Vai, Corinthians!

 

 

— Vem ver o que eu comprei para nós, Claudyonor!

— Nossa, que pacotão! O que tem aí, Jandira?

— Um brinquedo novo. Você vai adorar. Sabe, amor, eu estava aqui pensando: a ciência avançou tanto, não é mesmo? Hoje vivemos em um mundo que nem o mais otimista dos nossos ancestrais poderia imaginar: fazemos viagens interplanetárias, descobrimos a cura das mais terríveis doenças, conseguimos viver com saúde por mais de 200 anos, usamos largamente a robótica e a inteligência artificial, acabamos com a fome no mundo, conseguimos reverter os danos causados ao meio ambiente, usamos quase a totalidade da capacidade cerebral, as guerras tornaram-se coisa do passado. Que maravilha! Temos um mundo quase perfeito, mas ainda não conseguimos resolver uma coisa: o tédio no casamento.

— É verdade. A gente tem sempre que procurar alguma novidade para a relação sobreviver.

— Por isso decidi comprar um robô sexual para nós.

— Que legal! Sabe que eu estava curioso para experimentar? Espero que tenha escolhido uma loura bem peituda e com bunda grande.

— Não, meu amor. Comprei um afrodescendente.

— Caramba, Jandira. Além de trazer um homem para casa, você escolheu um afrodescendente?

— Não vai me dizer que virou racista em pleno século LXXI?

— Não, imagina, só acho que poderia ser uma mulher. Os homens afrodescendentes possuem atributos que constrangem os menos afortunados, se é que você me entende.

— Entendo, sim, e não tenho nenhuma queixa quanto aos seus atributos, que, para mim, estão de bom tamanho. A questão é que já fizemos sexo a três com mais uma mulher em várias ocasiões e foi bem legal, mas nunca com outro homem porque você tem ciúme, esse sentimento tão arcaico. Por isso, resolvi comprar o robô. Tinha uma variedade incrível, reproduções de seres humanos de tudo quanto é jeito. Confesso que foi mais divertido do que comprar sapatos. No começo, fiquei indecisa com tantas opções, mas quando vi o Cidão, me encantei.

— Ele é bem bonito mesmo: alto, forte, bem servido.

— E precisa ver o que é capaz de fazer. Vamos experimentar?

— Agora? Não sei. Tinha pensado em assistir ao jogo de futebol, que começa logo mais. Hoje é a final do Campeonato Interplanetário entre Corinthians da Terra e Grêmio de Saturno. Corinthians com C porque você sabe que sou conservador nesse assunto. A última reforma ortográfica para unificar a língua portuguesa falada em diferentes planetas queria que virasse Korinthians. Vê se pode? É a mesma coisa que escrever ku para referir-se a cu. Perde a personalidade. Então, quero ver o meu timão meter várias no arrombado do Grêmio. Até já programei nosso super aparelho de TV com imagem em 15ª D. Além disso, estou um pouco ressabiado com essa história de trepar com robô. Preciso me acostumar com a ideia.

— Não precisa ter medo. Ele funciona com comando de voz. Só faz o que a gente manda. Quer ver? Me beija, Cidão.

— Nossa, que beijo caprichado. Parece aqueles que a gente dava no começo de namoro, não é, Jandira?

— Ele é super moderno. Tem umidade na boca que lembra saliva, o gosto é bom e o cheiro também. Quer sentir?

— Não, obrigado. Esta parte do beijo eu deixo só para você.

— Cidão, agora beije todo meu corpo.

— Nossa, Jandira, que língua enorme ele tem.

— E chupa que é uma beleza. Encara uma xota com destemor, quase devoção. Isso, Cidão, capricha. Ai, que delícia! Vai. Isso. Continua, Cidão. Assim, mais rápido. Um pouco mais forte. Ai, que coisa boa!

— E esse pauzão, vai encarar, Jandira?

— O pau dele é igual a um pau humano, no formato, textura e temperatura. Parece grande, mas se adapta a qualquer orifício. Gostoso demais. Junte-se a nós, Claudyonor.

— Quero olhar mais um pouco, Jandira. Você sabe que sou voyeur. Lembra como fiquei enlouquecido aquela vez que você e a Margarete transaram para eu ver? E depois nos embolamos os três? Todo mundo junto, misturado, gemendo e gozando, sem saber direito quem era quem... Nossa! Um absurdo de gostoso. Precisamos repetir a dose. Está me ouvindo, Jandira?

— Me fode gostoso, Cidão. Isso, assim que eu gosto.

– Nossa, Jandira, estou ficando com muito tesão, vendo esse negão, quero dizer, este afrodescendente, te comer. Que pegada que ele tem! Caramba, que borogodó! Nossa, nunca tinha pensado nesta posição. Jandira, você está virando os olhos. Está bem, querida?

— Aaaaaaaaaaaaaaaaaai! Isto, não para, não para, Cidão. De novo, aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai!

— Já gozou, Jandira? E duas vezes seguidas? Poxa, comigo você demora tanto.

— Ele caprichou nas preliminares, me deixou bem preparada.

— Jandira, fiquei com muito tesão. Vou até perder o começo do jogo. Quero te comer agora.

— Topa os três?

— Pode parecer ridículo, mas estou me sentindo um pouco enciumado. Este robô é mais bonito do que eu, fode que é uma beleza, não brocha nunca, faz você gozar intensamente...

— Que bobagem, Claudyonor. Ele é apenas uma máquina.

— Uma máquina de foder, mas parece gente. Olha só os cabelos, os pentelhos, os olhos, as unhas, tudo tão realista. Ele parece respirar, geme, solta fluidos que lembram suor e porra. E esse pauzão, então? Jandira, tô me sentindo diminuído perto do Cidão.

— Para com esse mimimi, Claudyonor. Relaxa, homem. Vem participar da brincadeira.

— Jandira, tive uma ideia: para me sentir mais poderoso, vou comer a bunda do Cidão.

— Se te apetece, manda ver. Eu vou pegar cerveja.

Goooooooooooooooool! O Corinthians da Terra vira o jogo e caminha para a vitória no Interplanetário Interclubes de 7017! O timão, que entrou no campo em desvantagem, está ganhando de virada! De virada!

— Caralho, Jandira, o que esse robô está fazendo?

– Sei lá, deve ter ouvido a transmissão do jogo e entendido errado o comando. Ou deu defeito. Bem que achei que estava barato demais. Mas também era promoção de Black Friday.

— Aí não, Cidão! Sai! Para com isso, seu filho da puta. Socorro, Jandira, manda ele parar! Desliga essa merda.

— Não estou conseguindo. Estão soltando artefatos voadores estridentes e gritando "Vai, Corinthians!" em todo o universo. O Cidão ficou confuso, se descontrolou, não consegue entender nossos comandos.

— Ô, Jandira, me ajuda. Está doendo. Você não vai contar isso que está acontecendo para ninguém, não é? Promete?

— Fica frio, Claudyonor. Aproveita a novidade porque acho que você vai ter que aguentar até o fim do jogo.

— Falta muito?

— Está no primeiro tempo.

— Jandira, pelo amor de Deus, faz alguma coisa.

Gooooooooooooooooooool do Corinthians! Outro gol sensacional! O timão segue rumo à vitória. A fiel torcida vai ao delírio.

— Claudyonor, acho que não tem jeito. Vou dizer algo que, juro, não é retaliação: relaxa, meu amor, e goza. E vai, Corinthians! Ah, quer saber? Vou me divertir com o Zezão.

— Zezão? Que Zezão?

— O outro robô. Aproveitei a promoção: "COMPRE UM E LEVE DOIS".

 

 

 

 

 

 

Safada senhora

 

 

Depois de dois casamentos e com as filhas criadas, decidiu viver sozinha na casa em que cultivava orquídeas e lembranças. Ali teria liberdade para receber seus "lanchinhos", como chamava os parceiros de sexo sem compromisso. Dissociar amor e sexo foi um longo processo. Agora, na maturidade, permitia-se ter prazer, mesmo sem envolvimento, com qualquer pessoa.

Mas os lanchinhos começaram a rarear. Um deles morreu, vítima de infarto fulminante. Bem que falou ao Nestor para dar um tempo nas picanhas e nos cigarros. Geraldo teve Alzheimer e em pouco tempo não sabia mais para que servia o pinto. Antonio enfrentava uma impotência atroz, que Viagra nenhum dava jeito, e não era muito habilidoso com língua e dedos. Carlos ainda fodia direitinho, mas tornou-se um daqueles velhos resmungões e reaças. Embora tivesse aprendido a separar amor e sexo, ainda não conseguia desligar a cabeça da xota. Até toparia transar com um cara ignorante, mas com reaça era exigir demais da professora aposentada, sempre mergulhada nos livros, pronta para uma conversa inteligente.

Considerava-se uma mulher bonita para os seus 60 e poucos anos, mas ainda assim tinha a impressão de que havia se tornado invisível. Notou que seus antigos admiradores agora dirigiam os olhares para suas filhas, com a beleza ainda intacta, sem as marcas do tempo. Se ao menos tivesse dinheiro para contratar de vez em quando um bom garoto de programa, desses que chupam o tempo que for preciso, trepam com vigor e satisfazem qualquer fantasia, mas a merreca que recebia de aposentadoria não permitia tais caprichos. A única satisfação possível passou a ser dada pelos brinquedinhos para adultos que comprava no sex-shop. O melhor investimento foi um vibrador em forma de borboleta que estimulava simultaneamente o clitóris, a vagina e o ânus. Ao usar o "Borboletão", como chamava essa verdadeira suruba compacta, gozava intensamente e bendizia ter um vasto repertório sexual, já que relembrava as experiências eróticas para impulsionar o prazer.

Mas faltava alguma coisa, quem sabe cheiros, olhos nos olhos, beijos bem dados, carinho e conversa, antes e depois.

Embora limitada, a vida seguia, até que tomou um tombo e durante a recuperação precisou da ajuda de uma cuidadora, já que as filhas moravam com os namorados, tinham seus empregos e não podiam dar-lhe atenção.

Naquela noite, fazia muito calor, quando Paula, a cuidadora, chegou.

— Dona Ana, tudo bem? Peguei um ônibus lotado, com gente suada e fedida, será que posso tomar um banho?

— Claro, querida. Tem toalha limpa no armário.

Pouco tempo depois, Paula se aproximou, o rosto bonito mesmo sem qualquer pintura, o cabelo molhado, o corpo recendendo ao perfume de flores do sabonete. Sentiu saudade de Suzi, a prima espevitada, com quem teve as primeiras experiências sexuais. Lembrou das duas, adolescentes, tomando banho juntas em uma noite de verão como essa. Suzi beijou sua boca. Ela retribuiu com entusiasmo. Ensaboaram-se e se tocaram, os dedos deslizando pelos corpos nus, seios eriçados, clitóris intumescidos. Suzi ajoelhada lambendo sua xota, o que provocou o primeiro e intenso orgasmo. Depois, a retribuição, gostando do gosto da outra. E, em seguida, as duas na cama, em uma relação que parecia não ter fim, corpos vibrando no mesmo ritmo.

— O que a senhora quer fazer hoje? — perguntou Paula, tirando Ana de suas lembranças.

— Olha, para falar a verdade, eu já estou com o saco cheio de fazer palavras cruzadas, ver televisão, jogar cartas. E se a gente fizesse amor?

A cuidadora pediu licença, foi para outro cômodo, e ligou para uma das filhas da senhora.

— Silmara, desculpe, mas não vou mais poder cuidar da sua mãe. Ela está dando sinais de demência e não tenho preparo para isso.

Silmara chegou pouco tempo depois, preocupadíssima.

Sem qualquer pudor, a mãe confirmou a proposta feita à cuidadora.

— Não estou doida não. E não precisa fazer drama. Apenas fiz um convite que ela poderia aceitar ou não, simples assim.

— Mas, mãe, na sua idade, ainda pensando em sexo?

— E tem coisa melhor para pensar?

 

 

 

 

 

 

Presta atenção, Juvenal

 

 

Juvenal, você bem sabe que quem manda nessa porra sou eu. Então, vou esparramar a bunda na poltrona e tomar conta do controle remoto da TV. Não quero nem um pio na hora que começar a novela. Trate de ir para a cozinha, preparar um tira-gosto e depois me traz com uma cerveja bem gelada. Senta no chão e faz massagem nos meus pés. Isso. Nem fraca demais, que dá cócegas, e nem forte demais, que machuque. Mais ou menos como você faz com a... você sabe.

Quando acabar a novela, me conte alguma coisa interessante. Nem pense em reclamar daquele seu chefe filho da puta e do trabalho que está atrasado. Fale sobre o último livro que você leu. Faça um comentário espirituoso sobre o noticiário do dia, mostre o quanto é bem informado. E me conte uma piada inteligente.

É hora de dançar para mim, Juvenal. Coloque em prática tudo o que você aprendeu naquele curso de dança sensual. Vá retirando a roupa sem pressa. Primeiro as meias. Nada mais ridículo do que um homem nu, de meias. Funk não, Juvenal. Quero putaria com refinamento. Isso, esse som é mais adequado.

Para tudo! Essa luz não está legal. Deixa meio na penumbra, de forma que eu mais imagine do que veja. Você sabe que mulher é assim, não sabe? A gente precisa fantasiar. Falando nisso, Juvenal, sabe que o sonho de toda mulher é transar simultaneamente com dois homens? Acho que chegou a hora da gente viver essa experiência.

Que bom que você concorda. Não, o Alfredo não, o cara tem mau hálito. O Roberto, sei lá, acho meio sem graça. Pensei no Tonhão, aquele afrodescendente ma-ra-vi-lho-so! Não se preocupe. Tudo será combinado antes para evitar invasões indevidas.

Por isso eu gosto de você, Juvenal. Não tem boca para nada. Na verdade, só para o que sabe fazer de melhor. Seja um bom menino e me deixe bem felizinha. Prometo aumentar o crédito do seu cartão para você se divertir no shopping. Se quiser, pode até colocar uma prótese no peitoral, se bem que pra mim está ótimo desse jeito.

Vem cá, Juvenal. Chupa bem gostoso. Isso, continua. Aaaaaaaaaai! Não vou retribuir porque, você sabe, tenho problema em fazer sexo oral. Agora coloca esse pau em mim. Isso, Juvenal. Mexe gostoso. Ai, que delícia! Mais rápido, Juvenal. Isso, continua. Não para, não para. Vou gozar. Aaaaaaaaaaaaaaaai!

Sai, Juvenal. Você não gozou? Que pena. Deve estar com algum problema hormonal. É bom procurar um médico.

Depois que trepo me dá muito sono. Amanhã a gente conversa. Boa noite, Juvenal.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Sonia Nabarrete. Paulista de São Caetano do Sul, é jornalista profissional e, atualmente, trabalha como freelancer na produção e revisão de textos. É autora da novela Eretos e de Contos Safadinhos, ambos publicados pela Alink Editora. Participou de várias antologias, de contos e poemas, no Brasil e em Portugal. Sua escrita é marcada pelo erotismo, sob um olhar feminino e feminista, e um toque de humor. Foi selecionada cinco vezes para a coletânea do Concurso de Microcontos do Salão de Humor de Piracicaba.