Vermelho

 

 

I

 

Pincelei seus olhos

Pelo meu corpo

Decalque na pele

Pontas da mesma estrela

Na extensão da madrugada

 

 

II

 

Dentro de mim

Vermelho de algas

Alguma sede

Invertebrada

Água – Viva

Água – Linfa

Sais

Seios

Línguas

 

 

 

 

 

 

Até o osso

 

 

I

 

Suturas em linhas

Que se esgarçam

Ou apenas

Sínteses

E antíteses

Da existência

 

 

II

 

Tensão estirada

Sobre cactos

Centenas

De espinhos

Contra o corpo

Abrem a vida

Até o osso

 

 

III

 

Galho ereto

Corte de folha

Afiada

Perfume

Que escapa

Arpejo

De violetas

Terminais

 

 

IV

 

Bigornam

Os ouvidos

Vão-se

Os pássaros

De chumbo

 

 

 

 

 

 

Na pele da manhã

 

 

A noite exala seu hálito de lírios

Deitada sobre o linho

Todos os sentidos me despem

Lateja em flashes

O nervo exposto

Palimpsesto de esperas

Um furor negro me atravessa

Todas as vísceras me movem

A noite é um grito de êxtase

E distâncias

Iridescência de todas as febres

Dissolvidas na pele

Da manhã

 

 

 

 

 

 

Plural

 

 

I

 

O que nervura na minha garganta

O que canta

São vozes de veludo

Disfarçadas

Colar trançado

De conchas

 

 

II

 

Asfixia

Falas de lâmina

 

 

III

 

No sibilar macio

Dos lábios

Acervo da boca

Lágrimas–lâmina

 

 

IV

 

Não nego o porte atávico

Dourado

Nem a pele de abismos

Quem me vê só de um lado

Não sabe de mim

Quantas faces

 

 

 

 

 

 

Alforria

 

 

Desfiz-me de tudo

O que não era eu

(contra todos os nervos)

Para além do corpo

Ardendo dentro

O útero

Resiste

 

 

 

 

 

 

Binarius

 

 

O cenário distende

Espartilho

E sapatilhas

Seios descalços

Esgarçam transparências

(como bacantes em êxtase,

instilando anêmonas)

Há um tempo em que

Se dissipam purpurinas

Sideram-se cisnes

Desfia-se

Em lâminas de sangue

Binário

Este exercício

De dança

 

 

 

 

 

 

Abissal

 

 

Febre intermitente

Escarpas

E escapulários

Noite líquida

Com pernas

E rotas

Desnudam-se

Bojos

Revelam-se

Criptas

Peixe

Abissíntico

Oscilando

Entre

Ostras

E ósculos

 

 

 

 

 

 

Vereda

 

 

Talvez a noite

Aquela de silêncios

Antigos

Tenha se feito

Nítida

Brilho de lua

Pregueando os olhos

Abandono de folhas

E asas rasgadas

Exílio

Vestígios de névoas

Outro tempo

Outro vento

Soprado pelos

poros

 

 

 

 

 

Por pensar em Manoel de Barros

 

 

Ponho a cabeça nas nuvens

E escuto a chuva escorrendo

Dos olhos

Rios que me atravessam

A garganta

E deixo fluir

Um caracol se enrola

Sobre as folhas

E o dia envelhece

O resto é namorar as águas

E peneirar desperdícios

Encantador de ofício

Armar palavras

E apanhar

Passarinhos

 

 

 

 

 

 

Pária

 

I

 

Pequeno é o país

Onde não se pode

Gritar

Sujos são os farrapos

Das mordaças

Andarilha atônita

Escuto teus

Silêncios

 

 

II

 

Pequeno país

Onde não

Se escutam

Os gritos

Há ventríloquos

Proclamados

Deuses

Dogmas

E demônios

 

 

III

 

Sucumbiremos

Aos ataques

Dos zumbis

Imbecilizados

Pelo veneno

Midiático?

 

 

IV

 

Pária

De musculatura

Armada

Temos legados

Atravessados

Na garganta

E punhos

Cada vez

Mais fechados

 

 

V

 

Antigo este

Obscurantismo

Este peso

Secular

Beira de abismo

Aqui te condeno

No escuro consentido

Um pássaro

Entre escombros

Agoniza

 

 

 

 

 

 

Cíclico

 

 

Aprender da noite

A brevidade do sol

Sede da lua

"O tempo é líquido"

Cala os timbres

Embota os tímpanos

"O tempo é líquido"

Dispersa as cores

Do espelho

Movimento de águas rasas

À espreita de outra

Solidão

 

 

 

 

 

 

Código de barras

 

 

As loucuras

São súbitas

E largas

Não cabem na pauta

Ferem

Indiferentes

Riso de faca

Na língua

Lábios finos

Dos que têm

Fatalidades

Como talento

Proliferam

Todos os tipos

De parasitas

Estreantes

Abutres

E aprendizes

À sombra

De um passado

Trombeteiam

Imbecilidades

Na antessala

Do Mal

Carregam

As noites

Em porões

Úmidos

Ostentam

Um gozo

Anunciado

Entre vaginas

E ratos

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Maria Marta Nardi (Marília/SP, 1959). Cursou Letras na Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCC e na Universidade de Marília - Unimar. Publicou poemas no Livro da Tribo (edições 2018 e 2019), no The São Paulo Times, de Marcelo Adifa e na revista Literalivre, em 2017. Seu último trabalho literário foi a plaquete de haikais Sobre o caule de água, da Editora Leonella, em 2019. Reside em Campo Grande/MS. Instagram: @maria_marta_nardi