Bouquet



Ramalhete

tomado com o assalto

de dois goles súbitos —

a presença encorpada

em doçura crescente,

insuportável de júbilo,

excessiva


como um lírio.







Narcisos



O olho esquerdo

agarrado a si mesmo,

o outro se distrai anguloso —


mas o mundo entorna e volta

a cada respiro

ao próprio nariz —


estão estrábicos de redundância,

empertigados,

impregnados de si.







Fototrópica



O pescoço doído

de tanto se esticar

para olhar —

onde será que ele ia.


Inclinada de intenção,

semicaída.

Explícita, até o sol

mudar súbito e arredio.







Monstera deliciosa



Ainda não é época

da fruta da estação.

É lenta, é metódica.

Está amarrada e tóxica.

Não se come no dia errado.

Não se morre

envenenado nos trópicos.







Faça as unhas



A carne exposta da ansiedade,

a carne viva

da preocupação.


Roedora —


a dentição crescente e reposta

para a renovação

de teu desconsolo.







Babel



Não distingo o latido —

esse quer estraçalhar

ou é só pedido de carinho?


O cavalo me está tímido

ou apenas não diz?


Que sei eu do sorriso

de um canarinho?


O gato em nada convencido

do meu miado.


Explico à galinha que a estimo

enquanto cisca

longe de mim.



[Do livro Monstera. Uratau, 2019]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Isabela Sancho é escritora e ilustradora. Formada pela Unicamp, vem estudando poesia e prosa na Casa das Rosas, São Paulo. Autora da plaquete Quem fala em seu nome (Primata, 2019) e dos livros As flores se recusam (Patuá, 2018), A depressão tem sete andares e um elevador (Penalux, 2019) e Monstera (Urutau, 2019), já recebeu duas menções honrosas no Prémio Literário Glória de Sant'Anna, Portugal. Seu quarto livro, Olho d'água, espelho d'alma venceu o Prêmio Literatura & Fechadura, e será publicado pela Editora Folheando.