nove mistérios desdobrados
"I"
do mar catalão ao catarinense,
dos meandros à foz
e suas mortes —
que as jangadas levem
o que não mais nos pertence
"II"
Selene;
frente ao desejo de espumas de Ana C.
você a sonhou
sereia de cauda plúmbea
mas escava sua morte
na hipotermia das águas
que seu orgulho
transformou em tanque
o controle destruidor dos símbolos do prazer
ecoa entre espaços que imperdoáveis
silenciam em repetição
sonhos de
repetição
o mar arde o sangue dos cortes
no entanto renasce
rastejando pelas areias
com o rio que a criou
"IV"
quem se apaixona pela lua
no oposto do que dizem
dorme eternamente
cada despertar
desprovido de memória onírica
se levanta em luto
por uma vida pela metade
adiante, Endimião,
peça às mulheres os fios da tessitura
para salvar suas constelações
"V"
o vento vem das dunas
açoitando as costas
porque caio ao mar
tendo bebido em terra
e então choro, me curvo,
eterna serva dos fluxos —
que o ramo de arruda
não se despedace nunca
ao contrário do que fiz
como defesa às flores
que me deste antes —
com os ombros vermelhos,
a pele ainda queima
embora sempre úmida
nesta ilha onde sorrio
para superar em suor
histórias natimortas
em constante ressurreição
do sonho ao despertar —
que as seivas passadas
não intoxiquem tanto
neste cultivo
de raízes no exílio —
(silentes frases,
aqui vemos gaivotas)
"VI"
pedra que rola não cria musgo
árvore torta morre por fungo
— o mal cresce entre as dobras —
somente renasce quem se areja
ao sol se oferta e se prostra
— areia que somos do cosmos —
lançados pelas mãos de Varuna
"X"
— os exaustos se repetem —
tragam o entulho e a poeira
de seu contínuo desgaste
e só expelem desespero
em suas risadas e gestos
decaídos entre cinzas
— cadáveres em transe —
pobre substrato entrópico
"XII"
da pequena fonte
em meio ao movimento
entre lojas e paredes
irrompe o rumor
dos ventos costeiros
quando vimos
as rígidas rochas
com seu constante
peito aberto
rota de baleias
e nós, tão frágeis,
enredamos traumas
como diamantes,
cercando os atos
já dispersos
habitantes apenas
dos sons e cheiros
mas ainda pisam
pelas areias
das praias
que nunca
soubemos
deixar
arpões fincados
entre as costelas
ocres escorpiões
deslizam leves
quando sentem
que desfiamos
as repetições
prontos a cerzir
novas costuras
daquele tecido
que sabemos
de onde veio
entendem que ali
não é sua terra
assim como nós
deixamos anéis
as mãos mansas
para catar conchas
onde ouviremos
o soar da bússola
"XIII.I"
j;
singela
cimitarra,
águas
passadas
não movem
moinhos
— assim,
corte–nos
os sentidos —
que vedam
a travessia
pelo espelho,
presos em mágoa
de jarras furadas
agarrados ao barro
de um mundo
que deve derreter
— corte–nos
as cascas —
ainda que caiam
largos pedaços
do que fomos,
ouçamos o uivo
do grande alento
ao ser de hoje
em seu rumo
"XIII.II"
nenhum corpo
pode comportar
o mistério cósmico
os dias e noites
de Brahman
o amante é vórtice,
ponte e abismo,
mas nada além
de um mensageiro
através do qual
nos traduzimos
"XVII"
ainda que hoje tenhamos
calcanhares em carne viva
as asas de Hermes levantam
do cerne de seus tornozelos
|