©thomas ulrich
 
 
 
 
 
 
 

ATO I – EM MEU PRÓPRIO PAÍS

 

 

ejaculo dor

que a paz é um delírio...

/

 

 

costuro abelhas

no alto do edifício Copan

o favo de mel

mais tupiniquim da urbe

colho a tolerância

e o respeito à diversidade

esse doce caldo

do acolher e compartilhar

tão ausente

de uma Amazônia em chamas!

 

 

 

 

 

 

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morre alguém

sim! todos os dias na rua onde moro

morre alguém

ninguém sabe ou vê

(muitas vezes

até o cadáver desaparece)

se alguém morre

na Califórnia ou Nova Iorque

será notícia

se deu no York Times

é media show universal no meu país!

sim! dia sim e outro também

morre pobre e ativista e índio no meu país

ninguém sabe ou vê

(muitas vezes

até o cadáver desaparece)

ah! mas se morre alguém

no Texas ou em Ohio...

não há cadáver desaparecido na terra

rio Amazonas e afluentes se não deu no York Times!

 

 

 

 

 

 

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a arritmia

pelo cálice vazio sobre a mesa

a fibrilação

pelo cale-se entalado na garganta

o choque

a restaurar o ritmo — mas não a paz

 

 

 

 

 

 

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esgotar o cálice

até a última gota de vinho

esgotar o cale-se

até a última gota de sangue

até quando

no calvário a mudez humana

a gritar um vento estéril

de justiça?

 

 

 

 

 

 

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e a nave singra

sangra dores profundas nunca antes navegadas

diante da quase insânia da menina amada

que adentra a tempestade onde previsível naufrágio os aguarda

fosse a cegueira só do comando e do séquito com frágeis promessas...

mas há anjos no porão no aguardo de uma luz guia

de um farol na direção de terra firme

mas cuidado! que o comando pense na direção das velas

que a névoa pode encobrir a razão...

 

 

 

 

 

 

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fui palafita

engolida pelo mangue

: eu e toda a família

que me habitava

sob pedras

no aguardo do retorno

: fria-muda-perversa

a mãe-Terra abre-se ao que lhe pertence

 

 

 

 

 

 

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hoje acordei pássaro

saído de nuvens noctâmbulas

ficaram para trás os adereços

as ruas e as estradas equivocadas

os destinos de uma massa atordoada

vou estar com meus semelhantes

: voar é o mais puro ato de liberdade!

(deixo a terra incendiada nas mãos dos gregos e dos troianos...

e da ajuda do exército brasileiro)

 

 

 

 

 

ENTREATOS

 

 

não há mamilos na rocha

torço a sombra até obter a dor

vazia de impurezas sonoras

é quando a romã ejacula

o sumo adocicado das vulvas

a inundar os lábios em gozo

como se houvesse mamilos

e minassem gemidos, as rochas

 

 

 

 

 

 

ATO II – EM VIAGEM

 

 

O Chile canta a liberdade

: maldigo ministros e predicando, tranquilo queda mi coração...

V Parra

 

10h. Quente em Santiago do Chile. Aparente silêncio. Governo promete medidas com único objetivo de esfriar os ânimos, não vejo consistência nas propostas. Primeira dama assustada com possibilidade de perder privilégios. Vamos dar uma volta, talvez ler algo, sentados em algum banco, em uma das praças sempre bem cuidadas que a cidade oferece. Ver o povo tomar corpo lentamente, ocupar o espaço que lhes pertence, mas só até as 20h; depois o Chile pertence à realeza e aos empresários, a orgíaca sinfonia de noctâmbula violência. Na manhã haverá outros mortos para a estatística, a primeira dama acordará de ressaca enquanto o presidente escova os dentes.

os piores abalos sísmicos

são os provocados pelos homens

as piores lavas vulcânicas

são as expelidas pelos homens

não é a natureza ou a seca

que coloca o povo na rua e mata

jovens que esperançam

é a ganância e o jogo perverso

de palavras falsas

que lançam água e gás pimenta

atiram com balas de borracha

e no anoitecer e madrugada

matam com violência e balas metálicas

em posição de execução

o sangue beijando o solo Chileno

jovens que já não passam

os piores abalos e erupções

ocorrem quando pássaros dormem

no silêncio cúmplice do valor do cobre

nas bolsas de valores

ou da chinesa que sussurra aos pares

que é a hora e a vez de Santiago

 

 

 

 

 

 

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linha 1 metrô funcionando

habilitan Pedro de Valdivia

povo a caminho do trabalho

Santiago segue lento

apertaram botão emergência

o sol ilumina a cidade

palácio de La Moneda

insiste no enfrentamento

15 personas muertas no país

De Pablo Neruda e Mistral

: No te impidas ser feliz!

 

 

 

 

 

 

/

 

 

estou no escuro teclando i-phone

fora ruído de carros em velocidade

alternado com silêncio sem sirenes

falta coragem para abrir a janela

e olhar a cordilheira frio leve

estou de cueca e sem camisa

no escuro teclando a incerteza

 

 

 

 

 

 

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não abro a janela

nem açoito o frio

ouço motores na rua

e um silêncio nos entres

há traços sonoros

fragmentos sem fala

sonhei com baratas

milhares delas

aquarteladas no armário

e música clássica no teatro

o bigode de Dali foi ontem

a casa de Neruda sonho

o aeroporto e Valparaiso

realidades inatingíveis

no hotel aquartelado

sou a barata à espera

atravessar a cordilheira

e ver tudo se repetir

que a América Latina é isso

o bigode de Salvador Dali

 

 

 

 

 

 

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não elitize

com óculos escuros e coturnos

o poema

não utilize

do uniforme para travestir

a palavra

que as armas exalem haikais

e não gás pimenta

que a água a escorrer da cordilheira

não seja contaminada

pelo vermelho das execuções sumárias

de jovens que esperançam

e presentificam um futuro com equidade

não! não à barbárie

que a tropa em silêncio pratica

nas estações do metrô de Santiago do Chile

 

 

 

dezembro, 2019

 

 

Carlos Pessoa Rosa escritor de palafitas e orgias mediúnicas, já em fase final de vida, em um país pouco afeito à leitura que não seja de moda ou receita de bolo, portanto, mais louco que o autor é quem o publica, indo aqui meu agradecimento pelo acolhimento das editoras. Falar do que escrevi, publiquei ou publicaram, seria tão inútil quanto descrever a anatomia de uma anêmona do mar, mas é só apelar ao Google.

 

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