©denis kulikov

 

 

 
 

 

 

 

No beto carreiro eu vi um macaco que ria

 

 

desculpa se eu quebrei

o protocolo das fodas

casuais

 

mas você voltou

pra pegar o livrinho amarelo

do ferlinghetti

e os passos no andar de cima

misturaram-se

com filas quilométricas

de turistas e meninas em camisas

suadas muito

escritas

 

— é que você não

é gorda

é que eu pensei em sons

que já não lembro mais na volta pra casa

e em objetos

pequenos como peras

fatiadas

e na obesidade infantil

e em você criança

sendo tirado à força dum torneio de xadrez

porque esse método de não pensar em nada

por mais de três vezes ainda é o melhor método,

pra mim

 

é uma reflexão

pra concluir

depois dum filme

do hal

hartley

— é horrível —

são meditations

for dummies

são sempre os mesmos

lugares

mas melhor seria o filme

em que você descobre a bola

fugida da altinha na praia numa tarde

primaveril

e a devolve ao corpo

esguio de adolescente

marrom com gotículas

de sal, suor

& força

tal foi minha surpresa ao encontrar

entre os edredões de uma bebedeira

uma carta celeste e as 7 marcas

da porradaria.

 

noutra,

a cidade vazia

espera

há três dias

a carne

apodrecida de fukushima

 

— somos todos cúmplices

dos mesmos problemas

mecânicos

saindo de santa assim tão

cedo

 

ou tarde

 

ou quando

a luz do pipoqueiro ilumina

dramaticamente

um rosto cru —

 

existe a distância

e existe o tempo

existem mulheres que são mulheres

e ainda rochas

e paisagens

e tudo mais que se desentranha

da tarde

 

como quando você comia repolho

e escavava poemas

que diziam que era assim mesmo:

há amor, às vezes

 

 

 

 

 

 

Conceição

 

 

eu apago a luz do jardim

e fecho as persianas

 

a lagoa lá longe

com suas colunas de luz

 

e a moldura das árvores

que sucessivas gerações

 

de pássaros

        

plantaram

 

com seus cocôs

 

a figueira enraizada

o sublunar esquecido

na varanda

 

eu apago a luz da garagem —

alguma coisa aconteceu aqui

 

nos pedalinhos alugados

nos pés cortados

nos mariscos

        

eu que aprendi sozinha

a deitar em pedras

que sempre acomodam bem

as costas cansadas

 

eu que nunca tinha pensado em voltar

 

até sentir de novo

as curvas

lentas

das pedras quentes

e cheias

de líquenes

 

guardadas por rochas maiores

em suas coroas de bromélias

e barbas de velho

 

nossas peles secando ao sol

 

— fechamos a casa e apagamos as luzes

 

fomos felizes ali

é claro

que podemos voltar

 

mas não se dirige portão adentro

no colo dos pais

pra sempre &

 

seu pimpa

tinha razão

quando dizia

 

"tudo isso, menina,

é pinto

se comparado ao pedaço de terra entre o oceano atlântico

e a lagoa da conceição

onde tu vais ser criada…"

 

 

 

 

 

 

Músculo

 

 

No viaduto fantasma

sobre o mar escuro

e revolto de espuma

brilhante feito foto-

grafia antiga ou

assombração onde nada

além da música cantada

na apresentação de inglês

da quinta série existe

contraíste

o tempo todo

o maxilar, os redemoinhos

que tens no peito e o deslocamento

das massas de ar, à memória do mar

feito um príncipe submarino –

 

Se no distrito das águas

ou em Pentney Road

we didn't die of boredom at all

é porque existe ou existiu um girassol

o tom terroso da vegetação ao redor do farol

tua predileção por grão-de-bico e Di dançando

porque finalmente há ritmo. Se nós não morremos de tédio

é porque existe o fluxo das fragatas

e se Deus

não for o fluxo das fragatas

eu não sei o que mais poderia

ser.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Catarina Lins nasceu em Florianópolis, em 1990. É autora de Músculo (7Letras, 2015).