O centro de São Paulo é o ponto onde começa a maior metrópole do Brasil, a maior cidade no mundo da língua portuguesa. Saindo do Marco Zero, na Praça da Sé, entrando na Rua Direita e atravessando o Viaduto do Chá, o paulistano pôde ter como destino final, no coração da cidade, um corredor de… livros.

Durante um fim de semana, nos dias 4, 5 e 6 de outubro de 2019, os carros estressados, ônibus espremidos e pedestres apressados puderam caminhar por parágrafos, páginas, capítulos e versos pontuados por exclamações e reticências na primeira Virada do Livro paulistana. O "Corredor do Livro", trajeto entre a Biblioteca Mário de Andrade e a Praça das Artes, passando pela Rua Coronel Xavier de Toledo e pelo Theatro Municipal, foi o eixo central de um evento com tendas que abrigaram as principais editoras, livrarias, bancas e coletivos do país.

O centro de São Paulo ficou poluído de uma fumaça vinda de páginas de ficção e de não ficção que se espalharam por mais de um quilômetro de letras que oxigenaram as calçadas alçadas a faróis com luz verde para a arte literária. Foi um deleite ver os paulistanos caminharem em tranquilos passos sobre uma rua de leitores e autores. Em tempos em que um livro tem sido menos valorizado do que uma arma, a palavra impressa demonstrou força e arrastou uma pequena multidão para transitar dentro de uma alameda de álamos com galhos que escreveram um fim de semana sem fim.

Nomes pouco conhecidos misturados a famosos temperaram a literatura com a cara que São Paulo oferece ao mundo: a fusão do popular com o erudito, dito, bendito e maldito na rua, no teatro e na praça. Provavelmente, Mário de Andrade, autor que deu nome à Virada do Livro — Festival Mário de Andrade — desse um bem-vindo passeio por essa rua. Por ali, caminharam, nos livros e no asfalto, o romancista Mia Couto, a atriz Fernanda Montenegro, a neta de Nelson Mandela, a poeta Angélica Freitas, Milton Hatoun, o líder indígena Ailton Krenac e um vendedor de sorvete que sorvia versos de Fernando Pessoa enquanto cobrava R$1,00 por um picolé. Vozes que saíram das principais editoras do país se misturaram com a rouquidão das editoras menores e das independentes — todas degustando o mesmo picolé poético na calçada literária. Oxalá esse trago invada nossas calçadas nos próximos anos. Afinal de contas, São Paulo é uma fumaça que, se quiser, sabe subir ao céu sem apagar nenhuma estrela.

 

 

 

 

março, 2020