©taken

 

 

 

 
 

 

 

 

|cheio de vazio|

 

 

às moscas

 

 

Tudo vazio

Cheio de nada

 

O cinema cheio

O teatro vazio

 

O shopping center cheio

A biblioteca vazia

 

O estádio de futebol cheio

O museu vazio

 

A igreja cheia

O sarau vazio

 

A danceteria cheia

A exposição vazia

 

O show cheio

O recital vazio

 

De saco cheio

De mente vazia

 

 

 

 

 

 

|homem com H|

 

 

Homem carro

Homem lixo

Homem cigarro

Homem bicho

Homem pigarro

Homem lixo

Homem catarro

Homem bicho

Homem sarro

Homem lixo

 

Homem com H

Homem na hora H

Homem bomba H

 

Homem bomba

Heterossexual

Homem estuprador

Em potencial

 

 

 

 

 

 

|impossível poesia|

 

 

Impossível poesia depois do   Holocausto

de Hiroshima Nagazaki

da bomba H

do homem bomba

da caça às bruxas

dos anos de chumbo

do coronelismo

do napalm

do muro

da guerra de videogame

do tsunami

do 11 de setembro

do terrorismo

da guerra ao terror

do terrorismo de Estado

do colonialismo

do neocolonialismo

da fome na África

da seca no nordeste

da violência urbana

do linchamento virtual

dos assassinatos de Tupac Amaru

Gandhi

Trotski

Luther King

Che

Lennon

e de tantos outros

Impossível poesia depois de tanta barbárie

Impossível e indispensável

 

 

 

 

 

 

|meritocracia|

 

 

Quando uma classe política promete

a construção de mais presídios

por conta da superlotação dos já existentes,

não seria um meio de tirar de circulação

uma juventude pobre,

varrer o investimento em educação

para debaixo do tapete?

 

Quando uma classe política promete

a construção de pontes, viadutos,

estradas e rodovias,

obras faraônicas,

não seria um meio de superfaturar obras

e desviar verbas para empreiteiras e a própria gestão?

 

Viadutos para os carros e para os desabrigados.

 

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

O acúmulo de capital.

É o cúmulo!

 

Milionários são miliardários

à custa de muito esforço,

de muito trabalho,

de suor, lágrimas e sangue derramados

por milhões e milhões de trabalhadores explorados.

 

Milionários são miliardários

por desviar dinheiro público,

por sonegar impostos,

mediante a exploração da força de trabalho

de mão de obra barata,

de mão de obra desqualificada,

de mão de obra escrava,

de trabalho infantil

e abusos ao "sexo frágil".

 

Um discurso horrível, um puta desperdício!

Que mérito há nisso?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

|um vício circuloso|

 

 

O cavaleiro toma um chão;

O cavalo em disparada.

O mensageiro das más notícias:

Numa mão bandeira, na outra

Espada e cabeças cortadas.

Meu reino por um cavalo!

 

O príncipe virou um sapo,

A carruagem abóbora e a princesa

Perdeu o cabaço na escadaria

Em espiral. Passagem secreta

Na estante da biblioteca

De babel, oculta calabouços.

 

Yorick pregou uma peça:

Tabuleiro — chão em chamas.

O bobo da corte é o povo

Maltrapilho, enrolado em

Bandeiras rasgadas, empunhando

Machados e enxadas!

 

Castelo de cartas e de areia.

Rolam os dados na roleta

E o tempo na ampulheta.

As torres tomadas, incendiadas

E tombadas; os jardins de ossos;

Cachorros magros e raivosos.

 

O trono de ouro e o cetro

De ouro e a coroa de ouro

E o coração de pedra e a alma

Na lama e os louros da fama

E os píncaros da glória! Conluio

Dos bispos, conchavos políticos.

 

A armadura de lata e pena

Vermelha no capacete de lata.

Rubro, labaredas no tapete

De sangue. A rainha está nua!

O rei está morto! Viva o novo rei!

O dízimo mais os impostos.

 

 

 

 

 

 

|voz do brasil|

 

 

"eu não quero ser livre"

"eu não quero direitos"

"eu não quero ensino de qualidade"

"eu quero que todo pensamento seja suprimido"

"eu quero o fim dos ativismos"

"eu não quero cultura"

"eu não quero arte"

"eu quero todos os artistas

presos

exilados

torturados

mortos"

"meu ódio é maior do que o meu bom senso"

"eu não respeito porque eu não sou respeitado"

"eu quero me armar"

"eu não quero pensar

pensar nem pensar

pensar dói a cabeça"

"o direito ao voto não pode ser obrigatório"

"e é por isso que

eu elejo uma ditadura

d e m o c r a t i c a m e n t e

e fim da história"

 

 

 

 

 

 

|o fascismo nosso de cada dia|

 

 

Assassinaram uma vereadora no Rio de Janeiro

Assassinaram nordestinos em Niterói

Assassinaram um mestre de capoeira em Salvador

Aumenta o número de travestis assassinadas no Brasil

Marcaram uma suástica nazista a canivete na barriga de uma mulher lésbica

Agrediram homossexuais

Picharam suásticas e dizeres preconceituosos em portas de banheiros de universidades públicas

Estupraram meninas em festas universitárias

Incitaram o ódio e a violência contra movimentos sociais contra partidos políticos de oposição contra aqueles que pensam diferente contra todo e qualquer tipo de ativismo

Meu parente próximo é fascista

Meu parente distante também

Meu amigo de infância é fascista

Meu colega de serviço também

Meu vizinho é fascista

Meu colega da faculdade também

Todos têm sangue nas mãos

 

 

 

 

 

 

| a antipoesia |

 

 

O que se apresenta como Novo

é o velho

sob nova roupagem.

O neoliberalismo é o novo totalitarismo,

é o total descaso com o bem-estar social

e as instituições públicas.

 

A filosofia não serve para nada;

o que serve é a programação de domingo.

A sociologia não serve para nada;

o que serve é o telejornal, a novela e o futebol.

O professor não serve para nada;

o que serve é o youtuber.

 

Para o antiintelectualismo burguês

o teatro e o museu são ameaças.

Decretam a morte da poesia,

decretam a morte da arte, da cultura,

e a vida para,

aceita

e para de fazer sentido.

 

 

 

 

 

 

|abundância x escassez|

 

 

A única diferença entre

a tradicional família brasileira rica e

a tradicional família brasileira pobre

é o poder aquisitivo. De resto

é mais do mesmo:

um conservadorismo entranhado,

arraigado. E junto com ele

vêm os preconceitos

de cor,

de gênero,

de classe.

Produto

interno bruto,

usufruto

e fruto

da colonização e do escravismo.

 

Negro racista. Barbie fascista. Pobre classista.

 

 

 

 

 

 

|menos médicos|

 

 

Muitos médicos brasileiros se formam

em universidades públicas mantidas pelos impostos pagos

pelo povo que não tem acesso

a estas mesmas instituições de nível superior.

Muitos desses médicos, filhos da nossa elite,

nunca precisaram dividir o seu tempo de formação

entre o estudo e o trabalho, mesmo porque

o curso de Medicina em uma instituição pública de qualidade

é em tempo integral.

Muitos desses médicos cresceram

a base de suco natural e cereais no café da manhã e,

fora a formação de nível fundamental e médio

nas melhores escolas particulares do país,

tiveram acesso a cursos extracurriculares como

balé,

judô,

karatê,

música,

pintura,

artes,

natação,

informática,

línguas estrangeiras,

etc., e frequentaram

museus,

exposições de arte,

teatros,

shows,

cinemas,

etc., e tiveram condições de conhecer

o Brasil e o mundo. (Só se esqueceram

de formar o seu espírito humanitário.) Enfim...

sua formação sempre esteve a anos luz

da grande maioria da população brasileira. E

muitos deles se orgulham disso e se gabam tanto disso

a ponto de aplaudirem a saída dos cerca de

8.500 médicos cubanos do projeto Mais Médicos

que atendiam justamente a parcela da população brasileira

que está à margem de todos os direitos básicos

para uma vida digna e que aceitaram

ocupar os postos de trabalho

nos recantos mais remotos do país

por amor a profissão e espírito solidário

a essa população carente.

Muitos médicos brasileiros se formam

em universidades públicas e clinicam

em instituições particulares

nos grandes centros urbanos. Muitos deles

acreditam piamente que a miséria é um câncer

e que a melhor forma de acabar com ela

é extinguindo o doente; é a essa massa brasileira, repito,

que garantiu os seus estudos e a quem desde sempre

deram às costas, mesmo depois do hipócrita Juramento de Hipócrates, composta pela população ribeirinha, do sertão,

dos quilombolas, da população indígena, enfim,

de toda a população desassistida pelo poder público,

que parte da nossa classe médica relega a mais cruel indigência.

 

 

 

 

 

 

| rimbaud |

 

 

Todo adolescente escreve

Mas nem todo mundo é Rimbaud

Todo adolescente é poeta

Mas nem todo mundo é Rimbaud

O poeta francês ganhou

Um concurso literário escolar aos 14 anos

Por um soneto escrito em latim

 

O ensino público tupiniquim

Forma para o mercado de trabalho

Mão de obra braçal

Mão de obra barata

Mão de obra escrava

Para a fábrica a indústria e o comércio

Não forma pensadores

Nem criadores

Forma

Subempregados

Subalternos

Precarizados

 

O ensino público tupiniquim

É primário

Mas não por culpa do professor

Por conta da grade curricular

Imposta pelos governos

Que não permite o ingresso ao ensino superior de qualidade

Por causa do vestibular excludente

 

O ensino superior público não é universal

O ensino superior público é para os filhos da elite tupiniquim

Não durma com este barulho

Cave

Nem todo adolescente escreve

Mas todo mundo é Rimbaud

Nem todo adolescente é poeta

Mas todo mundo é Rimbaud

 

 

[Do livro Poemas do golpe. Patuá, 2019]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Andri Carvão cursou artes plásticas na Escola de Arte Fego Camargo em Taubaté, na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e na Escola Panamericana de Arte (EPA), em São Paulo. Graduando em Letras pela Universidade de São Paulo, há textos do autor nas publicações Labirinto Literário, Libertinagem, Gueto, Aluvião, Originais Reprovados, Subversa, Ruído Manifesto, Literatura e Fechadura, O RelevO. Foi colunista do site Educa2 e participou das antologias: Gengibre — Diálogos para o Coração das Putas e dos Homens Mortos, Embaçadíssima – Antologia Tirada de uma Notícia de Jornal [ambas pela Editora Appaloosa], 7 Dias Cortando as Pontas dos Dedos [um manifesto contra o fascismo], organizada por Rojefferson de Moraes e do livro-homenagem a Rubens Jardim [Patuá, 2019]. Publicou Polifemo em Lilipute e outros contos [também pela Appaloosa], O Poeta e a Cidade [coleção #breves Gueto #9], Puizya Pop & Outros Bagaços no Abismo, organizou o livro coletivo Marielle's [ambos pela Scenarium], Um Sol Para Cada Montanha [Chiado Books] e Poemas do Golpe [Patuá, 2019]. Integra o Coletivo de Literatura Glauco Mattoso, criado pelo prof. Antonio Vicente Seraphim Pietroforte.