~

 

 

nas paredes

em despudor de silêncio

a litania do invisível

 

no cio do limo

a sinfonia do mofo

lavra

o

segredo

da

rachadura

 

 

 

 

 

 

~

 

 

elidir a imagem

moldura

sépia

crua

 

na estante

sobre as janelas dos olhos

a imobilidade dos rostos

 

e o inapreensível grito

das coisas insubstituíveis

 

 

 

 

 

 

~

 

 

sede é como um rugido de rio

encontrando a margem da garganta

 

sede é peixe uterino

no oceano do corpo

 

visto por fora

despido no espelho

visível deserto de assombros

 

sede é a possibilidade de romper

o naufrágio e adejar na superfície

 

 

 

 

 

 

~

 

 

fechar o mundo

com os chacais do suspiro

 

abraçar o instante

fugidio peixe

do anzol dos braços

 

o escuro ilumina

as cicatrizes

avessas ao lodo

acenam ao cais dos girassóis

quando todos os retratos

murcham-se

desenraizados do tempo

 

e o possível

devir

anuncia-se

natimorto

 

 

 

 

 

 

~

 

 

dentes rangem nos rosários

acesos à beira do abismo

santos latem nos recantos

sujos das calçadas e cabeças

de flores vociferam a sinuosa

linguagem do odor: recusamos

felizmente o sol se da noite

cerzimos um corpo e habitamos

nossa cética morada de uivos

 

 

 

 

 

 

~

 

 

de gesso

a cruel

beleza

 

híbrida

estrutura

tátil

 

pelos

olhos

nas

pontas

dos

dedos

 

o congênito

grito

do

gesso

 

atado

no

vazio

vivo

por

um

fio

de silêncio

 

 

 

 

 

 

~

 

 

abre-se o velho

olho da casa

 

rangendo tempo

nos alicerces

 

violados pelo vento

gatuno que salta

 

para dentro do espaço

dissipando

 

os ossos ante-

passados

 

 

 

 

 

 

~

 

 

galopa o rio

de volta ao olho

 

sub-

jacente

 

rumoreja

à margem da face

 

amordaçada

numa gota de relâmpago

 

 

 

 

 

 

~

 

 

beber um pássaro

esplendor de pluma

 

no des-limite da sede

entranhar na carna-

dura de seu voo

 

celebrá-lo

engajar

o pensamento

na fenda do horizonte

 

é adejar o lúcido abismo do corpo

 

 

 

 

 

 

~

 

 

pálpebras frias

do abajur de carne

 

 

envolvem

o corpo

 

 

mínima

luz

 

 

sob o escuro

pasto

 

 

do sonho que o corpo

rumina

 

e

pela

manhã

 

 

esquece!

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Carlos Orfeu nasceu em Queimados/RJ. É devoto das artes, sobretudo, da literatura e poesia. Publica em blogues pessoais, revistas e blogues literários. Em 2017, lançou o livro (In)visíveis cotidianos pela editora LiteraCidade.