HAIKAI

 

 

ó velho Leminski

o meu coração salt' tomba

saudade, saudade

 

 

 

 

 

 

DEITEI MINHA LIRA

 

 

Deitei minha lira

liquefeita

nas águas da memória

desfeita

toda glória agora

história

 

 

 

 

 

 

TRILHA PERDIDA

 

 

Trilha perdida

numa floresta

de sentimentos

 

no fim desta picada

leva o seu afeto

 

leva minha lábia

toda palavra pedida

 

cai na frase exata

medida com ou sem

o seu consentimento

 

sai paráfrase transe

poema coisa estranha

 

que se desentranha

do meu pensamento

 

 

 

 

 

 

BALADA ANTIGA

 

 

Era uma balada antiga

perdida na noite dos tempos

confusa em pensamentos

levada pelos ventos

e nunca mais.

 

E íamos valsando a noite

como esses bêbados trôpegos

a caminho de casa

girando a escuridão

girando de mãos dadas

com a solidão...

 

 

 

 

 

 

FÓSFOROS

 

 

Em tuas mãos

quando vem a luz

eu perco a cabeça

 

 

 

 

 

 

UM DIA DAQUELAS VITÓRIAS

 

 

Um dia daquelas vitórias

qualquer dia

desses que na memória

sempre se adia

 

daquelas pequenas coisas

supremas

embora infinitamente

pequenas

 

vencerei no mínimo

e ainda

contrario a toda noite

o dia finda

 

te sonharei feliz e só

entre

as trevas e o travesseiro

macio

 

um dia de sol e flores

num quadro

desses que na galeria

se eterniza

 

daqueles pequenos sonhos

suspensos

embora infinitamente

breves

 

a vitória do máximo

do mínimo

conforme toda sorte

de eternidade

 

e acordarei feliz e

só você

para me iluminar

o vazio

 

 

 

 

 

 

ÁGUA DE BATERIA

 

 

Corroendo a frase solta e frouxa

deposita uma alva flor de pó

crosta de alegria transbordada

 

o choque preguiçoso nos contatos

a ignição nos neurônios e o

doce salobre da água ionizada

 

em números líquidos pensamentos

fluem entre os polos ciranda

de energia e

liga-se o dia!

 

 

 

 

 

 

DESCARNAVAL

 

 

Descarnar até o osso

essa preguiça

de minha cabeça

de vento

vendaval

 

desfilar passes

de mágica

cair no samba

do vazio da casa

des

cansar a musa

surreal

 

cair no

assombódromo

de quase sonho

ahhh! o estandarte

da escuridão!

 

e dormir de delirar

curtir e cutucar

navegar e devagar

divagar até

no val de

cinzas

 

descarnaval

 

 

 

 

 

 

ESSA MUSA

 

 

                                   A Josely Vianna Baptista

 

 

Essa musa, paradisíaca,

faz poemas alucinados

qual gênio enxadrista

dando xeques metafísicos

na aurora e no crepúsculo

rajadas de tempestade

 

 

 

 

 

 

GOSTAM DE FALAR DESTA CIDADE

 

 

Gostam de falar desta cidade

do falo desta cidade

de seus buracos e catástrofes

 

gosto de penetrá-la

noite adentro e lá bem fundo

me perdendo

 

descobrir o que era antes

uma incerteza do que

agora me transcende

 

o gosto ácido em chuva

de tempestades

eletromagnéticas

 

adoçando a boca dos descontentes

slogans mil a cada esquina

o sabor do asfalto

 

gosto de nuvens de

números mar de

automóveis falácias

 

desgastadas delicias

poluídas tardes quentes

rios de dejetos e déjà vus

 

dilúvio de sensações

inacabadas rodando

a cada esquina espreita

 

esta fala que se agoniza

no que falo e no que

falta agora esquiva

 

esta cidade que cito

de passagem e no cio

recito e pare este poema

 

das paredes multicoloridas

e banhadas em ódio e

rancor caiadas e cinzas

 

 

 

 

 

 

NEM TUDO QUE DIZ O POETA

 

 

Nem tudo que diz o poeta

é verdade

apenas os que sabem ouvir

a reconhecem

 

nem tudo que diz o punhal

é verdade

só aqueles que sabem sangrar

a reconhecem

 

e de verdade aqui

este transe

que só aqueles que me

leem saibam

 

onde nem tudo é verdade

algum lugar

desaparece nesta tarde

irreconhecível

 

 

 

 

 

 

HAIKAI

 

 

carnaval no jardim

canta um grilo

para mim

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Elson Fróes, paulistano, graduado em Letras pela PUC-SP, é poeta, tradutor e webmaster do portal Pop Box, autor de Poemas Diversos (Lumme, 2008), Viajo com os olhos (Urutau, 2018, poemas visuais) e Brinquedos Quebrados (Patuá, 2019). Participou de exposições de poesia visual no Brasil e no exterior. Curador de três edições da mostra "Videopoéticas" de vídeo poesia no CCSP, entre 2011 e 2014.