Com o tempo,
vamos ficando sábios.
Não sábios como os sábios
plenos:
com o tempo,
vamos ficando um pouco sossegados.
Um pouco inquietamente
sossegados.
A tarde, para que serve,
se não a inventa um poeta?
A vida passa menina,
a chama do peito é tanta!
) Sonho com as altas estrelas.
Sei amá-las em meus sonhos.
Dentro de mim há mil sonhos,
todos sonhos com estrelas. (
A luz mora em nosso peito
e não estamos em nós.
E onde estamos, ladram cães.
Que nos salva de nós mesmos?
A grande verdade
nascerá em nós
que estamos cansados.
E o primeiro pássaro
a voar embora
sabe que é lá fora
que as coisas são —
não aqui, em portos
onde nunca atracam
barcos, só umas vozes
nos clamando: Foge,
marinheiro, foge!
Estamos só de passagem.
Estamos para passar.
Não como um rio: como o ar
que move as plantinhas tenras.
) Os mundos são só inventos
e as coisas que só passam —
como passam os grandes ventos
e apagam uma estrela velha. (
Nada nos diz ser eternos.
Não vamos ficar. Estrelas
não vão ficar, só o silente
farfalhar das borboletas.
Um pouco do que somos
tem as asas dos pássaros.
Somos um pouco os pássaros
que inventamos.
(As asas de um pássaro
desprendem-nos do chão.
Somos um pouco pássaros
no chão.)
Não faça poemas sobre coisas
nem fatos.
Faça sobre o que esculpe
uma face.
Sobre o que flui na alma,
não na carne.
É esta a condição da poesia.
Um poema é só a invisível
vibração de um pétala
na brisa.
NUANÇA
Meus caminhos, meus mapas,
meus caminhos.
Tudo está em ordem
em minha vida.
Como se faltasse
alguma coisa.
O quanto sei, o ponho
no que faço. O mais,
o passo
nesse ofício de ser.
Um homem nunca é o destino
que se deu. E a pedra
lançada longe, voa
ainda.
Sossega, peito meu. Nada
é tão certo. O vento
sopra para onde
quer.
COISAS ÍNTIMAS
Trouxe-te flores
e não estavas.
Que se há de fazer
com ternuras?
Faz silêncio nas coisas:
nas portas e janelas,
nos móveis, livros, retratos,
nas gavetas, nas cartas íntimas —
faz silêncio nos soluços
dentro da noite,
nas esperanças, nas estrelas —
faz silêncio no coração ferido,
o terno coração
ferido
Como tudo vai ficando chato!
Eu sei, é a vida
moderna. Estamos
condenados.
Perguntas-me que faço?
Faço o quê? Vou,
como todos, muito
irritado.
Talvez tenha um dia
de fúria, talvez mate
um —
talvez não mate, volte
para casa ofendido,
triste, só.
Um homem civilizado.
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