©reimund bertrams 
 
 
 
 
 
 
 

FILHO DA LUA

 

 

Vou me encher de drogas e poesia.

Vou raspar a cabeça

E mostrar um olhar de louco.

Serei fúria e dor.

Serei um homem de titânio em frente ao fogo.

Na dança da loucura

Serei o deus da anarquia.

Amassarei crânios com o meu tênis.

Terei cuidado com o chicote de pontas de prego do mundo.

Minhas costas terão marcas horríveis.

Serei chicoteado e não pedirei perdão,

Pois, estarei cheio de drogas e poesia.

No velho mundo

Deixarei marcas pra lembrarem

Da minha loucura.

Meus neurônios correrão numa estrada

Em forma de teia de aranha.

Lúcido, vou subir até o céu pela teia,

E, lá de cima, descerei como um tiro

De fuzil de volta à Terra.

Dormirei sob o holofote da lua

Encolhido por causa do frio.

E quando a morte me cobrir na geada,

Como um filho ausente,

Vão encontrar em minhas mãos

O meu último poema,

Retorcido pela força do punho.

Na sinuosidade da estrada sem asfalto

Dos meus erros e acertos.

 

 

 

 

 

 

SUCÇÃO

 

 

A morte vai a pé

O meu coração vai pulsando.

Sob a luz fraca da lâmpada

Levanto uma última barricada

E não caio.

Quanto vai valer a minha arte

Quando descobrirem que sou culpado

Na omissão em relação

Aos miseráveis?

Que a minha vaidade vale mais

Do que o moleque de pés descalços

E sem os dentinhos da frente?

Que já não estou mais nem aí

Se ele vai morrer

Ou vai viver?

Enquanto ainda me sobra algum coração,

(eu penso com minha cabeça maníaca)

Dá pra enganar a mim mesmo,

Acariciando o meu rosto,

Enquanto olho a indisposição

Sorver o sangue

Da grande bomba-hidráulica

Bem no meio do meu peito,

Junto à morte, que apaga as luzes

E me convida pra ir deitar

Em sua cama.

 

 

 

 

 

 

SOL, PÉS E PRANCHETA

 

 

Sinto meus pés flutuarem

E não quero rir

E nem chorar,

Apenas, acompanhar o toque

Leve de um piano

E destravar o sentimento

Do cadeado.

 

A música me leva ao encontro

De algo maior.

E as amarras do coração

Afrouxam-se

Pra que eu possa respirar

Mesmo afogado.

 

Quando os meus pés, finalmente, saírem do chão,

Não haverá nada que possa puxá-los pra baixo.

Nenhum fantasma sacana pra dar nó

No cadarço do meu tênis.

 

Os meus pés flutuam

Sinto o piano quebrar lá no fundo,

Caindo no meu abismo

De corpos distorcidos.

Caindo drasticamente

Como a pulsação de um velho.

 

Sinto meus pés fora do chão,

Enquanto cozinho a cabeça num sol escaldante

Que dobro e guardo no bolso

Pra que ele não incendeie meus pés,

Mas destrua tudo o que é miúdo

E escapa desesperadamente das minhas mãos.

 

 

 

 

 

 

PORCAS E PARAFUSOS

 

 

O mundo é como uma sala com mulheres nuas,

Peladas de alma e cheias de sexo.

E por que não comê-las?

Comer suas almas

Comer o seu sexo

Um cadáver ainda quente

É melhor do que uma punheta.

Nós estamos mortos?

Mas eu concebo a vida numa gozada

Certeira

Como uma bola de sinuca na caçapa.

É um vaivém louco

O meu coração parece estar numa rede balançando o meu coreto

Parece um louco espumando pela boca

A essência da sua fonte

Afogando essas criaturas gozadas

De ambiguidade fixada no coração

E pernas bonitas.

 

É um mundo estreito, úmido e escuro,

Que você mergulha fundo,

Indo e voltando, enterrando o sentimento

Em carnes quentes

Que fazem com que eu me despeça na rota do amor.

 

Por um tantinho de tempo

Somos um híbrido

Somos um todo em parte.

 

 

 

 

 

 

COISINHA

 

 

Ela anda por aí sem assinar promissórias de amor

Ela confessa seus pecados sem ter cometido nenhum

Ela abre corações com uma faca cega

E me faz virar um deus asteca

Que cospe fogo e enxofre.

Ela nunca morou na rua do amor

Ela preferiu me buscar no beco das ilusões perdidas

Onde homens dividem garrafas sujas

E pardais reclamam de cantos

Desafinados.

Ela anda por aí

Sem se preocupar com as sinfônicas de Mozart

Ouvindo Radio Head

E mascando chiclete.

Mascando meu passado e meu futuro

Naquela boca que nunca mais

Vou beijar.

 

 

 

 

 

 

DERRETENDO SOB O SOL DA DESILUSÃO

 

 

Pernas

E mais pernas

E peitos

E cabelos

E bundas

E o sol como um tigre selvagem

Devorando minhas sendas cerebrais

Como um picolé de abacaxi

Na boca da mulher mais bonita e suada

(Em minha imaginação sou um tigre devorando calcinhas e recordações)

 

Meu rosto é fogo em brasa

De tapas metafísicos direcionados ao coração

O chão

Inferno vermelho

Sem disciplina

Sem compaixão

Só os malditos 36 graus à sombra

E a desilusão do sol queimando

A poesia

As coisas estáticas

Deslumbramentos

E falta de emoção.

Imagino pernas suadas

As tatuagens derretendo até a entrada

Do túnel da "felicidade"

A negligência do dia

E da língua

Do amo

Do engate

No arremate

No ato inescrupuloso

De deixar passar mais

Uma perna

Mais uma nuance

Feminina

No inferno de 36 graus à sombra.

 

A melancolia nem é a umidade insípida

Que passa por meus olhos

Nem é o castigo de ver as mãos coladas dos casais

Na alameda do inferno de 36 graus.

 

É a frieza dos olhares ao invisível poeta

Virando suco de asfalto

No iceberg inóspito

Da poesia

Que não jorra

 

Pinga.

 

 

 

 

 

 

NUVENS NO HORIZONTE PARECEM SONHOS DE CRIANÇA

 

 

A solidão é um estágio de aperfeiçoamento.
Às vezes, e é sempre bom lembrar, que o solitário,
Por mais convincente que ele possa ser,
Sempre será um solitário.
Não é possível disfarçar as cicatrizes
Diante do espelho.
A voz do solitário é a última a ser ouvida, porém,
É a voz que a Terra quer ouvir
Mas é a voz
Que os homens querem calar.
O solitário sente-se o pior dos parasitas.
Sente-se um operário construtor de túneis
Entre carnes em decomposição.
O solitário quer deteriorar do coração 
Toda a raiva acumulada.
Jogar fora todos os medos que habitam 
Os quartos sujos da vida.
Ele quer desmantelar a máquina do tempo
Sem sentir nenhuma espécie de culpa.
Ele quer encarar a vida como um romance
Que ainda será escrito, fazendo da caneta
Ou o diabo, que seja um formão pra lapidar
A própria língua; fazendo de toda a musculatura,
Sangue e ossos, um escudo contra o caminho árduo
Sem ser ao mesmo tempo Jesus na via-crúcis
Ou um louco vivendo de pão, banana e circo.
Pois o mundo, esse, a quem sempre o solitário terá 
De enfrentar, apagará as luzes, dilacerando finalmente o cordão-umbilical
Que o une ao resto do mundo.
Deixando livre um nascimento proscrito.
Que terá que aprender a crescer entre
O céu e o inferno.

 

 

 

 

 

 

QUANDO

 

 

Quando minhas pernas fraquejarem 
E a alma ficar tão pesada
Como roupas molhadas pela chuva
Cuide de mim
Não deixe o tombo rir do meu estrondo surdo
Quando o grande meteoro bater na crosta terrestre
Cuide de mim
Antes da primeira onda gigante chegar à praia
Com nós dois deitados na areia contando estrelas do mar
Quando tudo parecer ter terminado como uma longa obra escrita
Com tinta e sangue
Comece comigo
Quando tudo parecer tão novo que seja capaz de enganar nossos olhos
Vamos voltar ao antigo
Quando tudo que houver de bom cessar seu som nas prisões da ignorância
Cantemos músicas alegres e dancemos como puro espírito
Não soneguemos a canção e a dor
Que ninguém vive sem cantar e sentir dor
Nos esvaziemos
De nós mesmos
E nos juntemos
Em partículas de nada
A troco de tudo que seja bom
E volte à sua forma de origem
Quando os portões da vida quiserem fechar suas grades de aço
Em nossa carne frágil
Os Arrombemos com toda a nossa força
Destrinchemos a incompreensão
O eco das vozes que vem lá do fundo 
Mais tenebroso de nossas personalidades sombrias
Façamos o favor de fertilizar o milagre da compreensão mútua
Para torná-lo um radar sentinela para o mundo
Pois quando fecharmos nossos olhos
Tudo será tardio demais
Até mesmo para dizer um simples:
"Eu te amo".

 

 

 

 

 

 

REFLEXÃO SOBRE A DISTÂNCIA E A TOTAL AUSÊNCIA DELA

 

 

Escrever um poema,

Às vezes, demora alguns dias

Às vezes, semanas,

Até mesmo meses

E, exagerando um pouco,

Pode levar até mesmo alguns anos.

 

E o amor?

Me perguntaram

Esse, você jamais pode analisar por meio do tempo

O amor é uma coisa muito complexa

Para ficar respaldado pelo tempo

Pois até mesmo a existência do tempo é duvidosa

Sobre o amor, nunca há dúvida,

Há, sim, sobre a posse,

O ciúme

As brigas

E a vaidade.

 

Na poesia existe tudo isso

Como prosa que prova

O arremate de um lirismo

Dominado pelo humanismo dos deuses

E a nomenclatura muda

Dos que nos catalogam

Numa torre do Tombo.

 

O amor é tão poderoso

Que afina o assovio frio do tempo

Lapidando a nossa vida

Que não serve de modelo para o Classicismo

Nosso de cada dia.

 

O amor poetiza

O tempo é quem nos dobra

Mesmo sendo

Prosa.

 

 

 

 

 

 

O CAMPO FERIDO SANGRA NAS MÃOS DE UM MORTO

 

 

Vejo o campo.

O centro da cidade está destruído.

Atrás de mim

Há os escombros

Palhaços com machados ensanguentados

E uma sombra pronta pra fazer

Correr meus instintos

Como carros envenenados.

Quase dobro os joelhos.

Sentindo um peso sobre os ombros

E uma aglomeração cíclica

De mim mesmo.

Castelos se erguem e viram cacos.

Não podem ficar em pé

Por causa da tempestade.

O campo está vazio.

O campo está perdido em meio à cratera

Os corpos e o fuzil.

Se não há mais castelos de areia

Pra onde vamos seguir?

No seguimento da morte

Não há mais nada que fique em pé.

Como vamos equilibrar as pernas

Pra não conhecer o chão?

O descuido é a síntese da infância.

Meus sentidos em desordem

Encontram um caminho mais curto,

Sem curvas fora do ritmo.

O campo ferido sangra nas mãos de um morto.

Sua prece é baixinha, não prolonga o sofrimento.

O campo é um mundo perdido

Entre o concreto e o mosquito.

 

 

 

 

 

 

O SENTIMENTO ATRÁS DO VÉU

 

 

De tempos em tempos

A bondade atinge

Meu coração.

Catapulta a maldade com pontapés

Preparando-me para viver.

Se eu divulgasse o tamanho do câncer,

A doença me mataria.

Se eu chorasse,

Ela não teria pressa alguma

Em transformar as lágrimas

Em violentos socos na minha cara.

Quebro o crânio do animal descontrolado

E faço suturas pra me sentir

Um pouco menos culpado.

No horizonte verei o corpo pendurado em uma árvore.

Passarei bem longe dele.

Afrouxarei um pouco o laço

Sem olhar pro cadáver.

Sentirei um sopro no coração,

E a sentença será bem mais branda

Quando eu esquecer que o tempo de hospedagem

Da bondade corre dentro de uma ampulheta

E tem a velocidade controlada

Por um cão de guarda.

 

 

 

 

 

 

TRANSMISSÃO

 

 

Quando o amor dela invade a couraça dele

Impenetrável

O mundo em sua silhueta negra

Se colore como a primeira visão

Do cego ao ver a luz

No esplendor do dia.

 

De repente

Sente

Que nada pode ser impossível

A impossibilidade se ajoelha

Diante do poder de uma carícia

E a guerra

Antes

Um mote

Para tudo que não fosse amor

Morre

Mesmo a transmissão

Ainda estando viva.

 

De uma carícia

A fenda da compreensão

Cresce,

Já a mágoa, vai se dissipando feito fumaça

Do cigarro que já não está mais na boca

Mas na sarjeta suja

Que antes vivia

Náufraga de si mesma.

 

Graças a ela

Agora a transmissão não navega mais

Em águas turvas

O Capitão de portos mortos

É um cadáver

Só na literatura

Pois na vida

Numa nave

Voa

Flutua.

 

 

 

 

 

 

ESTRANHO ADEUS COM RETORNO BREVE

 

 

Todos os pecados estão lá fora,

No jardim...

Querendo comprar novas cobaias

Para entrarem pelo buraco

Do nariz.

 

Eles estão lá fora,

Pisoteando o chão com força

Pra convocarem uma chuva que alague

Todas as ideias sadias que irão

Brotar no cérebro.

 

 

Eles abriram portas nas cabeças alheias

Pra depositarem vários litros

De enganação entre os neurônios confusos

Que se afogam e pedem socorro.

 

Olho pela janela da minha casa

E vejo uma figura sombria segurando um bastão

Nas mãos...

Olhando pra mim por cima do muro

Que separa um quintal do outro,

Revelando seu olhar viciado e de desejo.

 

Ele salta o muro e vem até a janela.

Lambe o vidro com delicadeza,

Depois, salta sobre o telhado.

Ouço os seus passos no telhado

Como uma metralhadora demente.

Ele arrebenta o teto e fica em pé, no centro

Da minha sala, me encara e diz: "Eu sou o terror"

Todos os pecados estão lá fora,

No jardim...

Não consigo escapar da falta de luz.

Minhas lágrimas lavam os buracos do chão:

"Eu sou o nada", respondo.

 

Enquanto garras destrincham minha pele,

Minha carne, minhas neuroses, meus músculos,

Deito a cabeça no ombro do matador

E não sinto ódio.

Sinto o silêncio em meio ao som

De cortes e mastigações.

Deixo minha alma saltar de dentro do corpo,

Voando sem velocidade certa,

Olhando o corpo ser devorado pedaço a pedaço

E pensando: "Isso não é nada... Não é nada não..."

 

 

 

 

 

 

NÃO ESCREVA

 

 

Rimbaud diria para qu'eu desistisse
Que fosse para a Abissínia jogar flores 
Na fenda da mistura do sol com o mar
Levando algumas armas que não fossem
Apenas versos inúteis

Baudelaire, chapado, diria que as flores,

Apenas serviriam para enfeitar a minha lápide
E o melhor seria abrir uma garrafa de vinho
E beber todo o âmago que a tristeza pudesse
Destilar

Lovecraft não diria nada
Estaria ocupado tirando micro-organismos e

Pústulas dos tentáculos de alguma imersão
Sombria entre o cerebelo e as sinapses
Explosivas do terror

Bukowski mandaria uma carta de San Diego
Indicando um subemprego num franquia

De fast-food para estrangeiros ilegais
Que recebem 4,25 $ por hora trabalhada

Mirisola diria que a poesia tem de acabar
Abraçada ao futebol moderno
E decretaria a prisão perpétua
Aos que se atrevessem a colocar catchup
Numa bela pizza napolitana

Não escreva
Dizem os poetas
Arrume um emprego e uma bela mulher
Limpo o chão com linóleo
E vejo o reflexo de seu rosto 
Como um espelho sem vaidades
Com o pé no chão
Corte essas malditas asas
É muito perigoso aprender a voar.

 

 

 

 

 

 

 

MOELAS

 

 

Já estiveram vivas
Ligadas à vida e a outros órgãos
Agora, mortas, cozidas com alho, cebola e ervas finas,
Não são mais nada, a não ser, o desjejum
De alguém de tem fome de muitas coisas
Além da satisfação estomacal

Come-se de tudo
Mesmo não sentindo pena de tantas galinhas
Mortas para produzir uma pequena porção
De prazer gastronômico e solitário

A tarde já desanda no mundo
Com o sol irradiando energia nuclear suficiente
Para nos cozinhar como moelas num prato

Somos as cobaias de nossa indiferença
Inertes de sentimentos e piedade
Nos mutamos em criaturas canibais
Que comem toda a matéria
Mas sempre rejeitando
O fluxo e a seiva do coração.

 

 

 

 

 

 

AS GAIVOTAS SEM MAR

 

 

Não há a maldade das gaivotas
Num norte chuvoso e frio
Há, somente, um redemoinho enrolando 
Os cabelos de medusa 
Com pensamentos envenenados
Tentando uma morte por sufocamento

As caixas de correio se transformaram
Em cemitérios de notícias esperadas
Sonhos que ficaram no bico das gaivotas

Inexistentes num lugar perdido
Sem som de asas sobre os telhados
Sem vida

As lágrimas do céu
São da chuva das gaivotas
Do choro incólume vertendo a incapacidade
De uma comunicação verbal
Para quem, de qualquer forma, não ouviria nada.

Eu sou o seu anjo exterminador
Em bando, voam para longe, 
Tanto para a falta de ondas e amor
Como para quem procura a morte
E tem, apenas, como consolo
A maldição de continuar a viver.

 

 

 

 

 

 

LINHA 152

 

 

Poema
A maquinaria infernal do mundo
Vista pela janela

Do concreto colorido
O íntimo se faz presente
Em passos desapercebidos

Se ela soubesse que carrego aqui dentro do peito
Uma bomba de letras e frases 
Capaz de derrubar edifícios
Talvez olhasse para a direção do ônibus
Sentiria os enlaces de um olhar furtivo
Devastado pela beleza de seus passos

A vida é um corte cinematográfico
Depois de engatada a marcha
O ônibus segue
Ela some
E tudo volta a ser um "The End"
Com sabor de adolescência e sessão da tarde.

 

 

 

 

 

 

LEMBRAR

 

 

O amor
É uma sombra da realidade do que poderia ter sido verdade

Mas tenho de confessar
Que todas as vezes que o meu coração bateu por amor
Foi como um bumbo fúnebre
Contando segundos de um relógio de pulso
Que tive e não o tenho mais

Incondicional e honesto,
Às vezes, a memória me trai como uma puta sincera,
Me constrange e me glorifica, ao mesmo tempo,
Enfeitiçado pela imagem, que agora, é fumaça
Dentro da cabeça

Eu penso no amor como um colírio
Que suaviza a vermelhidão dos olhos
Transparecendo histórias tristes 
para ouvir junto com um tango argentino

Ao lembrar
O amor foi muito mais ficção
Do que propriamente tudo aquilo que deveria 
Ter sido
Ao lembrar
Eu prefiro esquecer.

 

 

 

 

 

 

VALE A PENA

 

 

Todas as vinte e seis horas que passei dentro de ônibus

Pulando de um para o outro

Valeram a pena

Toda a espera por um toque em teus lábios

Numa rodoviária cheia de falta de beijos

E de rostos tristes e anônimos

Valeu a pena

Todos os cheeseburgers duplos que comi

Todos os morros e montes e rios

Que meus olhos viram

Valeram a pena

Toda a carga emocional e romântica contida numa letra "A"

Pendurada por um cordão em seu pescoço

Valeu a pena

Todas as amizades conquistadas em terreno estranho

As visões do futuro

E até mesmo os pesadelos na madrugada

Valeram a pena

A simetria dos corpos no quarto apertado

Os arranhões e mordidas da gatinha Lua

Valeram a pena

Os longos passeios nas vielas

As mãos entrelaçadas no cinema

O Muriaé correndo em silêncio perpétuo

Valeram a pena

Tudo vale a pena, sim, mesmo com a alma pequena

E o coração apertado

Como o nó na corda de um enforcado

Como esse sentimento que carrego no peito

Maior do que ambos

Maior do que o mundo.

 

 

setembro, 2019

 

 

Nelson Alexandre (Maringá/PR). É autor de Paridos e Rejeitados (Contos, 2012) e Poemas para quem não me quer (Poesia, 2013). Faz parte da antologia 101 Poetas Paranaenses, publicada pela Biblioteca Pública do Paraná em 2014 (org. Ademir Demarchi). Seus textos foram publicados nas revistas Literacia, Outras Palavras, Pluriversos, Flores do Mal, Diversos Afins, e nos jornais O Diário de Maringá, O Duque e Rascunho. É graduado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá.

 

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