[van gogh: vaso japonês com rosas e anêmonas, 1890]
 

 

 

 
 

 

 

 

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Do livro Desabrolhos (Périplo da Vida em Haicais), estes
retratos das estações do planeta e do humano.
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"quem vê por si não se ilumina"

(Lao Zi)



no momento exato

entoa o Om a cigarra...

ponte ao Vazio 





zazen na varanda...

vem rasteiro um tico-tico

para, fita-me, passa





ao seu voo rápido

borboletinha amarela

o mais é cenário





céu de aleluias!

vão aos ares bem na hora

da Ave Maria





chuva criadeira...

no alpendre pardalzinho

também contempla





frente à escolinha

o olhar do pequenino...

primeiro dia!





madrugada insone...

de repente o som do cão 

bebendo água





nuvens... nuvens... nuvens...

por toda a vida — nuvens! 

chegando... indo…





alvejadas de sol

rumam ao poente as garças...

amarelas





veredas do outono

dia a luz dia a sombra

como companhia





num belo dia

o olhar seco de folhas

os passos mais curtos





mirando esta lua

estes olhos são os mesmos

que em Li Bai brilharam





a cada irmão ido

menos importam as coisas…

ah, dias curtos!





manhã invernal

neste caminho de névoas

a luz de cada passo





avança o inverno...

além da lida o torpor

de enterrar um morto





veredas do inverno

ressurgem breves as cenas

desta caminhada





contemplando o ocaso...

no fio do instante a luz

que não se rompe





uma fé na vida

como se nascesse...

primavera infinda





ao fim do caminho

muitas flores no olhar...

colhi mais que plantei





zunir da cigarra

no instante da pausa

o silêncio ecoa

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Gustavo Terra (Jacareí/SP, 1972), tem no haicai tradicional sua forma ideal de expressão poética, pela qual registra os fortuitos vislumbres do mistério em sua beleza fugidia. Publicou em 2019, de forma artesanal, escrito à mão, o livreto Desabrolhos, reeditando-o em 2020 pela editora Costelas Felinas. Em 2015, publicou uma seleção dos poemas que escreveu desde 1993 até então, no livro Cantata dos Ventos (Multifoco). Também faz música para poemas e vice-versa, solo e com parceir@s.