às cegas

 

 

ao seu lado

palavras ternas

caminho com o coração

entre as pernas

 

 

 

 

 

 

lição de anatomia

 

 

ensinei a você tudo o que sei

das mãos e seus dedos

na superfície mais lisa

deslizar a ponta das unhas no peito

 

como arrancar o coração

 

 

 

 

 

 

desperta

nas dores miúdas da noite

 

vaso quebrado

moído

 

espalho-me

em cacos de vidro

 

 

 

 

 

 

entrelinhas

 

 

desperto perturbada

o sonho perto demais

de uma boca

voraz

entre lábios

seios

escombros

 

 

 

 

 

 

aqui onde me encontro

sala repleta de quadros

teto e lustre tombam

 

uma escuridão

com estrelas penduradas

(mortas e belas)

 

o ardor de um beijo

impresso na gravura

beijo gravado na pedra

 

é papel ou porosa face

a que te espera na sala fria

onde tudo cresce e finda

 

aqui onde estou

a melhor cena de amor

é feita de tinta

 

 

 

 

 

 

só noite

 

 

um pássaro se debate

contra si mesmo

na janela

 

a terra cambaleia

ainda bêbada

na ressaca

 

noite que arrebenta

( tormenta )

em ondas quebradas

 

resta uma flor

no cansaço

que me traga

 

 

 

 

 

 

antes do salto

 

 

dor fina insistente

escorre

pelas paredes

antecede

o salto no ar

teme que cesse

antes

da queda

 

o estrondo

da vida

 

 

 

 

 

 

sylvia plath

 

 

na pele escura da noite

riscar a alegria

fósforo

na fátua palavra

meteoro

 

na áspera casca do dia

lixar as mãos e os dedos

na sala de visitas

despir a palavra

desterro

 

buscar no verso

abrupta palavra

inferno

sem cordas vocais

o último grito

abismo

 

tentativa de respiração:

furar com caneta bic

a glote

na sôfrega palavra

corte

 

ver a morte

a olho nu

agarrar a vida

que foge pelo gás

na noite fria

 

 

 

 

 

 

alfonsina storni

 

 

na noite constante

o álcool perde o lugar

 

em meus afogamentos

hei de beber o mar

 

 

 

 

 

 

catártica

 

 

descascar até o osso

sentir as falanges

em última instância

na jugular

apertar mais o pescoço

até sangrar

a língua

até que morra

à míngua

e se feche o ciclo

de tudo o que corrói

 

 

 

 

 

 

leitura de mãos

 

 

desafiar

linhas rompidas

cavar

 

plantar

sementes desconhecidas

em canteiros de coragem

 

colher

com luvas de aço

as flores carnívoras do destino

 

 

 

 

 

 

limite

 

 

não há areia macia

nenhum tapete de relva

na escolha da margem

conchas quebradas

cascalhos e pedras

 

no meio do breu

o sono é leve

olhos não se distraem

na cintilância

de estrela breve

 

o corpo que me prepara

que menos me fere

é aquele onde me deito:

firme cama de ferro

fino leito de pregos

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Thais Guimarães, mineira, nascida no Ceará, publicou Jogo de Cintura (poesia, Dubolso, 1983); Dez pretextos para uma noite de solidão (poesia, 1983); Bom dia, Ana Maria (Vigília, 1987, Prêmio Jabuti de Melhor Produção Editorial Infantil, 1988); Seis Poemas(plaquete, Poliedro, 2012); Notas de Viagem (plaquete, Coleção Leve um livro, 2015).