©picasso
 
 
 
 
 
 
 

pergunta

 

 

o sábio

que sabe

o que sabe

e sabe

o que não sabe,

sabe que sabe

o que sabe

e sabe

que não sabe

o que não sabe,

disse suposto

sábio, mas

visto o saber

e o não saber

excitarem

ainda

mais saber

e não saber,

entre suas

sabenças

saberia que

não se sabe

o que se sabe

antes de

exercer

na prática

a suposta

sabedoria,

nem se sabe

o que não

se sabe

antes da

tentativa

de fazer

o que não

se sabia,

ou tal sábio

não saberia

que o povo

do sabiá

bem sabe

que o sabiá

sabe assobiar

um baita

assovio

sem saber

que sabe

nem que

não sabe?

 

 

 

 

 

 

in/suficiência

 

 

quem sabe tudo

é bobo, marido

propenso a corno,

espia o celular

do par co’o curvo

bico de corvo:

não pode indagar

um ovo, morre

mudo a gritar

socorro, receia

um transtorno,

acha que não,

mas é o supertolo.

 

 

 

 

 

 

evitação do rio

 

 

a arte de ficar à parte,

à margem da corrente

tumultuosa, sem botar,

sequer, o pé na água,

é a arte de naufragar

no seco, de se deixar

levar por um rio outro,

que não o da multidão

em luta contra as vagas,

é a arte de dizer sim

achando que disse não.

 

a arte de ficar à parte,

jamais é arte verdade,

sem remos, sem rumo,

sem esforço ou emoção

real, ao ficar de lado,

o lado que se escolheu,

é lodo de quem não sai

nem a nado do lugar

fixo e cerceante a que

foi predestinado; entrar

no rio, arriscar morrer,

 

é melhor que se render ao fado.

 

 

 

 

 

 

muito dela

 

 

vi que gostava do meu braço,

a parte pelo todo, metonímia,

chamava-o de seu entre beijos

de despedida e, após o amor,

estendia-o na cava dos peitos,

a mão-ancinho sobre os pelos:

tanto ela amava aquele braço,

que eu quase morri de ciúmes.

 

 

 

 

 

 

per una amica

 

 

não vou dormir

sem

do recanto lábil

da

tua fala dizer

pelo

menos um discer-

nir

avesso de todo

favo:

me gusta hablar

con

tigo sin labios

 

 

 

 

 

 

função da arte

 

 

¹

casal no auge da liberdade:

 

não havia ar o suficiente

para tanto abrir de enlatados,

a voz do homem lutava

espada

com a voz da mulher,

plantas queriam sumir

dos vasos,

 

tensa, na parede,

a reprodução

de um desses

deuses vesgos

de picasso, tensa

 

mas plana e quieta.

 

 

 

²

a noite rasgou-se em proporções de medusa,

polvos gelatinosos flanaram de uma boca à outra,

pupilas como lanças espetavam a visão contrária,

o dia não amanhecia,

a noite não tinha importância,

nem os filhos,

nem os vizinhos,

quando

 

a gravura caiu da parede

estilhaçando o vidro:

 

os dois olharam para o lado

dos cacos,

e pararam de gritar,

deixando a discussão

para outro momento.

 

 

 

 

 

 

em busca da musa que goza

 

 

adeus, preciso rever minha musa,

cheirar os vasos em que unta palavras

com o prazer que das palavras obteve.

 

digam, os do coro que não a escutam,

aos deuses nunca se deve fazer visita;

não importa, preciso vê-la de fronte,

dizer o que não se diz com verbos,

mas de língua para língua.

 

não pensem, detrás dos róseos seios,

eu não tema a esfinge de rijas unhas,

capaz de apaziguar o sangue a dentes:

mas, sem a tensa volúpia do risco,

como fazer amor com a poesia?

 

 

 

 

 

 

o silêncio

 

 

¹

até hoje pensei

que o silêncio era

 

dentes sem mastigar,

grandes e francos,

 

do tamanho de

elefantes

 

metidos atrás

de gengivas malva:

 

luminárias

da troante avenida.

 

 

 

²

não um sem som de ar-

condicionado ou

 

o de carros e sirenes

em onipresente cortina:

 

vi um silêncio gerânio

parindo ressignificantes

 

nas sacadas do corpo

onde a terra é folha,

 

sem temer a si mesmo

ou fugir ao nascimento.

 

 

 

³

não um silêncio quedo

como o do colarinho

 

aberto na calçada

aguardando a ambulância

 

com os ouvidos atentos

dos transeuntes,

 

mas um que conversa

com o surdo-mudo

 

da casa de cegos

que também é cego.

 

 

 

um silêncio fundo

não aguarda lavras,

 

deu tudo o que tem

e também o que não:

 

dá o que não conhece,

flutua além do verbo,

 

não antes da bíblia.

quando nasce no ser

 

sequer rumoreja o mar

do silêncio que funda.

 

 

 

uma palavra se pode dar,

inclusive a palavra romã.

 

só o amor, precisamente,

funda o impronunciável:

 

não o que teme ser dito,

mas o que está além disto.

 

instrui um dentro-lugar

que jamais pode ser lido:

 

ultrapassa o impossível

ao dar o que não tem.

 

 

dezembro, 2017

 

 

Sidnei Schneider é poeta, ficcionista e tradutor em Porto Alegre. Publicou Andorinhas e outros enganos(Dahmer, 2012), Quichiligangues (Dahmer, 2008), Plano de Navegação (Dahmer, 1999), Versos Singelos/José Martí (SBS, 1997), Poemas 1987-1992 (Artesanal, 1992). Participa de Iris International (Ivanić Grad-Croácia: Tri Rijeke, 2015), Poesia Gaúcha Contemporânea (Assembleia Legislativa-RS, 2013), Moradas de Orfeu (Letras Contemporâneas, Florianópolis, 2011), Poesia Sempre (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2001) e outras antologias. Troféu Açorianos de Divulgação literária, Prefeitura de Porto Alegre, 2008. 1º lugar no Concurso de Contos Caio Fernando Abreu, UFRGS, 2003. 1º lugar em poesia no Concurso Talentos, UFSM, 1995. Membro da Associação Gaúcha de Escritores.

 

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