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GANGRENA

"Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem".
(Adriana Calcanhoto – Senhas)



A dor e a sensação de intumescimento aumentando, uma sede horrível queimando-lhe a garganta. Tateou no chão, perto da cama, o copo plástico e a moringa com água. Bebeu o resto da água que havia e deixou cair pesadamente a cabeça no travesseiro. Depois de serenada a sede, recordou-se do alívio que sentira quando interromperam a música do trio elétrico em frente ao palanque dos homens do governo. "Não sei de onde o Genésio saiu. Eu naquele desespero, sem saber o que fazer, para quem apelar. Contei a ele. Ele me disse: toma um gole. Liga não, corrente. Ó, se tu quiser, tu pode entrar num lance comigo e mais dois bróder. Ó, vai rolar a maior grana, tá ligado? Na quarta de cinza vamo estourar um caixa vinte e quatro horas na Pituba... Mas, ih, cara! É nenhuma para você, deixa, esquece, eu só falei por falar, só porque cê tá nessa de horror aí com o tal do isopor. Você é moral, eu sei. Teu negócio é ficar lá enfurnado com a tua nega no barraco. A Suçuarana toda sabe. Tô ligado, só ali ralando na empreiteira que corta os gatos de luz, né? Toma, bebe um gole dessa onda aí, vai te fazer bem...". O zunido da guitarra do trio, sendo afinada, entrando nos ouvidos como o voo rasante de um mosquito gigantesco. Genésio falante, falando alto e suando, a pele negra brilhante. "Eu sei, mano, que a maré não tá boa pra ninguém, só para eles — fez um gesto para cima com o polegar — sempre os mesmos. E os tiras não tão brincando não. Se você vacila, pegam, apagam e desovam o corpo na primeira pirambeira. Depois abafam e não se fala mais nisso. Tá a fim de um baseado? Não? Tá limpo. Comigo eu não vacilo, viu? Tá aqui, vê só o cabinho do três oitão aqui no meu abadá. Polícia se mete comigo, meto bala no meio dos peitos desses putos".

O barulho de música de carnaval recomeça estrondoso, e uma morena, lá no alto, canta berrando: — E tá um empurra-empurra aqui / mas tá gostoso / Ô, ô, ôooo... — Genésio deixou-lhe a garrafa plástica, cheia da bebida liquorosa à base de álcool. Multidão enlouquecida, dentro do bloco aquelas meninas minas do Itaigara, tudo linda, tudo loura, tudo cabelo liso, solto, escorrido, molhado, tudo mamãe-sacode. No apertume chegou a roçar no braço de uma loirinha do bloco, calçada com tênis importado e tornozelo enfeitado com correntinha de ouro. O empurra-empurra invadindo os domínios do bloco, até que a turba recuou na ação encapelada e firme da corda grossa de amarrar navio, jogando longe os do lado de fora da tribo.

"Não sei onde foi para o pé esquerdo do meu tênis velho, o que já estava com o cadarço partido, e aí senti aquela pontada, a dor fina na planta do pé. Primeiro não liguei muito não, e depois que aquela bebida bateu na cabeça, a minha raiva, o cansaço virou uma alegria besta, deu uma zoeira que esqueci até da fome, do isopor; queria mesmo era sacudir os braços, beber da garrafa plástica, me misturar no meio da multidão, daquela zoada maluca até madrugada alta, pra botar pra fora de mim esse mar de amargura, essa rotina de dificuldades, esse cabestro de miséria o ano inteiro. Como é? Tanta gente rica e eu fodido? Aquela bebida tonteia o cabra até os ossos!".

Uma dor de pontadas elétricas partia daquele rasgo e começava a invadir todo o pé esquerdo, o tornozelo, a batata da perna, subindo com força pelo joelho.

"Maria lá na terra dela vendo se o irmão empresta algum pra a gente ir tocando enquanto eu não arranjo um trampo. Eu não queria, mas ela só ficou falando naquilo... Deixei ela ir porque queria pegar o dinheiro do seguro desemprego, sem que ela soubesse. Me deu na ideia ver se eu não fazia o mesmo que muita gente faz aqui: vender de ambulante no carnaval. Comprei a caixa de isopor, comprei as caixas de copinhos de água mineral. As latinhas de cerveja, já não dava o dinheiro, tive que pegar fiado no depósito do Jorge. O que sobrou foi a conta de comprar as barras de gelo. Eu queria dobrar o dinheiro do seguro, fazer uma baita surpresa pra Maria quando ela voltasse. Por que a Maria ainda não voltou? Eu já tô aqui assim faz quanto tempo? Dois dias... ou três?... Maria na estação da Lapa. Olha daqui, olha dali, todo dia enquanto o ônibus dela não vinha, eu trepado no andaimezinho trocando lâmpada da estação, Maria trabalhando em casa de família, gostei dela logo, jeitosinha mesmo. Maria magrinha, fraquinha, ficou tão minha amiga... Ficamos de lá para cá. Só não deu para parir. Não é mulher parideira não".

A secura na garganta voltou a incomodar-lhe a goela seca, a sede, a seca.

"Sempre a seca matando, a eterna história miserável da seca. Só mandacaru para suportar. A minha sede é tanta agora que estou enxergando a cortina da porta do quarto igual a quando o sol abrasa a terra já ressequida, e sobe aquela ondulação de calor de miragem... Que agonia, meu Deus. Até quando isso vai durar? Valei-me nossa Senhora... Foi isso... Isso mesmo que mãe disse quando contei que vinha para Salvador tentar vida melhor. Valei-me, Nossa Senhora! José, você num vá, Zé. A capitá num tá prestando mais não, diz que não tem mais emprego, Zé. Fica aqui, Zé. A gente tem pouco, mas tem com que passe. Zé, ô Zé! Cê é que sabe... É, mãe, a senhora acertou mais uma vez... Eu preciso suportar mais um pouco. Se tivesse um talo de bananeira aqui pra botar o leite na ferida... Também, se não tivesse vindo, não tinha encontrado a Maria, a minha Mariazinha... Ai que dor desgraçada, não gosto de médico, e quede dinheiro? Nada! Sempre tive boa saúde".

Entretanto, naquela altura, uma aflição começou a morder-lhe o íntimo como uma advertência. Aquelas dores faiscantes que não paravam eram um sinal que o ameaçava. Quis gritar, chamar por alguém, chamar por Maria, mas o grito saiu como um murmúrio arrastado da garganta ressequida. Procurou ver o pé, aquela coisa disforme em que se transformara toda a sua perna, supurando e sangrando. O sangue novo em cima do coagulado, tingindo o lençol, escorregando da cama, pingando no cimentado do chão. Já não conseguia distingui-lo precisamente. Um nevoeiro impedia-lhe a visão e, pela primeira vez, frágil, desprotegido contra o que podia acontecer, teve medo, tremeu de medo.

"Mãe nunca demonstrou ter medo de nada, nem nunca chorou. Ficava triste às vezes, ficava com o olhar distante, perdido na barra da serra, sempre ali na janela, calada, olhando, matutando. Nunca. Desde que nasci sem pai, e que me alembro, sempre ali. Forte. Só quando já tava sentado no ônibus que vinha para cá, quando dei o último adeus pra mãe, foi que vi aquelas duas lágrimas escorrerem por seu rosto comprido, sulcado de rugas. Mãe ficou ali com Guardião ao lado, sentado sobre as patas traseiras, os dois me olhando... me olhando".

O mal-estar aumentava, febre e suor, mal-estar aumentando e trazendo com ele uma sonolência cheia de delírios.

"O cabo de alta tensão energizado, treze mil volts explodindo o caixa eletrônico, incendiando o dinheiro, ele subindo em poste, descendo de poste em turnos de trabalho de doze horas, descascando fios e calos da mão também, folgando lâmpada em poste sim, racionando, poste não, racionando, todo mundo embolado, fio descascado, gente descascada, descarnada, cobre exposto, demissão, bala de trinta e oito no peito do empreiteiro  da companhia de energia elétrica que usava uma bota roubada de eletricista e que parecia protegê-lo  do des/emprego de corte de lata de cerveja lascada, derramada no chão impermeável do asfalto da avenida carnavalesca, na blitz da fiscalização da prefeitura, o peso enorme do isopor, a cantora gritando sai de baixo meu irmão que lá vai a zorra! Dois dias na base do acarajé, emendas de licenças para ser ambulante, emendas de fios de agarra, tudo embolado, toda hora dando descarga, faíscas, curtos, choques imensos carbonizando o pé calçado numa bota, uma explosão elétrica! A velha casinha no mesmo lugar ao pé da serra, agora reformada. Em volta, um bosque irrigado, com muitas árvores, tudo verdinho, verdinho. A luz dourada filtrando-se por entre a folhagem das árvores. Um cheiro de terra úmida misturado a exalações de flores silvestres. Porteira nova que ele mandara fazer, as ripas e caibros do telhado novinho que ele mandara substituir, mãezinha pitando o cigarrinho de palha, passando o café cheiroso, fartura na mesa. No pátio a bicharada solta, flores e crianças brincando de roda. Quem seriam aquelas crianças? Seriam seus filhos? Brincavam de roda. Guardião de um lado para outro correndo, latindo, perseguindo galinhas histéricas, sob o olhar omisso de vacas leiteiras, uma arruaça engraçada de se ver. Sua atenção se fixa nas crianças brincando. Sentiu-se participando da antiga ciranda de sua infância, cantando a débil canção infantil: Eu sou pobre, pobre, pobre, de marré-de-si".

Um violento calafrio percorreu-lhe o corpo. Minutos depois, com surpresa, conseguiu erguer devagar a cabeça. Alívio de suave vertigem. Sentia-se agora pairando alguns centímetros acima do próprio corpo dormente. Incomoda-lhe menos a perna, a sede quase que cessara, e o peito, como que liberto, abre-se para uma calma inspiração.

Em meio à tontura de ambiência nevoenta, ressoou mais uma vez o coro infantil... E seu rosto assumiu uma expressão de deslumbramento, porque, girando na ciranda, divisou nitidamente o semblante de Maria a sorrir-lhe docemente.

Quando cerrou vagarosamente as pálpebras, tinha nos lábios o esboço de um sorriso de secreta alegria.






A PALAVRA NUNCA



Ali está um simples homem sentado no interior de um templo. Escolhera um assento na longa fileira de bancos, na altura do nicho que abriga a imagem de São Pedro.

Com as mãos postas, parece recitar uma oração. A cabeça baixa, mexe os lábios rezando firme, com fé.

Entretanto, com o fluir do tempo, os lábios tornam o murmurar morno, depois frio e finalmente quase inexistente. A cabeça, por instantes, lhe pende no abandono de uma sonolência sorrateira, até que uma estranha oscilação de ideias o desperta. Ele suspira forte enchendo o peito e esforça-se para voltar-lhe a letra da prece: "Seja feita a vossa vontade...". Mas, como uma turbina que gira em torno de um eixo, certa classe de ideias lhe turva o cérebro. Ideias turbinosas!

"Qual teria sido, afinal, o sentido exato daquelas palavras do safado do Palhares? Depois de me ter forçado a dispensar o Amadeu dos serviços que ele me prestava com a limpeza e o cultivo da horta, vem agora com essas ideias de possíveis reformas. De ampliações, de modernizações, de gestões administrativas! Isto é uma loucura. Isto é surreal. Como é que pode? E o Amadeu como é que vai ficar? Para onde terá ido? Como é que um homem sem um braço vai se sustentar? E pensar que ele veio dar aqui pelas mãos da comissão pastoral dos sem-terras, quando houve a reintegração de posse daquela fazenda invadida... E depois que o país inteiro assistiu pela televisão, ao vivo e em cores, àqueles gritos, correrias, desmaios, prisões e à cena brutal dele caído no chão, com o braço metralhado, e a mulher, coitada, ao lado, com as mãos à cabeça a gritar desesperada, a chorar".

As mãos do homem agora estão inquietas, as pupilas brilhantes, um desassossego de corpo.

"Assim na terra como nos céus. O pão nosso de cada dia... Onde o Amadeu vai conseguir o pão? Palhares com aquele argumento de que a diocese tenciona vender parte das terras da igreja e que, com esse dinheiro, talvez construa uma nova igreja... O problema está justamente aí. Talvez. O que me aflige é essa sugestão de que eu vá temporariamente para o retiro espiritual. É para o seu bem, ele disse. Para o meu próprio bem... Para o meu próprio bem... Para o meu próprio bem uma porra! Não gostei. O que eu vou lá fazer em retiro espiritual nenhum? Minha casa é esta. É aqui. Sempre foi. Há sessenta anos que sou o padre dessa paróquia. Meu Deus! Eu preciso me concentrar na prece. Não posso ficar entregue agora a essas cogitações. Dai-nos hoje, Senhor... Mas eu... Não é possível!"

Uma expressão de angústia se reflete nos olhos aumentados.

"Tanto que eu me doei... Hoje eu estou assim inquieto. Uma coisa aqui por dentro, depois da conversa com o monsenhor Palhares, está mexendo comigo, como se estivesse me dando um aviso. E eu não tenho sossego, esse assunto fica indo e vindo na minha cabeça".

Tornou a se imobilizar, aéreo, pensativo.

"E dizer que o Palhares foi meu contemporâneo de seminário... Eu nunca confiei nele mesmo, nunca fui com aquela cara de bajulador. Em muito menos tempo do que era de se esperar, foi indo, de clérigo a padre, e agora, bispo! Não leva em conta tantos anos que nos conhecemos. Esqueceu-se de que quando eu aqui cheguei isto era uma grande capoeira. Esqueceu-se de que ajudei a construir esta igreja com minhas próprias mãos. É verdade. Eu era um jovem idealista e neste lugar, naquela ocasião, me sentia tal qual um São Pedro a ouvir as palavras do Mestre em Mateus, Cap. 16, vers. 18: 'também eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta rocha construireis a minha congregação, e os portões do Hades não a vencerão...' Para agora, no fim da minha vida, vir o pontapé que manda pelos ares tanto tempo? Tudo esquecido assim?".

Após novo suspiro, inclinou um pouco a cabeça grisalha.

"Engraçada a memória da gente. Há umas coisas de que eu me recordo como se estivesse vendo agora, outras não... Do que ficou para trás, ainda hoje vejo nitidamente o tempo de quando entrei para o seminário. Vejo o irmão Elpídio com aquele vozeirão a nos advertir sobre o dedo vingador de Deus com aquelas concepções doidas de caldeirões, espetos e garfos do inferno. Tudo para incitar-nos ao pudor e recato. E pensar que, anos depois, ele mesmo foi abafadamente afastado da igreja por pura e simples prática de pederastia".

Uma chispa de riso aflorou nos lábios do velho padre.

"Oh Pai, que pensamentos! Perdão, Senhor... E perdoa, Pai, as nossas ofensas...".

Mãos entrelaçadas no ventre. Os polegares tocando-se nervosamente até que os olhos se desviam para as pedras do piso.

"Assim como nós perdoamos aos nossos devedores. O que será essa trilha aqui? Meu Deus, serão cupins? Não. São formigas. Esses insetos indiferentes, eternamente presentes em tudo, a andar nesta fila, neste vaivém ordeiro. Só queria saber o que essas bandidas vêm fuçar aqui. Ih! Parece que uma delas se perdeu da marcha, se desorientou e vem para o lado de cá. Será que ela me alcança os pés? Hum! Dou-lhe um pisão. Não, ela tão desorientada, deve estar levando as patinhas à cabeça, como uma pessoa enlouquecida. Como a mulher do Amadeu na televisão. Não, as formigas só aprenderam a doce candura da subsistência. Nunca experimentaram o ódio de que sempre foi feito o perdoai uns aos outros das religiões humanas... Hum... E não nos deixeis cair em novas tentações, Senhor... Nunca conheceram o que é um bispo".

Recolheu os pés calçados nas velhas alpercatas de couro e cruzou-os embaixo do banco.


"É certo que o Palhares não falou explicitamente em vender a igrejinha. Mas hoje quando tudo está sendo vendido... Tudo! E aquele padre espanhol com o olhar de inquisidor que estava junto com o Palhares? Santo Deus!".

As veias do pescoço mostravam-se salientes, as rugas do rosto vincadas.

"Mas livrai-nos de todos os males... E tudo acontecendo para o meu juízo ferver... São os sem-terra que vivem a me bater nas portas. São os sem-teto, são os sem-emprego. É a pastoral carcerária dos excluídos de tudo. São os maconheiros e os traficantes a se matarem uns aos outros. Essa sucessão de tragédias sem parar, sem nexo, sem sentido. Essa associação livre da violência no império do está acontecendo. Queira Deus que eu tenha nervos para suportar essa loucura... Onde foi mesmo que eu estava? Sim. Mas livra-nos de todos os males, Senhor. E o Palhares. Ah, Palhares...".

Trouxe o corpo para a borda do banco e ergueu a vista.

"O Senhor tem que me acudir para que essa tal venda não se concretize. Como é que pode? Onde já se viu padre sem igreja, sem teto, sem-terra? O Vaticano. O papa não está vendo isso, não é? Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco. Ô! Não era essa reza não, é o Pai Nosso. O que vai ser de mim?".

Levantou-se. Com um frêmito de mãos parecia chamar Deus à Razão.

"Já não basta, Pai, o brutal afastamento dos fiéis? Nem os antigos têm vindo mais. Senhor... Eu sozinho... Sem ter quem auxilie nas missas, nos trabalhos que exigem assistência, e ainda por cima ter que limpar tudo e cuidar da horta"

Tornou a sentar-se inquieto.

"Só eu sei aqui dentro como está o meu coração. Tantos anos a serviço da igreja. Da igreja, não! Em primeiro lugar, como servo do Senhor, cumprindo, honrando na castidade o compromisso que assumi. Aqui, agora, sozinho, sem ter quem me dê a mão na hora da minha morte. Prestes a virar mais um velho abandonado na Santa Casa, a ser cuidado pelas irmãs de caridade. As irmãs... Eu que nunca me casei. E Marina. Onde será que anda a Marina? Aquela perdição. Será que ainda vive? Ou não? Ah! Minha vontade mesmo é chorar..."

Faz esforço para interromper as lágrimas que lhe crescem nos olhos e, certamente — a julgar pelo olhar suplicante que lançou — divisa no altar principal a imagem do Cristo de marfim, com os braços pregados na cruz de jacarandá, entortada e refratada pelas lágrimas.

"O que me vale é que o Senhor meu Deus sempre me ensinou o caminho da paciência. Se não fosse isso, não sei o que seria de mim. Paciência e resignação".

Deu ao rosto uma expressão mais aberta, conformada; ou melhor, uma expressão obediente.


"Acatar os desígnios da providência... É triste não ter com quem falar, não poder ser ouvido neste mundo desconexo e brutal. Que ironia, tanta tecnologia e a humanidade feito um formigueiro desbaratado... O mundo mudou muito... Mudou demais... Meu Deus, que horror...".

Levantou-se, fez o sinal da cruz, espreguiçou os braços e soltou um longo suspiro de resignação depressiva. Nesse instante, rompendo o silêncio sem fala possível, um casal de pombos levantou voo da torre do sino rumo ao inatingível céu azul.



Nota da editora: em maio de 2020, o escritor lançou um novo volume de contos: À flor da pele (Editora Laranja Original). Por conta da pandemia, a obra encontra-se à venda diretamente com o autor em goeska15@gmail.com ou www.facebook.com/krishnamurti.goesdosanjos.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Krishnamurti Góes dos Anjos é baiano de Salvador. Escritor, pesquisador e crítico literário, é autor de Il Crime dei Caminho Novo (romance histórico), Gato de telhado (contos), Um novo século (contos), Embriagado intelecto e outros contos e Doze contos & meio poema. Tem participação em 27 coletâneas e antologias, algumas resultantes de prêmios literários. Possui textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu livro publicado pela editora portuguesa Chiado, O touro do rebanho (romance histórico), obteve o primeiro lugar no Prêmio José de Alencar, do Concurso Internacional de Literatura da União Brasileira de Escritores (UBE), em 2014, na categoria Romance. Colabora regularmente com resenhas, contos e ensaios em diversos sites e publicações.