)

que aqui guardo.


As páginas em branco

ainda vou desenhar,

com que cores ou formas

ainda

não sei


Acordo um dia para inventar e recriar


Não decidi o futuro

porque ele é um estado mental

de desejos e sonhos

que as vezes

nem queremos mais

quando finalmente chegam


E se já não me sei,

Penso não ser mais

a eterna mesma

— de sempre —

parada ali no tempo do retrato.


Ninguém nasce para ser sujeito congelado.

Abandonado, sufocado, largado. Renegado.


Como você pensa saber que me conhece,

E que te conhece, e conhece o outro e a outra,

Se eu mesma, não sei todos os nomes

que ainda não me dei?


De qual sujeito, você está falando?

De qual sujeita?

De mim ou de você?

Também não sei.

Ainda não sei.

Talvez nunca saberei.

Eu só sei que nada sei.



*Rotações Por Minuto







O valor da paga



Por não acreditar em si,

Aceitava qualquer salário.


Não por ser otário,

Mas por humildade

Extrema modéstia,

Cinzenta autoestima.

Ou medo do risco,

Ou do imprevisto.


Acordava cedo,

Trabalhava duro,

Pouco faturava.


Assim sua vida

Andava,

Como um relógio.


Temia mudanças,

Tinha poucas esperanças.


Mas a vida,

É como o empregador,

Patrão de nosso destino,

Penhor de seu valor.


Somente oferece

Aquilo que você aceita,

Não desiste

Não rejeita


Pois se achas que não mereces,

Tanto faz!


Pois se achas que mereces,

Tanto faz!


Se queres centavos

Terás centavos!


Se queres e acreditas,

Terás o que meditas.


Mas sem esperanças

Coragem e perseverança,

Sujeito não soube

Como entrar na dança,

Para mudar seu destino.


Assentou e conformou.

Assim continuou

Sua vida pacata,

De trabalhador normal.


Dia-após-dia exatamente igual.


Batendo cartão de ponto

Não sonhando tanto,

Sem muita alegria

(Mas também nenhum pranto)

Definitivamente

Sem muitos desejos

(Muito menos os ardentes)

Ou qualquer encanto.


Sem acrobacias,

Saltos de trapézio

Ou andar na corda bamba,

Universos paralelos.


Acreditando,

Que o pássaro do encanto nunca chega,

Para quem vive no tédio.


E por não acreditar

Em si, sujeito terminou

Com pouco,

Sem fôlego,

(Nem muita história, a contar)

Consumido de remédios,

Sofrido, doido e enterrado entre os prédios.

Soube apenas conformar.







Xerifes do submundo



Os gatos xerifes dos ratos do submundo

Criaturas oficiais,

(Official Creatures), os da lei:

Policiais falando do nada

oficiais considerando, questionando

Seguranças uniformizados argumentando

O nada.


Comando nas ruas

dos que tem crachá,

o papo do nada

cheio de ar

da falta de assunto

do vazio.


Realidade

cenário duro

brotando meninos

perdidos no asfalto.



[Do livro A pandemia da invisibilidade do ser. Algaroba, 2019]



A vida muda



a vida muda.

a vida vira.

a vida gira.

a vida gira e muda e embrulha tudo o que você já plantou.

a vida muda.

muda e renasce semente do que você um dia já regou.

a vida muda, calada,

brota semente do que se plantou.

a vida surda, amolada

do que nunca se falou.

a vida muda os planos do que você já traçou.

a vida traça o papel dos planos que você planejou.

a vida planeja os planos do que a traça te levou.

o plano mudou de plano, ou se mudou.

ou quem sabe, se embolorou.

a vida — essa entidade rica — tira o que dela sobrou,

ou o que dela, se retira.

sátira que satiriza?

se atira no olho do riso e do foco,

na mira do mapa da mina.

a vida vira,

e trata de curar velhas feridas.

cicatriza mordidas.

mobilidade — involuntária — que agoniza!?

profundidade que se realiza.

e a vida?

a vida,

tal qual menina rebelde solta saia em asa na avenida,

voou!!!



[Poema premiado com Menção Honrosa 2016 na Federação das

Academias de Letras e Artes do Rio de Janeiro (FALARJ)]







Sociedade do cansaço



Se há um só tempo

do acontecimento

tudo a um só tempo

Se tudo é o tal do acontecimento

nada de fato

em si

acontece

Tudo efêmero

espasmo fugaz

de segundos

Gritos fúrias ecos

ecoam distantes

E vem outro

com gritos e fúrias

E um segundo adiante

já não será

o que era antes.


Logo, não se sabe pelo que se grita e pelo que se

enfurece, mas imperativo é seguir gritando e se

enfurecendo.


Sem perguntas. Certas ou tontas.


Cansados e temerosos de tudo, de todos e dos

poderosos.

Seguimos zumbis andantes e náufragos flutuantes e

nos autopresenteamos com mais bugigangas

digitais — a mais — e sempre demais.


Pensamento ausente relocado no reflexo

imperativo de preencher vazios, com palavras.

Nadas imediatos continuam sendo nadas. Ou coisa

pior. Ocas coisas soltas ocas.


Quando tudo é urgência nada é urgência.

Nada se faz mais emergência.






Wardrobe – Guarda-Roupas - Kleiderschrank



Pendurei velhos fantasmas,

no armário.


Tranquei as portas,

apesar da existência

das frestas.


Pendurei as roupas

dos personagens

que não mais represento,

ou que habitam

distantes paisagens sonoras.


Pendurei o passado e os recados.


Pendurei nos cabides


a máscara,

joelheiras,

chuteiras,

e a toalha.


Tirei as correntes.


Desabotoei os dentes.


Cortei as cordas.


Reanimei os sentidos. Acalmei os

ouvidos. Olhei através do vidro.


Voltei a ser gente,

caminhando leve


e livre e solta, de repente.







A era do desencanto



Valores varridos e jogados tal pó ao vento

pouco interessa,


A hora do tempo


No tecido social as camadas entrelaçam

e sobrepõem


Pouco interessa qual

hora do tempo


Ancoradas em dimensões práticas do saber e das

noções


Pouco ingressa a hora do tempo


Status entre as nações

pouco ingressa o pensamento


A imaginação é muito mais fascinante que a

realidade


Tanto faz a hora do tempo


O onírico transcende em ludicidade


Tanto faz e a qualquer momento


As ideias são bem mais interessantes


Produzem movimento na realidade


Tanto faz o tempo e a saudade


Costuram a teoria toda

na linha da bainha dobrada da tal praticidade


Produzem movimento e provocam modificação

radical no tempo


rolam, produzem e geram movimento modificando

o teto do tempo

O desencanto desenrola o rolamento do real em

modo de mudança no tecido da contagem do tal do

tempo

Derrama imaginação às hélices do moinho de vento

esmaga o contentamento


il próprio gusto del tempo

nel loro pensiero*



*a próprio gosto do tempo

em seu pensamento.







Poema barato



Perdi a doçura

a paciência

perdi a decência

a incumbência

duvidei da ciência

delirei na demência

de buscar o que

não tem endereço

nem adereço

de convencer alguém

a sucumbir o tal do quem

desvendar o tal do além

correr pra ficar aquém

e nada disso dissolve

como um Alka-Seltzer,

um remédio qualquer

de acabar com o tédio

acabar com o silêncio no prédio

e tanto faz ou não correr atrás

o delírio me invade por todos os poros

por eu acreditar em verdades

mas elas não existem não existem jamais

são versões sempre reatualizadas

caleidoscópios de espelhos recontados

das sombras projetadas e monstros

que sobem dos esgotos das calçadas

e fujo dessa gosma amalgamada

e das meias verdades lavadas

costuras enviesadas

cada um conta a sua verdade

sua versão da realidade

mas o que transborda da flor despetalada

é a vontade de botar o pé na estrada

e cantar uma canção inventada ao costurar

uma palavra ao sopro do vento.


E no olho do caos, buscar alento no que

desenha o encantamento.


Dilema de renascimento.



[Do livro Amores, líquidos e cenas. Laranja Original, 2018]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Paula Valéria Andrade. Poeta, escritora, artista visual, diretora de arte e professora universitária em Cinema. Recebeu prêmios em Portugal, Itália, EUA, Alemanha e no Brasil: Jabuti, UBE e APCA. Em 2016, ganhou "Menção Honrosa" de poesia na FALARJ. Idealizadora e curadora do Sarau "O Feminino Infinito" em São Paulo, com 120 mulheres poetas, em 2 anos. Tem mais de 20 livros publicados entre infantis, poesia, didáticos, antologias, contos e livros de arte. Amores, Líquidos e Cenas (Laranja Original) é seu livro de poesia de 2018; e A Pandemia da Invisibilidade do Ser (Algaroba) é seu livro de poesia de 2019, lançado na Flip, em Paraty e em São Paulo, no Cabaret Cecília, 2º lugar no Prêmio Guarulhos de Literatura 2020, Livro do Ano. Escreve em Na Rota da Roda e tem canal no Youtube.


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