©enrique lopez garre 
 
 
 
 
 
 

Há exatos dois anos ninguém poderia imaginar que às portas de uma nova década o mundo seria vitimado por um vírus, responsável por milhares de mortes e contágio que não poupa ninguém. Da mesma maneira, ninguém poderia imaginar que nosso país — à mesma época — seria vítima de um governo machista, catastrófico e ineficiente. Opa, isso dava para imaginar, mas dentro das regras democráticas é o que temos para hoje e, lamentavelmente, para até o final de 2022, especialmente, levando-se em consideração um congresso majoritariamente omisso e conivente com a loucura instalada no poder executivo.

Mas o assunto aqui não é esse, embora, a vontade de escrever muito mais a respeito seja irresistível. Precisamos falar sobre violência nas relações de afeto, aquela entranhada em milhares de casas. Se a violência doméstica vinha crescendo assustadoramente nos últimos anos, previsível que, com o isolamento forçado, e absolutamente necessário, tenha dado um salto enorme. Porque é fácil imaginar que, agressor e vítima, forçados à convivência ininterrupta, hora após hora, dentro do mesmo espaço, irão se estranhar e as agressões aflorem.

Acontece, minha amiga e meu amigo, que é muito mais fácil culpar determinado momento, este, por exemplo, em que vivenciamos uma pandemia, do que fazer uma análise crua acerca de algo que vitimiza milhares de mulheres e meninas há tanto tempo.

Tampouco, culpem-se as leis, elas existem, são boas e modernas.

Óbvio que se trata de um problema estrutural, histórico, político-institucional e cultural. Acontece em qualquer estrato social. Óbvio, também, que a disseminação de certos mitos acerca de tema tão doloroso, enfraquece a própria vítima e seu propósito de buscar ajuda.

O que fazer, então?

Que tal começar por você? Não, não me refiro ao esbravejamento em redes sociais em datas significativas. Isso eu faço, todo mundo faz. É bonito, é necessário, mas de nada adianta se muitos daqueles que erguem bandeiras, ainda se perguntem: "o que será que Mariazinha fez para Joãozinho perder a cabeça?" ou tentem relativizar a agressão sofrida por uma mulher porque ela não comunga o mesmo ideal político. "Ninguém solta a mão de ninguém". Isso é sério e é assim que se deve pensar a respeito de toda mulher em situação de violência, não importa o que ela seja ou no que ela creia.

É preciso, sobretudo, a construção diária de uma nova consciência. Sem condicionantes, ou seja, nunca, mas nunca mesmo, creia que a violência possa ser justificada sob qualquer aspecto ou perspectiva. Aliás, deixe que a Justiça trate, com todo o rigor legal, de questões que você não compreende e sobre as quais tenha dúvidas. Mas, por favor, não se omita. Não caia no conto do agressor bonzinho. Ouviu ou presenciou o vizinho agredindo a mulher, a filha, a irmã ou a mãe? Mão no telefone. Denuncie.

Enquanto finalizo este texto, chega a notícia de que um magistrado, durante audiência de pensão de alimentos, fez e aconteceu, constrangeu a parte mulher, deslegitimou a Lei Maria da Penha e, pior, tentou que vítima e agressor se reconciliassem.

Ora, ora… então, não custa ficar de olho na Justiça também.



dezembro, 2020

 

 

 

Mariza Lourenço é advogada e coeditora da Germina.