sobre a mesa do bar
de cócoras
sobre teu rosto
enquanto pinto
as unhas
de vermelho-
vivo
o amor
de ponta
cabeça-
dura, você
contando notas
amassadas
embebido
de mim
desequilibrada
sobre salto
rascunho
teu corpo
amargo, amora
dois riscos
perdidos
sinuca de bico
a bola
branca
encaçapada
na garganta
não demora, tua
língua
me fode
a alma
e eu tomaria uma garrafa
[ou duas]
de você
sem tirar a boca
do gargalo
tanto
sorvo o amarelo dos girassóis que te florescem
no debaixo dos braços
meu deus,
como é longo o caminho entre tua boca e tua
boca
então refaço com a língua os mesmos passos
que unem o ponto
de partida
ao destino
da minha chegada
circular e longa é a viagem que te quero tanto
mas tenho tempo
pixo
porque você meteu teu pixo
nas paredes de casa,
da minha casa
agora tua, rua, calçada
nua porque você des-
cobriu as janelas, a cortina
rendida
no banheiro dos fundos
porque você entrou sem
bater, sem
me bater com
tuas chinelas mendigas
porque você disse que não
sabia dizer
o meu nome
com laços lituanos você
desenhou um grafite
conceitual
uma ong
uma escritura
uma saída de incêndio e
acendeu incensos e
fósforos indianos
porque você meteu o teu
dente no concreto
meteu os teus pés
na porta
meteu o teu pixo
no desejo
e abriu
minha casa
pra dentro
[poemas inéditos]
noite
a noite demora a acabar
e eu não pensei que ficaria aqui sozinha
sozinha e no escuro
só há cervejas na geladeira
e eu sinto fome
trapos sujos espalhados pela casa
e eu sinto frio
discos e discos e discos voadores e o piano mudo
e eu quero a sua voz
um gato preto dentro da parede
e eu quero você na minha cama
se conhece meus fantasmas
por que me abandonou?
por que me trocou pelas ruas e luzes da cidade?
pela garota de bota vermelha que nunca leu bukowski?
[embora o cite]
VOCÊ NUNCA SENTIU MEDO?
eu te odeio.
a que horas você vai voltar?
por favor
traz o pão
florzinha
nesta casa não há flores
não há flores naturais / não há flores de plástico
nem flores de papel
há somente as florzinhas coloridas
das minhas calcinhas
retorcidas e penduradas no box do banheiro
quase todas secas e outonais
mas uma ou outra ainda úmida goza
de primavera
então preparo um buquê 100% algodão
porque não gosto de nada que agrida ou oprima minha poesia
[e isso inclui:
1. espartilho
2. fio dental
3. estampa de oncinha
4. cera quente]
meia dúzia de calcinhas em botão pingando água quente do chuveiro e polinizadas no lux
do luxo
e um bilhetinho torcido à máquina:
cuidado:
rondam abelhas
os bem-nascidos
bem-nascido pra mim
é quem nasce
na marra
e de parto normal
que nem meus poemas
preparação
eu preparo um poema
há 28 dias eu preparo pra nós o poema
delicado traço que começa num ponto
e segue se desenhando sobre a parede
em finíssima
linha circular
preparo um poema que se alimenta
de tempo:
horas, minutos, semanas, dias a dias
fortalece o que em mim arde a ideia
encorpa-se o poema de leveza rara
dourada membrana cobrindo corpo
lúteo
carrego-o no colo
abraço-o de carne
espero sua poesia
há 28 dias
preparo o poema
mas você não vem / você não vem mais
abandonada na cama leio folhas
em branco
o poema me contorce
desintegra-se no papel
dói no seu não vir a ser
o poema
enfim: não é
e sangra
[poemas de esse livro não é pra você.Patuá, 2015]
capítulo 1
perguntou se eu só tinha duas tatuagens
'não!' e expliquei o meu medo da dor
'só tenho uma'
aí mostrei as costas. meio rápido, meio assim pra não dar tempo de ler
então ficou me olhando
me olhando de um jeito que me mexeu lá por dentro
'são duas',
repetiu que eram duas
e eu fiz uma cara que é igual essa mesma que eu tenho de curiosidade
curiosidade que não acaba
nunca
'você tem uma tempestade tatuada nos olhos'
foi isso que ele disse
e eu
pisquei
capítulo 2
capítulo 3
'tu não te moves de ti'
não é coisa pra se tatuar nas costas
não é à toa que ela escreveu no papel e não na pele da garganta [embora]
dependendo da posição não é fácil pra um cara comer uma mina
com um peso assim se impondo a cada investida
forte
mas tá lá e em letras caligráficas e anônimas e
agora tenho que conviver
com isso de tirar a roupa e tal
é quase como ter três peitos ou duas vaginas e mais um tanto
de explicação
é por isso [também] que decidi fazer sexo só:
1. se for inevitável
2. preferencialmente com mulheres [porque mulheres a. não são derrubadas facilmente e b. sabem fazer filosofia de verdade]
3. com tatuadores
mas esse 3. aí surgiu só agora e eu ainda tô pensando se
mantenho
tô pensando
pensando
pensando
enquanto prolongo o tempo dessa picada
[do livro tatuagem: mínimo romance. Patuá, 2016]
fabulinha comum
e pra encurtar a história porque os inícios se repetem desavergonhada e preguiçosamente na ponta do lápis, estamos no ponto em que depois dos encontros ocasionais começaram os frequentes e tão logo a flor se apaixona na altura frenesi do colibri. e ele também porém razoável que ela da terra e ele em azul, raiz no verso asas, pés no chão e ele arrastado pelo vento. mas ela surda tapava todos os poros das pétalas não e não gritava no desespero da primavera ardida toda molhada da chuva. me leva contigo peregrina flor cigana sem tempo pra semente na cabeça nuvens e ele paciencioso explicava o beabá das flores diferindo daquele dos pássaros errantes que ela tão certa. mas a flor descabelada de malmequeres sonhando astrologias tantas verões na itália inverso suíço e esqui. ele shakesperiano romeu e julieta como argumento dramático. ela só sabia o amor polenizando literatura. então numa noite de lua ela esperou a manhã e seria pra sempre a despedida. ele acordava para o último beijo. então que sim a beija e a flor se agarra ao bico com todas as pétalas e ele não há que fazer batendo forte as asas cuidadoso de não machucá-la. mas ela a flor descontrolada tragédia em língua inglesa. até que ele faz o movimento fatal e investe em voo afiado pra cima. avante e de uma vez. ela colada a ele toda a força do universo conspirando pelo amor. então que a flor agora rasgada ao meio despedida da sua haste. o cálice verde dando voltas abraçando apertado ao bico. e quando já não mais se vê o chão ela ri festejosa de seu voo paralítico. o beija-flor chora alimentando de veneno sua mudez. as nuvens agora os encobrem na sombra. dói-me o pescoço olhar pra cima por isso me ocupo descalça dos canteiros. uma fabulinha comum nos jardins... não sei o que o destino lhes reservou. nem arrisco dizer que foram felizes. mas quem já foi?
a história de martina
quando eu era uma xícara ele me encheu tanto que quebrou minha asa. aí me colocou na gaiola e pendurou na janela. o dia corria pra lá e pra cá enquanto a boca da noite não me engolia. vivia sonhando café quente passado na hora e ele lá contando alpiste. demorou mas um dia no espelho olhei bem pra essa minha cara de porcelana rara e saquei que já era tarde demais pra pular. voar também não dava. então fui andando mesmo. sem pressa. equilibrada em cima dos saltos. alta. e ele apequenado teve de calar o bico e sem dar um pio começar a juntar os próprios cacos. não voltei pra ver se conseguiu. fui tomar um expresso.
[do livro 9 janelas paralelas & outros incômodos. Dobradura, 2016]
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