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O falecimento de um ente querido sempre será motivo de grande sofrimento para a família. Quando ocorre, não raro, as pessoas procuram protelar o quanto podem as decisões acerca dos bens deixados pelo falecido. Esta, natural e compreensível, é uma atitude normal do ser humano, que deve ser enfrentada com maturidade para evitar maiores preocupações no futuro.

A abertura do inventário em até 30 dias da morte do familiar, seja de forma judicial ou extrajudicial, é medida necessária que evitará várias situações problemáticas de ordem familiar, fiscal e financeira.

O que significa, afinal, o inventário post mortem?

No direito de família brasileiro, a sucessão é regida pelo princípio que visa conservar a posse dos bens com a família do falecido, evitando que outras pessoas possam vir a tentar despojar os familiares dos bens que, muitas vezes, com grande dificuldade o ente falecido conseguiu acumular ao longo de sua vida.

No entanto, essa transferência de bens não ocorre de maneira automática para os herdeiros. Isso só pode ocorrer com a abertura do inventário e a expedição de formal de partilha, em caso de inventário judicial, ou lavratura da escritura pública, se extrajudicial. Enquanto não terminar o inventário, os bens serão considerados como um só, pertencente a todos os herdeiros, o chamado espólio. Ocorrendo a partilha do espólio, aí sim, os herdeiros contemplados na partilha terão a propriedade do bem partilhado.

E se os bens deixados continuarem como espólio e não forem partilhados?

A primeira consequência apresentada pelo Código Civil é de que o cônjuge do falecido não poderá casar-se novamente sem a realização do inventário, a não ser que opte pelo regime de Separação Total de Bens, consoante o artigo 1523, Inciso I desse diploma.

Outra consequência é que nenhum dos herdeiros poderá vender, alugar, doar, transferir ou realizar qualquer outro tipo de negócio relativo aos bens, enquanto não for realizada a partilha. As transações realizadas dessa forma são nulas de pleno direito. Vale ainda informar que se um dos herdeiros na posse dos bens os utiliza em proveito próprio e não presta contas aos demais ou exclui de má-fé o bem da partilha, perde o direito ao bem.

Outra consequência, ainda, que pode ser impactante, é a impossibilidade de disposição imediata do bem em caso de necessidade, pois se o bem está registrado em nome do falecido, os herdeiros não poderão assinar no lugar do de cujus (falecido) para transferir a propriedade, e se há a necessidade da venda emergencial de um dos bens, ou de todos eles, para custear, por exemplo, um tratamento de saúde para outro familiar, não poderá ocorrer a venda até que se finde o inventário.

A maioria das famílias, no entanto, convive com a falsa impressão de que se não houver necessidade ou intenção de negociar o bem, não haverá problema.

Mas, mais uma vez, essa presunção está errada, porque, no caso de imóveis, se a casa deixada pelo avô falecido, por exemplo, não figurar como propriedade do filho herdeiro, no dia em que este falecer, a sua parte da casa não poderá ser transmitida aos seus filhos, prejudicando os netos na sucessão do avô. Vejam que é uma situação que tem a tendência de agravar suas consequências com o passar do tempo. No caso de veículos, as multas que, porventura, recaiam sobre o veículo que estiver em nome do falecido, poderão receber nova multa, de 100% sobre o valor da multa original, pela impossibilidade de indicação do condutor.

Há, ainda, consequências fiscais. Os impostos sobre os bens devem ser assumidos por todos os herdeiros até a partilha, na proporção equivalente ao quinhão que o herdeiro receberá. Mas, quase sempre, ocorre que apenas um dos herdeiros assume o pagamento dos impostos, ou nenhum deles assume e o patrimônio que o ente falecido levou anos para construir pode ser penhorado e adjudicado pela Fazenda Pública em execuções fiscais, que são ações caríssimas e complicadas.

Não menos importante e pouco divulgada é que alguns estados da federação, por serem os competentes para instituírem os impostos sobre herança, cobram multa no valor de 10% do valor do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), caso o inventário não seja aberto em até 30 dias da data da morte. Assim, o imposto que em alguns estados pode chegar a 4% do valor total dos bens, sofre um acréscimo indesejado.

Até aqui, coube-me elencar de maneira sucinta as mais imediatas e prejudiciais consequências de se protelar a abertura de um inventário. Contudo, diante de um acontecimento tão doloroso na vida familiar, a melhor opção será sempre tomar providências o mais rápido possível para fazer o inventário, evitando sofrimentos maiores para o futuro.

Vale lembrar que, em muitos casos, o próprio processo de inventário poderá ajudar a transpor as barreiras psicológicas do luto e da dor, pois transmite a sensação de finalização do triste acontecimento, para que as famílias possam voltar à normalidade, adaptando-se à falta do ente querido e mantendo com tranquilidade a vida de quem aqui ficou.

 

 

 

setembro, 2018

 

 

Maria Paula Calderan é advogada militante nas áreas cível, de família e previdenciária.