©daniel vazques 

 

 
 

 

 

 

 

SÉRIE MALDITOS

 

NUMA ATMOSFERA FANTÁSTICA

(para Quiroga)

 

 

Numa atmosfera fantástica

— tarde fria

feito natureza-morta retratada,

a póstuma família suicida

observa

— olhos atentos,

mudos,

congelados,

a galinha degolada no terreiro

que esperneia

sem bater as asas.

 

Horácio Quiroga

(após a agonizante cena do galináceo)

interroga:

"Perséfone, o que significa tal maldade?"

(seria um presságio? Um aviso? Um fato?)

Perséfone responde:

"Horácio, não há maldade.

A vida é a tua arte-sorte:

o câncer,

o cianureto,

o amor,

a loucura,

a morte."

 

 

 

 

 

 

ENSAIO SOBRE O INEVITÁVEL ISOLAMENTO

(para David Ribeiro e Fernando Naporano)

 

 

Ao som de Astor Piazzolla,

meu ser se isola

com o espectro de Anne Sexton.

 

Divido com o mundo a desolação de Nick Drake,

o ardor dos lábios incendiados

num beijo de despedida.

 

Sei da fragilidade humana:

a necessidade involuntária de outro corpo,

de espaços,

de recíprocos.

 

Sei, sim, da fragilidade humana...

Por isso, contrario.

Permaneço ausência,

silêncio,

solidão.

 

 

 

 

 

 

PORQUE OS FARÓIS TAMBÉM PERECEM

(para Dylan Thomas e Bruno Baker)

 

 

Ter o riso ornamental

diante da arte taciturna

(impetuoso mar delirante ante as cinzas do cadáver ancestral)...

 

Sentir a carne ainda ligada ao osso

— a pele: pomposo invólucro —

para tornar perverso o toque púrpura

no corpo.

 

Os olhos de peixe (como sem pálpebras)

arregalados,

contínuo susto,

pupilam os montes as curvas as tumbas

as lápides:

 

uns rezam

outros jazem.

 

Gélido refúgio ou ilusão do perene

, o envelhecer

das tardes.

 

 

 

 

 

 

TESTAMENTO

(para Isidore Ducasse e Evaldo Guimarães)

 

 

Os crânios amontoados no canto

esquerdo do olho;

clarão sobre os despojos

— desbotadas pétalas lacunares...

 

O que foi dito está dito.

Fica gravado:

tatuagem Inca,

nódoa no vento,

testamento vivo aos futuros mortos

dos que aqui

passados serão.

 

Os crânios...

Iluminação à Georges De La Tour

holofoteando o mofado canto (paredes manchadas)

— baú de couro

de lembranças

de pretéritos

de ossadas...

 

 

 

 

 

 

A FLOR QUE FITO

(para Tristan Corbiére)

 

 

A flor que fito

distante

no fátuo eflúvio do horizonte – fovismo,

sinestesia provocante-canto-de-sereia,

é abismo:

ilusão desnorteadora do tangível.

 

A flor que fito

errante

fincada na ferida a fogo a ferro

(lágrimas de sangue e um berro)

, pela pétala de brutalidade instigante,

torna-se

num sopro paradoxal

singular suave bela...

Tão bela essa flor mutante!

 

A flor que fito

descomunal

habita a visceral entranha:

tamanha é a força instintiva primal

fricção carne-carne

afago que arranha

fluido corporal.

 

A flor que fito

embevecida

também fede também cheira;

nãoé Amor

nem flor amarela.

 

A flor que fito

— nudez-mais-que-merecida —

não é Vênus de Milo;

só o sonho revela.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Francisco Gomes, outrora Cleyson Gomes, (cor)rompeu a existência em 1982 no arcaico município de Campo Maior (PI), mas fixou raízes na provinciana Teresina (PI), onde habita desde os sete anos de idade. Iniciou as faculdades de História e Letras/português, abandonou ambas. Publicou os livros Poemas Cuaze Sobre Poezias (FCMC, 2011) e Aos Ossos do Ofício o Ócio (Penalux, 2014). Admira a carência orgulhosa dos gatos e a tranquilidade dos jabutis. Adora fígado acebolado.

 

Mais Francisco Gomes (Cleyson Gomes) na Germina

> Poemas