©ben zank

 

 

 
 

 

 

 

*

 

 

Tô no Rio, voltando pra SP. Acabei de chegar ao Santos Dumont. Vim de Uber. Chegando ao aeroporto, o motorista, com a cara e tamanho do Alexandre Frota, mas normal, lúcido, virou pra mim:

— Iiiii, meu irmão, olha lá. Tem manifestação dos taxistas contra o Uber. Vou ter que deixar você bem antes.

Eu estava atrasado. Pulei para o banco da frente.

— Toca em frente. Confia em mim.

Ele foi. Paramos o carro na porta do aeroporto. Lotado de taxista bufando. Descemos. Eu gritei, fazendo cara de choro.

— Jorginho, me abraça! Vou morrer de saudade.

O cara me abraçou.

Eu grudei minha cabeça no peito dele. Dei mais um suspiro e disse:

— Tiamo, gato.

Ninguém desconfiou.

Só o amor salva.

 

 

 

 

*

 

 

— Alô. Tom?

— Quem é?

— O Marcos.

— Que Marcos?

— O motorista do Uber. O que você chamou de Jorginho ontem.

— Ahhh sim, tudo bem?

— Tudo bem. Irmão, você foi muito criativo. Nenhum taxista percebeu. Incrível.

— É, a gente se livrou de ser linchado. Não havia outra saída.

— Meu irmão, preciso te dizer uma coisa.

— Diga.

— Passei a noite pensando em você.

— Como assim?

— Fiquei com vontade de pegar você no colo. Você gosta de cafuné?

— Marcos, aquilo foi uma performance de emergência. Eu não sou gay, cara.

— Eu também não, meu irmão. Sou casado. Mas quando você encostou a cabeça no meu peito, senti algo que nunca havia sentido. Gostei de tudo em você. Do seu cheiro, tudo.

— Do meu cheiro?

— Sim. Você tem cheiro de homem. Você é sim especial.

— Você tem certeza disso? Não está confundindo os sentimentos?

— Não. Me arrepiei todo. Da cabeça aos pés.

— Não foi de medo não?

— Não. Foi desejo mesmo.

— Que bom, nunca é tarde para sair do armário.

— Posso ligar pra ouvir sua voz de vez em quando?

— Cara, se você se descobriu, logo vai achar alguém pra chamar de seu.

— Mas aconteceu algo especial com a gente. Sabe como se chama isso, Tom?

— O quê?

— Q-u-í-m-i-c-a.

— Vou ter que desligar, Marcos.

— Beijo, gato.

Fudeu.

 

 

 

 

*

 

 

Publiquei, em 2011, o livro O Cofre do Dr. Rui, um dos vencedores do Prêmio Jabuti na categoria reportagem. O livro narra a história do lendário assalto ao cofre do governador Adhemar de Barros, o inventor do "Rouba Mas Faz" (uma espécie de mistura — se é que isso é possível — de Eduardo Cunha com Paulo Maluf).

A Var-Palmares de Carlos Lamarca e Dilma Rousseff soube da existência do cofre do Adhemar, escondido numa mansão em Santa Teresa, e armou um plano para roubar 2,5 milhões de dólares. No livro, eu conto como se deu o assalto, bem-sucedido, e a partilha do dinheiro, mais uma prova da atávica incapacidade da esquerda brasileira de lidar com qualquer forma de capital.

Assim que o livro foi distribuído para a imprensa, a Mônica Bergamo, colunista da Folha, me ligou para saber se eu tinha alguma história boa pra contar sobre a participação da Dilma, em plena campanha presidencial, no assalto:

— Oi, Tom. A Dilma participou do assalto?

— Não, só do planejamento.

— E ela ficou com parte do dinheiro?

— Não. Foi presa logo em seguida. Mas foi a primeira a trocar os dólares numa casa de câmbio em Copacabana.

— Hummm. E você descobriu alguma história bacana?

— Um militante, que não quis aparecer, me disse que parte do dinheiro do cofre, cerca de 240 mil dólares, foi enterrado num trecho do começo da Dutra, indo na direção de São Paulo para o Rio.

A Mônica riu da história e deu uma nota na sua coluna. No dia seguinte, o tal militante, que havia me contado a história do dinheiro enterrado, me ligou:

— Tom, você tá maluco?

— O que foi?

— Você foi dizer pra aquela colunista a história do dinheiro enterrado.

— Ué, mas a história estará no livro.

— Não acredito! Eu disse para você não contar nada.

— Não, você disse que eu não podia citá-lo.

— Porra, agora fudeu.

— Por quê?

— Todo mundo vai começar a procurar essa grana.

— Mas e daí?

— Eu queria achar primeiro. Nunca tive pressa, porque só eu sei onde o dinheiro está enterrado.

— Você sabe onde está exatamente?

— Sim, sei.

— Você me mostra?

— Sim.

No dia seguinte, fomos de carro até a Dutra. No começo do trecho, o cara colocou a cabeça pra fora do vidro e pediu para eu andar devagarinho pelo acostamento. Percorremos cerca de 4 quilômetros. Ele gritou:

— Para.

Desceu do carro, apontou uma placa (que não posso dizer qual é, mas está até hoje lá), caminhou 26 passos. E parou. Bateu com o pé no chão:

— O dinheiro tá bem aqui. 240 mil dólares.

— E agora? O que você vai fazer?

— Tenho que esperar essa história do seu livro passar e vir um dia aqui de madrugada com uma britadeira e pegar a grana.

O cara morreu alguns anos depois. Até hoje não sei se a grana tá lá ou não.

Se a minha vaquinha virtual para o livro de crônicas (lá é possível, inclusive, comprar o livro do roubo do cofre) vingar, eu prometo que compro uma britadeira de última geração e dou uma nota de 100 dólares para cada participante.

 

 

 

 

*

 

 

Minha filha de 10 anos tem o péssimo hábito de usar o meu comportador. Sempre dá merda.

— Paiê, que história é essa?

— O quê?

— Tô lendo aqui: "Fora do Tom: Crônicas de um Jornalista de Cueca".

— Sim, é o título do meu novo livro.

— A mamãe já sabe disso? Mãeeeeeeee!

— Calma, filha. Qual é o problema?

— Que ridículo, pai. Por que jornalista de cueca?

— Porque é assim que eu trabalho em casa. De cueca.

— Que vergonha. O que eu vou dizer para as minhas amigas? O que eu vou dizer para a Dona Carmen Shultz?

— Quem é a Dona Carmen Shultz?

— A minha professora de alemão. Eu falo sempre dos seus livros pra ela.

— Convida ela pro lançamento, filha. Aliás, eu vou só de cueca. Cor carmim.

— Mãeeeeeeeeeeeeee!

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Tom Cardoso (1972) é jornalista com passagem pelas principais jornais e revistas do país, como "O Estado de S.Paulo", "Jornal da Tarde", "Folha de S.Paulo", "Isto É Dinheiro" e "Valor Econômico". É autor de três biografias, O Marechal da Vitória, sobre o empresário de comunicações Paulo Machado de Carvalho; 75 kg de Músculos e Fúria, perfil do polêmico jornalista Tarso de Castro, criador de "O Pasquim"; e Sócrates, livro que narra a trajetória de um dos maiores ídolos do futebol brasileiro. É também autor do livro-reportagem O Cofre do Dr. Rui, que conta a história do lendário assalto comandado pela VAR-Palmares de Dilma Rousseff no anos 1960, obra que foi uma das vencedoras do Prêmio Jabuti 2012, na categoria Reportagem. Em 2013, venceu o Prêmio Abril de Jornalismo, também na categoria reportagem, com a reportagem sobre a espiã do Dops, Maçã Dourada.