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EVANGELHOS DE AÇOITE



Atrás da noite,

açougueiros fatiam

diaristas,

comem seu coração anfíbio,

— e a ferrugem aflora.


Nos matagais da memória,

vermes me colhem.

Sinto o giroflex do fogo

mastigando a ortografia

de minha terra.


Porcos pascem

dentro da nau

do incêndio. O silêncio

planta cascavéis,

castanhas

nas têmporas

do tempo.


Os vigilantes do sexo

urinam traças

em minha amêndoa. E soletram

flautas, palavrões

nas babilônias do outono.


O homem vence um olhar,

dançam bondes e árvores.


Meu corpo é um estábulo

em que grita o grunhir

dos palhaços,

e a África amanhece

em minhas acácias.







FOTOGRAFIA 3X4



Viaturas policiais

vasculham meus desertos,

vasculham meus caminhos. Arrastam,

vagamente, meu corpo preto

sobre os dentes do asfalto.


Minha mãe agora olha-me

num álbum sujo de sangue e sonho,

enquanto meus irmãos dançam

a liturgia dos órfãos.


Viaturas policiais

vasculham minhas ruínas

mitológicas

sob o pranto das horas

sem respostas,

sob os salmos

dos mendigos.


Viaturas policiais

vasculham a infância

dos filhos

dos sem-nome

ao som da liturgia das balas

triturando seus ossos.







O GRANDE DESASTRE



Musas medonhas — donas

das rugas —

do ser e do mundo

derramam em minha face:

óleo queimado. Trago

nos dedos a arquitetura de um pássaro

morto;

e sou feito lobo

mijando sobre pedras,

hóspede do nada, filho

de esgotadas

filosofias. Ser

abortado

em Deus — na barriga.







TRECHO DE SONHO 1



A noite brota fatiando estrelas,

eu durmo colhendo a alma

dos cavalos.







HÓSPEDE DAS PEDRAS



Tornei-me fênix

e canto sobre a estrada

onde mora minha tribo

entre argila e aço.


Busco minha floresta

de facas

para esculpir nossa face:


aí, todo pássaro é hóspede

das pedras,

dos desastres.



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Fabrício Oliveira é poeta, graduado em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e professor de Língua Portuguesa. Nasceu em 21 de maio de 1996 na cidade de Santo Estêvão, no interior da Bahia. É autor do livro Gramática das pedras (Patuá, 2020).