©seven four
 

 

 

 
 

 

 

 

BOYFRIEND

 

 

carinho,

me resgatou do buraco, das barras, das putas mágoas de bêbado apaixonado — sou um bruxo antes dos trinta & não te absolvo por me abandonar antes do segundo beijo, como se eu fosse uma cadela esfomeada, doida por pau, segredo & literatura.

penso nos trópicos, na meia dúzia de bananas: um pingo de sensibilidade longe da tua zona de conforto — olhar de pantera mascarado por fluxos de escuridão, quando dei adeus às sleeping pills & enchi a cara numa compensação difícil.

nem porra, nem puta — você criou asas enquanto eu despencava do meu próprio andar de um metro & oitenta, então resolvi escrever um livro sobre a pós-modernidade que oprime, deprime & que não manda flores no dia seguinte.

amei você quando não havia sol ou pudor.

espinhos, cristais escondidos, falésias: coração comparado às andorinhas da paixão universal.

mantive os diários sob o poder das gavetas. mutilação das linhas de expressão quando sonhei com o ator pornô húngaro a me livrar da frigidez numa cama chinfrim de motel pago com o limite do meu cartão de crédito.

escolhemos a suíte pole dance com hidro & demarquei cada centímetro com a língua, olhos, nádegas em profusão — depois fui embora com um sorriso de viúva alegre estampado nas fuças.

o lado b do amor tão obscuro, vendendo meu próprio peixe para que você me ame, ou na pior das hipóteses, desmembrar as vértebras do meu prazer em ambientes dominados por cães na sarjeta & dignidade na estratosfera.

mas pago o preço, encaro as duas faces da moeda & planejo cada passo na alcova.

os quadriláteros do abandono estão aqui representados, dançamos ao som do jazz diante dos canteiros centrais & das vias expressas não plastificadas.

resta-me rasgar as tuas pernas, queixo, memória & afeto aos frangalhos: tiro de espingarda no coração. aí o clima esquenta & sou obrigado a me desfazer das histórias onde interpretei megeras, datilógrafas ninfomaníacas, divas abandonadas.

me livro do luxo, da intelectualidade & do frio.

telefono para dr. salomão que me atende entorpecido de recusa. ele diz que já fomos longe demais no tratamento, não há cura possível. ele então prescreve doses cavalares de um medicamento cujo rótulo exibe fogo ao redor da boca, boca ao redor do fogo. tomo dois comprimidos sem pestanejar.

dr. salomão sorri, glamouroso — segurando a bengala importada do egito.

como pagamento, ele me estapeia a bunda.

& pairo num terceiro andar de um corredor às quatro & trinta & sete no calor insustentável do brasil.

(você precisa abrir os olhos).

mas você me observa reticente & o combustível do momento é o pensamento claustrofóbico & oscilante naquele quarto úmido de motel.

pole dance com hidro, lembra?

as fomes que não se descosturam.

busco fôlego para materializar o livro.

arbustos, jarros, sombra & coração impecável para as consequências.

você que me culpa & que não me explora os olhos, os ossos do ofício, os gatos abandonados, o gato por lebre.

tudo em vão como um lábio superior desenhado sem esmero na pintura.

& diante do ex-amante proponho um batuque, um samba, uma pausa na coreografia. tomo mais um gole do perigo que eu mesmo interpretei.

da janela, fotografo as luzes esparsas do centro da cidade.

projeto: obsessão, terror & glória.

25 de fevereiro de um ano qualquer:

a vida é um fist fucking cravejado de diamantes pontiagudos.

 

 

 

 

 

 

ENQUANTO EU LIA BALZAC

 

 

Era uma vez uma tarde de sábado enquanto eu lia Balzac, e o mundo estava prestes a explodir, e eu decidi não observar a cidade através da janela, pois o mundo, a janela, Balzac, os meus problemas e as ciladas da cidade permaneceriam ali, imutáveis, enquanto eu as descrevesse do meu jeito e não ousasse sequer reverter o x da questão e enfim sorrisse, interpretando personagens ou situações vividas ao pensar naquela troca de olhares que me impediu o sono e a leitura dos meus romances policiais favoritos.

 

 

 

 

 

 

EDUCAÇÃO

 

 

lembrei dos lençóis sobre os azulejos & dos comprimidos que você deveria ter tomado aos 19, ano em que o teu amor por mim se esvaiu numa noitada extrema, tal & qual um cachorro feroz que arranca um pedaço de carne das mãos. mas se você fosse um garoto sincero, não compartilharíamos o poder de duas estátuas que nunca se tocam. eu cumpriria o dever dos que colecionam cartas, & você manteria o segredo sobre por quem o teu coração realmente bate.

 

seria a espécie de educação que eu mereço.

 

 

 

 

 

 

PESCOÇO, LIKES IN EXTREMIS, GELADEIRA

 

 

Pela metade os textos se perdem e pairam sobre o teu queixo, sobre a fotografia de uma pessoa desnuda, friorenta, egocêntrica — mas que não se deixa imunizar pelos mosquitos que nos dilacera o pescoço, o pescoço da vida, o pescoço de uma rua esburacada e suja (avenida de qualquer pescoço) — como quem entra sem enxergar as pessoas nos olhos, fingindo contentamento, abraço apertado, likes in extremis, beijos que são iguais a uma geladeira que não se descongela sozinha.

 

 

 

 

 

 

STYLE

 

 

preciso pensar 2x antes que eu me parta ao meio na noite onde cães são humanos & churrascarias são palácios de buckingham.

 

 

 

 

 

 

JOELHO DUPLO

 

 

O rouco da voz que você transmite em músculo não é sincero — muito menos eu. O novo elemento que me atrapalha, desfaz os meus planos, é como o grito de um gato que erra ao cair do quarto andar. Empatamos, mas sou eu quem sai perdendo. Leste ou Oeste não faz diferença, igual a um balão de hidrogênio que estoura na quina de um prédio.

 

 

 

 

 

 

O CORAÇÃO DOS OUTROS

 

 

O coração é este músculo

perdido entre duas fluoxetinas

& o abismo às duas da tarde:

ninguém se importa,

eles viram o rosto,

não compactuam com a nossa história.

 

 

 

 

 

 

LEATHER

 

 

todas as bruxarias que você construiu

despencam sobre o meu jeans culpado de tudo,

desabotoei a camisa & me pus sobre travessas de inox

tão verticais quanto o beijo que você morde & assopra,

aí sou a pessoa ferida mais legal do mundo,

nego a violência & as páginas de ménage à trois na internet,

mantenho o carão diante dos arbustos que você cuspiu,

o girassol de uma mão que me afaga as lágrimas,

rasgação de amor que não me protege das rugas,

os centímetros que fariam de mim

a pessoa mais sexualizada do universo.

peço um cigarro e você não tem,

eu percorro a existência da noite & me tranco em banheiros,

do bolso possuo as armadilhas lindinhas

que se resumem em uma, duas gramas da lucidez

pré-fabricada pouco depois dos dinossauros,

você também não me esquece,

critica o fato dessa intolerância esquizoafetiva

ser publicamente devorada nos livros que você não escreveu,

por isso morro de vontade.

 

 

 

 

 

 

VEJA

 

 

no calor do brasil você sustentou uma farsa

& me telefonou às 4 da manhã não para ouvir a minha voz

ou me questionar os porquês da frieza que me encontrou

perdido nas florestas nos bosques nos fios de alta tensão

então fingi dormir mais uma vez com o livro do lado

que eu também fingi ler por culpa do pensamento

grudado em você numa noite de sábado aqui em casa

a garrafa de vinho que esperou duas taças brindarem

três taças como numa visita repentina

numa visita de três reis magos predispostos a insinuar

malvadezas sobre qualquer espécie de delírio

entre alguém como eu & alguém como você

que não existe sequer nas páginas amarelas da revista veja

ou quando eu por motivos bizarros & inconsequentes

saí correndo atravessando o jardim de plantinhas simples

que você nunca deu importância

ou quando eu afirmei categoricamente que o poema gods

da anne sexton é o meu cartão de visita na estratosfera

o mundo girando cada vez mais rápido

mais solene mais parecido com aquele tom de voz

que foi a minha estrutura de autossabotagem

& repeti numa outra conversa ao pé do ouvido

que eu estava totalmente desequilibrado emocionalmente

& você não viu.

 

 

 

 

 

 

PAIXÃO EXTRATERRESTRE

 

 

li os teus dois poemas no jornal

durante aquela vasta solidão

em que me vi sem homens,

os dois braços que me partiram

ao meio do percurso numa

refrescância de piscinas ao deus-dará

onde eu mataria um leão por dia,

salpicando de dor o livro e o

meu corpo sob a chuva tempestiva

de verão, azul, um menino descalço,

sujo e sem nome, duas mulheres

que sorriem enquanto ando tão

rápido e com as mãos nos bolsos,

pois em todas as esquinas eu

esqueci perdidamente o olho

no buraco da fechadura, e você

não entende do que é feito o meu país,

mas as tuas andanças oscilam

entre uma ponte-aérea ou viagem

internacional de cegos, pessoas

sem a mínima classe, ou uma

echarpe que te consome e que

não me ensina a viver a grosso modo,

cada traço devidamente organizado,

os dois beijinhos na festa,

eu fugindo do sexo já a me satisfazer

numa futura crise de remorsos,

compaixão, inveja do que eu jamais

permitiria, à mercê dos numerosos

amantes aqui destronados, molhados

de prazer, gênio indomável,

nave espacial do extraterrestre

que se apaixona por mim e

anota o número do meu telefone.

 

 

 

 

 

 

PERTO DEMAIS

 

 

só você escolheu percorrer o sri lanka

deixar meus pés sujos de lama

onde nenhum homem

esta noite

soube cobrir meus olhos

dançar ao redor do mundo

cuspir no espelho

medir os botões que cobrem o corpo

e rever algumas vezes

por onde andei ou se fui outra.

 

 

 

 

 

 

MEU AMOR É DADAÍSTA, SINCERO E SEM REFLUXO

 

 

Ninguém é sincero como ninguém. Eu queria uma estrela pra enfeitar você (ou um dildo pra tornar tudo mais interessante). Meu coração está do outro lado. Precisamos abrir os olhos antes que as novinhas tomem o controle. Não há culpa extrema se você é uma pessoa, digamos, honesta. Adoro intrigas quando o amor é incerto. Só não enlouquece quem tem o rei na barriga. Não envelheço como de costume. Queria ter imaginado sangue, perfume e dois olhos sinceros. O amor alucina você trancado em casa e esperando algo acontecer. Nosso amor próprio continua descontrolado. Vira e mexe adormecemos nos braços de um monstro. Por favor, não sintonize naquele corpo efêmero. Só arrisca quem tem coragem de mamar em onça. Solidão acima do bem e do mal. Minha carta de alforria nunca será o outro. Todos nós somos monstros negativos. Não quero intimidade com o dealer. Sexo por um copo de cerveja: só você é um expert. Meu amor, não depile as axilas. Devo continuar a ser uma pessoa produtiva. Não seja irônico, seja icônico. Por favor, não desligue os aparelhos. Ninguém assume os eternos exercícios do fracasso. Adoro a sua cabeça. Nosso teste de resistência precisa ser positivo. Cada um de nós é responsável pela própria indulgência? A moda agora é se fazer de doida. Meu amor por você é de poliuretano. Com o sacrifício de uma pessoa real, pago minhas contas à vista. Me divorciei de algumas dúvidas. E a noite deverá ser incrível.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Antônio LaCarne é cearense e nasceu em 1983. É poeta e contista. Autor de Salão Chinês (Patuá, 2014), Todos os poemas são loucos (Gueto Editorial, 2017) e Exercícios de fixação (Publisher, 2018). Participou das antologias A polêmica vida do amor (Oito e Meio, 2011), A nossos pés (7Letras, 2017), Golpe: antologia-manifesto (Nosotros, 2017) e Rotatórias (Galeria Sem Título Arte, 2018). Seus poemas foram publicados na Colômbia, Alemanha e Grécia.