©kay sage

 

 

 
 

 

 

 

Página virada

 

 

Dizem que um poeta não morre

Porque não morreria?

Morre o miolo, a essência

O que resta é apenas

um minuto na vida,

um suspiro,

uma página virada

 

E na terra

cálcio e nada.

 

 

 

 

 

 

Poema em Versos Livres

 

 

Há de surgir um poema

com essas letras

que bandos de maritacas

esboçam no céu

 

Versos que nascerão

na liberdade

de ser voo e pássaro.

 

 

 

 

 

 

Passos no chão

 

 

Passos que se tocam

no amontoo de pegadas

que se espalham pelo chão

 

Marcam o compasso

de uma valsa retirante

na poeira das estradas do sertão

 

Bem que os passos dessa dança

eu os faço em contramão.

 

 

 

 

 

 

Avessos

 

 

Em pleno deserto
a água potável
num jarro de espinhos

 

Afago de cravos
nas palmas
O nó que desfaz, na garganta,
o travo da areia nas plantas

 

Em pleno deserto
avessos da vida
têm outra valia.

 

 

 

 

 

 

Heranças

 

 

Das tardes de tosco garimpo

herdei a palavra bruta,

meus cacos de voz na bateia

 

Das artes do ferro e do fogo,

a lâmina fria,

o fio da voz na garganta

 

Das artes da pesca,

a voz afogada e silêncios

fisgados nos fundos dos rios

 

Num canto do chão

confio-me, presa,

ao fio da voz dos abutres.

 

 

 

 

 

 

A ilha

 

 

Na ilha,

os traços de um homem

cercados por mar insondável

 

No homem,

o sonho de um barco

solto em mar não navegável

 

Um homem

na ilha de um barco

 

Um homem

na ilha de um homem.

 

 

 

 

 

 

Mar Interior

 

 

Um rio subia a montanha

Subia, rompia, galgava

um rio de águas contrárias

 

Jorrava no meio do rio

a fonte de águas vazias

da sabedoria

 

Pequeno filete absurdo

buscava, no topo de tudo,

um mar incontido.

 

 

 

 

 

 

Fiordes

 

 

Aconteceu poucas vezes:

do mar seduzir a terra

e penetrar, em fiordes,

suas entranhas

 

A esse amor proibido,

de eras glaciares,

restou o exílio

nas regiões

montanhosas e frias

do planeta,

feito a Patagônia

e a Noruega

 

Nas Minas Gerais:

aos que vivem

o coração da terra

resta o mar-navegar

das montanhas.

 

 

 

 

 

 

Manhã

 

 

No seio da manhã,

a claridade

Na mesa:

xícara de café, copo de leite,

pão

 

A vida,

refém dos giros

da terra

 

Na mesa:

grãos socados, torrados,

moídos

leite ordenhado,

trigo amassado

 

A vida,

refém de tantas

mãos.

 

 

 

 

 

 

Brumas

 

 

Inútil

buscar-me na transparência

desta manhã

 

Há branca penumbra,

espelhos baços

Conspirações no ar

ocultam-me da beleza

 

Não há gozo no corpo

da aurora,

estou sozinho

a refletir-me

 

Enquanto o dia devora o outro.

 

 

 

 

 

 

Forjas e teares

 

Por trás da tarde

e das montanhas:

um clarão vermelho

 

Trabalho artesão

de gigantes:

soldar as últimas

frestas

no jugo da luz

 

Na tecitura da noite,

entre suores e febres,

cabe a mim

o labor

de recriar cada manhã.

 

 

 

 

 

 

Sementes

 

 

Nas sementes:

a asa

ou o espinho

 

Em uma,

o voo

Na outra,

o artifício de agarrar-se

aos pelos

 

Na planta:

A consciência do vento

e dos passos.

 

 

 

[poemas inéditos]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Luiz Walter Furtado Sousa nasceu em 28 de janeiro de 1957. Médico pediatra na cidade de Ouro Preto, começou a escrever poesia há cerca de dois anos e não parou mais. Tem poemas publicados no número 12 do Caderno-revista 7faces, na revista Mallarmargens e dois livros de poesia prontos, aguardando que alguma editora se interesse pelas obras.