Qual o gostinho de ser uma das primeiras leitoras a ter acesso a um livro profundo e ao mesmo tempo delicioso? Eu pergunto e eu mesma dou a resposta: me senti como tendo a chave para abrir um tesouro, o que é bom, e ao mesmo tempo, senti uma responsabilidade danada sobre o que fazer com o tesouro recém descoberto.

Nessas minhas reflexões sobre O coração pensa constantemente, de Rosângela Vieira Rocha, lançado pela editora Arribaçã, espero que eu faça jus (nem que seja um pouquinho) à imensidade da obra.

Em uma época em que muitos usam a faculdade de pensar com o objetivo de travar batalhas e ganhar discussões, Rosângela nos convida a usar essa importante ferramenta com o objetivo de estabelecer conexões.

O coração da narradora do livro, Luísa, é um músculo que pulsa, sente e pensa, constantemente. É a partir desse pensar-sentir, ou melhor, sentir e pensar sobre o que sente, que ela refaz caminhos e, principalmente, revivifica suas relações de afeto.

Em suas ações, a narradora realiza uma deliciosa e inteligente subversão, ao inverter a equação tão em voga em nossa contemporaneidade: de uma vida em favor da racionalidade, para a racionalidade em prol da vida e dos encontros.

Seu pensar é sempre a partir do coração, e é com esse recurso que Luísa procura entender o mundo, suas emoções e, também, o outro. Sendo que o outro mais especial, é sua irmã Rubi.

Há momentos belíssimos, e alguns muito engraçados, dessas duas irmãs que nutrem profundo amor entre si, mas não só. Como humanas que são, outros sentimentos também comparecem em cena, e Luísa usa de sua extraordinária habilidade de pensar os sentimentos, para dar conta de desenrolar muitos nós cegos.

Preciso dizer que Rosângela foi muito generosa com seus leitores: através de Luísa temos a oportunidade de refletir sobre como anda nosso sentir-pensar-agir. Mais que isso: aos interessados, Luísa aponta, de certa forma, o caminho das pedras.

Além disso, as emoções são, no meu ponto de vista, a personagem principal do seu maravilhoso e potente livro: há que se ter a coragem de investigá-las, e muitas vezes enfrentá-las para seguir em frente e não estagnar no caminho.

Ao fim da leitura, temos a confirmação de que o esforço da narradora em percorrer seus percalços, e em aceitar os tropeços alheios, deram frutos.

Em uma das últimas frases, Luísa reflete sobre a vida, e também, sobre a morte, que um dia inevitavelmente virá, assim como veio para uma das pessoas que ela mais amou, sua irmã.

Ao final, a narradora acolhe com bravura tanto a sua vida, quanto a sua morte: serenidade e maturidade alcançadas só para quem viveu uma existência que fez sentido para si.



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O livro: Rosângela Vieira Rocha. O coração pensa constantemente.
Cajazeiras/PB: Arribaçã, 2020, 198 págs., R$ 55,00
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dezembro, 2020



Roberta Gasparotto é gaúcha de Passo Fundo, mas reside em Brasília desde os quatro anos de idade. Formou-se em Psicologia e trabalha com crianças e adolescentes vítimas de violência. É pós-graduada em Língua Portuguesa, com ênfase em produção textual. Em 2019, publicou mil mulheres cabem em mim, um romance autobiográfico. Atualmente, divide seu tempo entre trabalho, filhos e os escritos que publica nas redes sociais. Além de crônicas, poemas e contos sobre assuntos diversos, possui mais de duzentos e cinquenta poemas com nomes de mulheres e está sempre aberta para novas parcerias poéticas.