*
o coiote de Chagall
come caramelo
mas fareja
humanos
se não há saídas
por highways
fugir
por desfiladeiros
iluminados
com anéis de vagalumes.
*
percebeu-se raiz
quando olhou pra trás
e viu o quanto
se deslocara
na profundidade
das coisas
enraizar-se
é ocupar
espaços
*
quis ser barco à vela
desgarrar-se do porto
no leme de gaivotas
ousar pensar
no mar só dela
e foi...
na falta de lua
desenhou estrelas
numa pipa psicodélica
fez dela aurora boreal
céu e oceano fagulham
contos e assombrações
em folhas de papel
navegar
é poesia.
SAUDADE
o sentimento de ausência,
aromatiza-se
em gosto de framboesa.
aspiram-se reminicências
entre tantos tons e tatos
agudos e macios,
graves instantes.
na agridoce visão
de cinco sentidos
degustam-se urgências
DIVÃ
metaforizei todos os medos
em insetos kafkianos
mas não os comi, Clarice.
organizei-os numa fila
uma seleção não natural
[Darwin que me perdoe]
só os antipáticos
da barata ao odioso do egito
colorida filogenia
todos emparedados
a pedir clemência.
eliminá-los agora
é só uma questão
de qual melhor inseticida
não mais de consciência.
MULHER
de que vale a suavidade
se te fragiliza corpo e alma
na exata medida de teu peso
uma voz diz: embruteça
de que serve a sedução
se te põe em risco
ao dispor teu corpo
em objeto de desejo
outra voz ordena: resista
de que vale o talento
se, na proporção de seu valor,
tem sido silenciado
outro conselho: reaja
de que serve uma liberdade
ilusoriamente conquistada
que te aprisiona em um novo habitus
outra sentença: supere
o algoz é ele
o algoz é ela
algonizamos.
FEITIÇO
duvidaram
de sua magia
pecaram.
foi quando
de uma brisa
tirou um fio de vento
e costurou uma tormenta
inclemente, que só ela
não teve reza nem apelo
que estancasse
a sangria.
ESCREVO
só porque sou lua
e em fase cheia
transbordo pirilampos adormecidos
em palavras despertas em suor,
fluidos e sentimentos
e no que transbordo
desoculto a face dos silêncios loquazes:
desafogo-me
e no que deságuo
contrario máximas:
escrevo pra ninguém
confronto-me com a palavra
fruto urgente do enunciado
ainda que por mim gerada
desconheço-lhe a maternidade
me vejo cria da palavra.
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