©archie hamilton

 

 

 
 

 

 

 

O desmatamento da alma

 

 

Hoje estava difícil de pegar no sono,

Quem diria uma vez mais enfrentar a estrada.

Calejada é a alma e o dom da palavra;

Quem diria; antes tudo hoje não diz nada.

Ouço vozes que partiram no vazio,

Vejo rostos que traziam novas histórias,

Tomo vinho numa taça e parece água,

Toco o corpo da amada que já foi embora.

Sinto-me bandeira em dia de domingo –

Baioneta pronta pra uma nova luta armada,

O hino que desfila em cada corda atrai vitória

Que é certa como o circo que já foi embora

E transforma o menino em homem feito e vivo,

Cada acorde é sentido e subentendido,

Toda letra é espelho do que já foi feito

Nessa terra que um dia sonhei ser perfeita.

Quem dera vida ser baile de sexta-feira,

Ter par certo esperando na hora marcada,

Perceber em cada flor aroma de desejo,

Em cada pétala roubada novo aprendizado

Mas, a lição que a vida emprega é cruel e triste:

A fatia desse bolo não é para todos,

O tiro muitas vezes sai pela culatra

E o ouro desejado é ouro de tolo.

Nesse teatro o palco quase sempre está lotado

Cada cor tem seu papel e nobre espaço,

Na plateia todos querem ser estrela,

As cadeiras vazias anunciam o fim dessa bonança.

Os tijolos dessa Igreja ainda estão quebrados,

Cada linha do teu livro soa tão amarga,

A confusão que se procede à verdade assusta,

Quero uma bailarina que me conduza.

Mostre-me que todo amor supõe ser verdadeiro,

Todo sangue derramado não é por acaso,

O suor que escorre lento da testa dos justos

É esforço que no fim será recompensado.

Mostre-me que ser honesto ainda é virtude,

A bondade é cobertor e ainda aquece.

Mostre-me que a justiça é cega e liberta

E que essa liberdade não é para poucos.

 

O que é que queima mais que gasolina?

 

 

 

 

 

 

*

 

De repente fui tomado como por acaso,

Mera introdução de algo errado.

Queria ser final feliz de ato insensato

Mas, sou estilhaços de vaso quebrado.

Não me diga que "o certo rima com o errado",

A tempestade de hoje é obra do acaso,

Há poesia em todo canto e o canto é sagrado...

Não há nada que conserte algo tão incerto!

Se o incesto que ocorre é proibido

E o aborto da questão, sopro do pecado,

O que diria da palmeira ao vento na avenida

E o sonho de sereia amaldiçoado?

Das noites claras e obscenas quase sem sentido,

Dos amigos e "amigos" cheios de favores,

Do veneno servido em taça de cristal

Produzido e engarrafado em fundo de quintal?

A voz que sai é presa, seca, lenta e tenta tanto

Produzir algo de bom em todo encontro,

Mas quis a vida que o banquete fosse dado aos ratos

E o tolo se servisse das sobras do prato.

O tempo toma tanto tempo e nosso tempo é curto,

Um mudo xinga um soneto e só um surdo escuta,

Cruzar a linha do absurdo é tão perigoso,

Improvável que se possa ver o outro lado.

Plantaram árvore em terreno que é condenado,

Condenaram a verdade a pegar atalho,

A falsidade se esconde em cada sorriso,

Cada abraço, cada ato feito ao acaso.

Feliz de todo estado que somar cidade,

Achar que tarja preta é necessidade,

Descobri que falsificam tanto sentimento

Em prol da massa unida, a massa do momento.

Diga-me que cada gesto é abençoado,

Todo desejo puro será realizado,

Cada passo no asfalto não será em falso,

Cada tombo, cada soco é parte do passado.

Diga-me que quem perdoa será perdoado,

Todo jogo só termina no último ato,

Diga-me que foi fiel quem; à beira do abismo,

Abriu os braços e pagou por todos.

 

Quem é que dança mais que bailarina?

 

 

 

 

 

 

*

 

Ainda espero como espera alguém pelo trem

Que nunca vem e quando vem já está lotado,

Que entendam que não posso viajar sentado

E não espero que aplaudam ao estar calado.

Não leve tão ao pé da letra os cacos do espelho,

Nunca diga tudo num Confessionário,

Não comece a segunda com o pé esquerdo,

No domingo o orgulho estará machucado.

Muito tarde pra mudar o sobrenome,

Virar santo, ter um filho e morrer de fome.

Muito cedo pra nadar em poço de petróleo,

Ser vendido, ter vizinho e já saber o nome.

Todo o gado está marcado e foi alimentado,

Toda raiva faz sentido e o gosto é caro.

O perfume é barato e o rosto, lindo.

A vaidade é vendida em uma estrebaria.

Que esnobe o meliante que não aceita restos

Do que vendem de melhor nessa casa nobre!

Quantos cegos necessita no seu castelo

Pra que veja que o escravo almeja a sua terra?

Quantos dias têm seu mês e como gasta as horas?

Quantos nomes desconhece e quantos fazem falta?

Quantas pontes já cruzou e quantas cruza agora,

Quantas portas, quantos becos pelo mundo afora?

Quem dera ter da esperança endereço certo

E; por pura coincidência, ser perto de casa

E entre as casas não haver cerca que separe,

Mas; onde os carros passam não nasce mais nada.

Toda ofensa nessa tribo gera algum desfalque,

O traje usado na alvorada é um imenso ultraje,

A convenção dessa matilha foi iniciada

E hoje a fome é desmedida na maçonaria.

Se soubesse o que era espinho no meio da estrada

Pegaria outro caminho na volta pra casa.

Quem sabe dessa dança o seu passo certo

Dança até de salto alto e corre de chinelo.

Ainda espero ser visita e ter tapete persa,

Ser desenho e ter motivo pra mostrar sorriso.

Faço prece que a lágrima seja entendida,

É presente e foi passado para uns e outros.

 

O que é que brilha mais que diamante?

 

 

 

 

 

 

*

 

Valorizo o enlatado desse supermercado,

Vem em engradados de grandes possibilidades.

Tudo nessa fábrica vem com código de barras

Ou com marca de nascença, tudo planejado.

Busco sentido no insensato,

Dou espaço ao ingrato,

Se razão em manicômio é dissonante,

Desperdiço a sanidade de forma insensata.

Tudo soa original

Ao mal-acostumado,

Tudo soa secreto

Ao despreparado.

Tudo o que era mensagem foi apresentada

Ao delegado do bordel alado

E a passagem do sonho foi desvendada

Ou o delegado está enganado?

Esperam sentados os que sabem tudo,

Supõe-se que nasceram predestinados.

A arquibancada está vibrante com os pés de barro,

Com toda a ração doada pelos abastados.

Já vão longe os que se acham donos

Dessa terra onde o cordeiro foi sacrificado.

Do pecado que escorre pela montanha

Nada é mais valioso que o sangue novo.

Assunto velho em jornal velho!

Será velho o assunto se mudar a capa?

Tudo o que foi falado é escrito,

Tudo o que foi noticiado é relatado.

Escrevo o que vejo,

Grito porque vivo,

Vejo o que sou,

Sou o que escrevo.

Tenho agora semente do que era sonho

E quase sei o resultado da nova etapa.

Toda busca é sacrifício e é necessário

Que se aprenda a levar tapa mais do que se bata.

O indigente se alegra com a jaqueta nova,

A meretriz se contorce na calça de couro,

O bêbado se afoga com café quente

E todos fazem parte agora do mesmo corpo.

 

O que é mais quente que o corpo da amante?

 

 

 

 

 

 

*

 

Ansioso de fim de mundo,

Analiso vitrais de casas abandonadas.

Manequins são isentos de culpa,

Únicos a emocionar esse vagabundo.

Os quadros mais caros foram rasgados,

Os bordéis mais baratos estão lotados,

Os sonhos mais lindos foram esquecidos,

Os passos mais largos foram dados.

O que assola essa cidade é o seu estado

Que transforma qualquer coisa com o toque.

Que força responde a um estalo

O que é belo, mas já não mais comove?

Achar que é magia é heresia,

Achar sentimento nesse momento,

Achar saída no fim do dia

É quase apaixonar-se pelo sofrimento.

Como criança com brinquedo novo

Costuro o meu dia e imagino um acordo,

Procuro nas esquinas o sonho

Prometido durante meu sono.

O que é que se esconde há tanto tempo?

O que é que se permite há tanto tempo?

O que é que mata sem ressentimento

E ainda propaga todo o esquecimento?

Comoção não se vende com facilidade

E a ilusão é inimiga em qualquer idade.

Tudo o que um dia foi vantagem

Foi vendido com a própria virgindade.

Vou furar os olhos em homenagem

Dos que se foram pelos outros.

Vou escrever uma canção e exaltar a guerra,

Esperar que reconheçam os corpos

Que apodrecem nesse imenso campo

E todos os entes queridos e seu pranto.

Aos poucos se perde todo o encanto,

Tudo o que era pra ser santo!

O que é que me provoca terremoto?

O que é que me corrói todo por dentro?

O que é que desmorona o meu mundo,

Tudo em apenas um segundo?

 

O que é que pesa mais que todo o ouro?

 

 

 

 

 

 

*

 

Enquanto alimento ideias em meu sofá,

Fumo lembranças de um passado.

Invento tragédias inteiras no meu caderno,

E aprendo; na marra, a dançar tango.

O cemitério só acolhe o cliente certo,

Os mortos sempre acham que estão no salão errado,

A tumba que se fecha com certo atraso

Leva embora todo tipo de ira e descaso.

A mentira é moradia do covarde

E mais fácil de ser disseminada,

A distração preferida entre os sem-teto

E também daqueles que não tem mais nada.

Um aviso do síndico, nesse momento, é dado:

O tímido é besta e cínico,

Cola frases pelo teto e todos os lados

E espera ser justificado.

Volto agora ao tema que freou meu sono,

Não espere que eu seja limitado.

Pode-se beber aos poucos pelo gargalo,

Não deixe que escoe tudo pelo ralo.

Já não faz mais diferença essa idade,

Já não há vaidade,

Já não há espaço na sociedade,

Nem ao menos data de validade.

A educação do infeliz deve ser testada

Para que não espalhe a piada errada.

A noção de realidade ainda é exata

E o preferido da dona-de-casa é comida em lata!

Escolhas feitas podem ser desfeitas,

Caminhos podem ser evitados,

Cada exemplo serve de aviso,

Cada trilha tem o seu perigo.

O pastor que prepara o jantar noturno

E oferece a própria cadeira ao convidado

Honra o nome que lhe deram

Todos os justos e os desviados.

Nosso problema foi solucionado?

O início da aliança foi abençoado?

O tributo está pra ser mostrado,

O sol que nasce hoje é fruto disso tudo.

 

O que é que vale mais que um tesouro?

 

 

 

 

 

 

*

 

Meus olhos, nesse instante, vão à deriva

Vasculhando os escombros desse espaço

Na esperança tênue de chegar à tua ilha

E desbravar teu mundo nesse mapa

De valiosas possibilidades,

Sinceras raridades,

Grotescas vaidades

E famosas disparidades.

O barco está em mar aberto

E não sabe bem qual o rumo certo.

Passa longe a vontade de pedir socorro,

A ousadia é combustível dos outros.

A linha torta no oceano não se discute?

O ponto cego no vazio que me perdoe!

O que anda atrás da linha do horizonte

É desenho de algo que se esconde.

Se houver algum sinal que oriente,

Mostre-me o caminho do Ocidente,

Acompanhe esse desacostumado

A navegar sem bússola nesse mar imenso.

Meus olhos estão doentes

E a cegueira de espírito é permanente.

Dores no corpo são persistentes,

Não há palavra para o que se sente.

Não há ilha, não há lado,

Não há salvação, não há lodo,

Não há nada, não há lama

Não há mais Dalai-lama.

O que resta da viagem é sobra,

O que resta na bagagem, resto,

O que resta já não faz falta

E todo o resto sobra.

As ondas são seguras,

Batem com violência nesse casco.

A única certeza é o naufrágio,

A tempestade põe o barco à prova.

Esse mar é inimigo,

Esse mar é inimigo do ar que respiro,

Esse mar que me sacode sem aviso

É meu amigo, meu próprio inimigo.

 

O que é mais amargo que o sono da verdade?

 

 

 

 

 

 

*

 

A festa teve início

E o salão, no momento, está lotado.

Os olhares indiscretos, furtivos

Dançam junto aos desajeitados.

O trigo apodrece na sala ao lado,

Corvos dão sutilmente o seu recado,

A ceia é servida após a meia-noite

Para que celebrem todos os fantasmas.

Os espelhos não refletem nada,

E os cacos passeiam pela sala,

O sangue que gela minhas veias

É o que aquece toda a corja.

Nada que diga,

Nada que tente,

Nada que faça,

Nada adianta.

Começa agora o ensaio da loucura,

Tudo o que, um dia, detestava.

Considere ridícula a tentativa

De tornar verdade uma mentira.

E se quero que me veja...

E se quero que me escute...

E se quero que me entenda...

Que a chance não me abandone.

Do soro dessa seringa

Eu já sou da família.

Eu sou o "acaso" de todas as festas

E sempre o último convidado.

E se o soro acaba como é que fica?

E se o soro estraga, como é que fica?

E se o soro é vida, vem com demora

E é assim que me namora.

Não deixo que o sabor de derrota

Camuflada com menta e, às vezes, hortelã

Ache quarto arrumado nessa casa

E seja visita indesejada e constante.

Que seja tudo escrito,

Que seja bem-feito,

Que seja outro caminho,

Que seja bem-vindo.

 

O que é mais justo que a própria liberdade?

 

 

 

 

 

 

*

 

Agora tempo é puro desperdício.

Vem cobrar cada centavo a cavalo,

Chega mansinho, pedindo abrigo

E conta os passos já dados.

Que sirva de elixir o marasmo,

Seja aviso-prévio o recado,

Sirva de conselho o boato,

Asilo político nos meus braços.

Já não há tesouro quando aperto o passo,

O relógio foi enterrado.

O remédio era tão fraco, nesse caso.

Toda tosse é prenúncio de resfriado?

A doença fez efeito?

A pobreza é defeito?

Há proeza no consenso

Que loucos têm sobre bom-senso?

O recado foi passado e eu me acuso

Que desse crime sou culpado.

Mas, compaixão e algum cuidado

Pelo iniciado em todos os pecados.

Há algo pior nesse mundo

Que a sorte ser prima da morte?

Há algo que realmente valha a pena?

Talvez lucidez, alma serena.

Agora assaltam meu direito de respirar

O pouco ar que ainda existe nesse parque,

E assegurar promessas e poemas

A alguém que venha a ler; quem sabe, um dia.

E o sono já me ataca!

Estraga-me, sinceramente, o dia

Em que se rebelam os desejos

E o resultado é a sarjeta.

E se a madrugada é piada,

O palhaço está de folga essa semana.

A dureza dessa carne é acostumada

E faz hora extra em casa mal-assombrada.

O que ocorre na penumbra é a mordaça

Que me cala e cala o mundo e ameaça

Com desaparecimento de celacanto

Quem confunde barítono com soprano.

 

O que é mais doce que o gosto da vingança?

 

 

 

 

 

 

*

 

Se me abraça desejo de ser desenhado,

Rabisco em paredes de concreto,

O incêndio é criminoso

E não há quem apague o fogo.

Ainda os mesmos desejos

E, claro, os pecados.

Estranhos os ensejos

Que levam ao acaso. Acaso?

Pago o preço da passagem

E convido pra jantar um esfomeado,

Assino com o nome de um desconhecido

A conta do homicídio nesse ninho.

Que brilhe o canto,

Seja encanto,

Domine o espanto,

Não seja reles por enquanto!

Talvez seja engano

E a (in) certeza, um erro.

Talvez haja mesmo movimento

Em prol do ego no momento.

Dos nomes em contexto,

Nomes usuais antes do surto,

Rimei obsessivo-compulsivo

Com pedinte, vagabundo.

Não há perigo antes do tema,

Nem pecado antes do ato,

Nenhum soluço,

Tudo é perdoado.

Pecado é o medo de ser

Livre, inusitado.

Medo de engolir a seco,

De trazer sujeira ao lago.

O desfile dos filhos bastardos

Que fugiram de casa

Começou antecipado e se tornou surpresa,

O arrependimento foi em massa.

A palavra foi entregue

Deturpada,

Receita em becos

Onde o desespero fez do medo, reino.

 

O que é mais forte que um fiapo de esperança?

 

 

 

 

 

 

*

 

Espero agora boas notícias,

Cansei de ser intervalo.

Conto os dias, as horas

Quero uma rima nova.

Outra tentativa, quem diria

Do maltrapilho, há quem duvide

Do recomeço não esqueço,

Pergunto-me se é o que mereço.

Dos expulsos desse aquário

Não há sequer notícia, ao contrário;

Sua existência; parece, foi um erro,

Um simples capricho do destino.

Quem decide o que?

Quem sabe o que?

De sucesso e fracasso entende

Quem morre engasgado com patê e caviar.

Nessa cadeia não há espaço,

Está superlotado

E brotam como flor pelo chão

Sem nenhuma ilusão.

Quanto vale as migalhas do pão?

Onde fica tua verdadeira morada?

O que escapa entre os dedos?

Quem alimenta o gado?

A flor mais bela causa espanto

E mesmo quando espanca tem valor.

Todo mundo quer um naco desse mundo

Seja pasto ou poço imundo sem valor.

Em todo caso, é promissor o presságio

E se é também severo, espero

Que seja austero o compromisso,

E tão sereno quanto sério.

Enfim, o tempo é um desdentado

Paquerando uma menor de idade

Que carrega o indesejado

Por baixo do pano.

O que cega o sono e chama

O mais vil dos caprichos e engana

Tão belo e precioso sonho

E o transforma em pesadelo?

 

O que é mais fina que a linha desse tempo?

 

 

 

 

 

 

*

 

Assaltaram o relato do transtornado,

Fã de tudo o que é passado, revolucionário

De boteco de segunda, de esquina,

Imitador barato de Picasso.

Quase esboço um sorriso,

Quase peço um abraço,

Quase morro de amores,

Quase peço mil favores.

"Pretensioso", diriam emocionados

Pivetes viciados em cola de sapato,

Futuros políticos desse país

Que morreu enforcado com Wladimir.

Desleixado; eu admito,

Vaidoso; concordo,

Sobrevivo do investimento,

Esperança é apelido.

Ah, Que desgraça foi essa em que me meti

De sonhar que acordava satisfeito

Com o que acontecia e nem notava

Que era a mais linda das ressacas?

Vou fazer um muro com as garrafas,

Esconder o rosto como os terroristas,

Fazer de conta que me arrependo,

Fingir que adotei um mea culpa.

No fundo, não sei nada mesmo.

Sempre voto em tubarão errado

E percebo que o vizinho é mais educado:

Seu barco foi queimado.

Quem é o tolo?

Quem é o besta agora?

Quem acusa o boneco do ventríloquo

De estar sendo manipulado?

Agora, um pouco de repouso

Numa grande casa de campo

Repleta de árvores em volta,

A própria majestade.

Já que fugiram de mim os minutos

Sem constrangimento algum,

A quem culpar pelo assalto

Se não apenas eu mesmo?

 

O que é mais grave que a falta de bom-senso?

 

 

 

 

 

 

*

 

Todas as folhas estão rasgadas

E as árvores cortadas.

Nada impede o progresso,

Dessa desordem, desse retrocesso!

E tudo que foi prometido,

Que foi comentado,

Tudo o que foi roubado

E dividido, espalhado?

O sentimento é de impureza

E o paradoxo; não há tristeza.

O sentimento é de lua:

As vezes riso, as vezes rua.

A ironia abraça a namorada;

A apatia, eterna convidada.

Rebeldia, sua nova amiga,

Está para ser homenageada.

O berço dourado está quebrado

E dessas grades não há volta.

Agora que foi dado o primeiro passo

A decisão se divide: livre-arbítrio.

Cada passo conta,

Passo de compasso.

Cada novo passo;

Marca-passo.

Um cristão na beira do precipício

Vê as coisas como elas são:

Ninguém entende o suplício,

O que vale é a largura do sorriso.

Quanto tempo de olhos vendados?

Quanto tempo sem resposta?

Quanto tempo vaguei em coma

Mesmo acordado?

O sono; induzido.

Pelo inquilino que não sabe nada

Cobra imposto do meu erro

De nem sempre entender tudo que vejo.

Moedas são guardadas em bolsos furados,

Bebidas são servidas em copos usados,

Tudo está enferrujado,

Ando em corpo emprestado.

 

O que é que custa mais que toda dor?

 

 

 

 

 

 

*

 

Na saudade que hoje sinto não há engano,

As lágrimas; na verdade, são em excesso.

Aguardo ansioso o recado

Das entranhas desse mundo e também do outro.

Perco-me aos poucos e não esqueço

Das promessas, dos erros.

Das vezes que morri e das que estava acordado,

Das vezes que lutei; das que fui derrotado.

Do desfile participo

Muitas vezes emocionado; concordo.

Com os lábios ressecados, balbucio:

_O que me aguarda?

Datas de aniversário,

O resultado do sonho,

O sono eterno,

Um conto natalino, quem sabe!

Talvez escreva

Enquanto o sol se põe.

Talvez o entendimento seja precário,

A esse operário desacreditado.

Aos poucos acordo,

Recordo,

Aos poucos volto

Ao meu estado de letargia social.

O terno que hoje visto é emprestado

E o perfume que o impregna, barato.

As flores que perguntam o meu nome

São como a vontade que me consome:

A vontade de calar todas as bocas,

De falar todas as coisas,

De amassar todas as folhas,

Apagar os pecados...

O nó dessa gravata é apertado

E há quilômetros entre o telhado e o chão.

Também incomoda o nó na garganta:

Um segundo de hesitação.

Um espelho se revela em minhas mãos,

Meus pés se embebedam com o chão.

No espaço de um segundo

Surge o som do trovão.

 

O que é que vale tanto quanto o amor?

 

 

 

 

 

 

*

 

O passageiro é resgatado sem sentidos,

Encontrado desacordado nas ruínas

Do marasmo, do sarcasmo, da hipocrisia

De uma vida vazia.

O convite é feito quando já não havia

Esperança de sair dessa cova rasa,

Sacode o pó que fez casa nas mangas

E investe numa insistente nova proposta.

O suplício é conhecido e fadado

A morar sempre no mesmo endereço

E não importa adereço

Que mude esse contexto.

— pobreza —

Esse templo profanado;

Antes respeitado,

Ainda conserva a estranheza

De guardar paixão, amor, ódio, tristeza...

Resultado da ansiedade

Trazida da infância.

Nenhum resquício de cura!

Dor na alma estupra?

Pode um dia fazer diferença

Pedir de maneira educada

Que não se matem nas estradas?

Que surpresa deve causar o momento

Raro de sentimento!

Estranheza tem quem busca puteiro,

Encontrou templo sagrado!

Mestre em palavras pobres,

Pobre em rimas toscas,

Pausa para a orquestra,

Palmas ao maestro.

Ah! Quase me perco na tentação

De lhe dar desconto.

Não se esqueça de nosso acordo,

Segredo de cotovelo.

Deve pensar:

Delírio de grandeza!

Nada!

Me surpreenda!

 

O que é que tanto bate quanto apanha?

 

 

 

 

 

 

*

 

Alimento as ideias sem nenhum espanto

E sugo todo o teu encanto.

Nessa Terra devastada

Conduzo com cuidado meu rebanho.

Insinuo uma nova revolução

Enquanto revelo tua essência,

Perco as contas de quantas camas

Conheci na tua ausência.

Indecência,

Independência,

Reincidência,

Penitência.

O poeta é uma prostituta

Que se vende barato nas esquinas,

Tem arrepios na espinha

E depois se acostuma.

Cobra um preço que acha justo

E nem sempre o justo cobre o custo,

Conhece do mundo um pouco de tudo:

Um pouco de lixo, um pouco de luxo.

Eu cresço,

Eu apareço,

Eu morro cada minuto,

Eu vivo em todo mundo.

Nos afrescos de Van Gogh,

Na língua de Frida Khalio,

No inferno de Dante,

Na adolescência.

Eu cuspo um recado,

Um aviso de que estou vivo,

Incendeio uma mata inteira,

Derrubo um edifício.

Eu sumo

E ando sem rumo.

Fumo

E não assumo.

Eu sou inconsequente,

Sou irresponsável,

Sou inútil,

Sou agora um pouco do que é todo mundo.

 

O que é que tanto se perde e tanto se ganha?

 

 

 

 

 

 

*

 

Do veneno desse mundo eu sorvo tudo,

Procuro o gosto

De cada julho, de cada agosto.

Procuro cada pedaço de setembro.

Eu me desgasto e me refaço,

Recomponho-me e me recompenso

Com mais uma dose de outubro,

Em dezembro recolho os cacos

E novamente,

Eternamente

Novembro

Eu deixo de lado.

Eu faço que me desfaço

Por qualquer coisa, qualquer motivo

Mas, no fundo, vivo disso:

Rimar algo com março.

O monólogo perde a graça,

A viúva perde o rumo,

Não há o que satisfaça,

Ninguém escala esse muro.

Mesmo com beijo,

Com sexo,

Mesmo sem jeito,

Sem nexo.

"— Quantos cigarros restam no maço?"

Uma pergunta que me faço

Quase todos os dias

Sem nenhum embaraço.

Dos dias cor de cinza

Surge a resposta

Concisa, clara, objetiva:

É tão rara a poesia!

Todo o tempo eu sorvo um pouco

Pedaços desse mundo,

Me contamino,

Me sujo.

Me faço de surdo,

Me finjo de defunto,

Eu fujo

Imundo.

 

O que é mais frio que o vento no inverno?

 

 

 

 

 

 

*

 

Das drogas mais pesadas

A mais vil talvez seja a rebeldia,

Então, queimo a identidade

E visto uma persona sem hipocrisia.

Eu boto o pé na estrada

E fujo de mim mesmo.

Curo minhas ressacas

No fundo de cada bar que visito.

Faço novos amigos

E crio outros tantos,

Imito Jackson Pollack

E me visto como Allan Poe.

Eu cheiro de tudo,

Eu uso de tudo,

Eu fumo de tudo,

Eu me odeio!

Eu me mato em cada segundo

E aprecio cada momento

Porque me desagrada esse mundo

E me enche de constrangimento.

Eu não entendo

O que me acontece por dentro

Mas, é grande a revolta

E maior ainda a vontade

De arrancar tudo por dentro,

Separar a carne dos ossos,

Destruir todos os pedaços,

E enterrar cada fragmento.

Coleciono fracassos

Em todo lugar que passo,

Sinto como se não houvesse

Meu próprio espaço.

Eu pego o trem noturno

E entro em um grande túnel,

Ouço vozes e sussurros,

Agora ouço tudo!

Convulsiono

Palavras obscenas

Ao mesmo tempo

Em que me arrependo.

 

O que é mais quente que o fogo do inferno?

 

 

 

 

 

 

*

 

Mesmo que a fome seja maior que a boca

Ou que o corpo seja maior que a cama,

Que a doença seja tão grave

E não haja chance de cura,

Mesmo que o grito supere o sorriso

E seja sinal de aviso

Ou que a escada não alcance

E não exista outra chance,

Mesmo que a ferida não cicatrize

E não exista remédio

Ou que não haja mais acordo

Entre a insônia e o sono,

Mesmo que a coroa pese tanto

Que não se aguente o pescoço

E não haja mais nenhum respeito

Entre o rei e o seu povo,

Mesmo que o ciúme seja maior que a razão

E cegue todo o entendimento

Ou que a cegueira seja permanente

E não haja colírio que limpe o olho,

Mesmo que não haja mais respeito

E até mesmo educação

Ou que ainda restem tantas dúvidas

E não haja mais solução,

Mesmo que a guerra seja maior que a união

E não haja mais consenso ou religião

E que cresçam todo o medo e receio

E se alimentem de pura ilusão,

Mesmo que a fúria seja mais forte que a brisa

Ou que a inveja vença qualquer competição,

Que haja tanta insegurança

Ou tanta humilhação,

Mesmo que os tiros matem toda a vontade

E a coragem se esconda na indiferença

Ou a anarquia se alastre

E faça parte de toda crença,

Mesmo assim adormeço nos braços

Dessa noite sem fim.

Meu berço eterno é sincero

E esse sono não termina assim.

 

O que é mais sincero que o pôr-do-sol?

 

 

 

 

 

 

*

 

A visão que me ataca é ladrão da noite

E de súbito, desperto de meu sono,

Então, sábios conselhos surgem,

Apenas escuto:

"Nasce o dia, não importa o que aconteça,

Mesmo que ninguém mais mereça,

Que os sonhos esmoreçam

Ou as virtudes não apareçam.

Mesmo que todas as mães implorem,

Que as crianças gritem,

Que os santos chorem,

Que os mortos acordem.

Mesmo que nenhuma vontade prevaleça

Ou que ninguém mais se esqueça

De toda a tristeza,

De toda a beleza.

Mesmo que todas as bombas explodam,

Que os rios sequem,

A fauna desapareça

E tudo o que importa morra.

Mesmo com todos os desastres,

Os genocídios,

As atrocidades

Ou o que há de pior no mundo.

Nasce o dia, não importa o que se faça,

Mesmo que se plante e depois se arranque,

Mesmo que se consuma de tudo

E, ainda assim, haja tanta fome.

Mesmo que se pense em tudo,

Ou que não se faça nada,

Mesmo que não haja segredo

Ou tenha sido dura a jornada.

Mesmo no campo de batalha,

Na luta pela vida,

Desde o primeiro grito

Ao último suspiro.

Mesmo na riqueza e na pobreza,

Mesmo na saúde ou na doença

Não importa o que aconteça

Nasce o dia".

 

O que é mais belo que o nascer-do-sol?

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Adroaldo Barbosa Jr. Trabalhou como vigia de hotel, cobrador de ônibus, desenhista publicitário, frentista em um posto de gasolina e bibliotecário. Hoje, paralelamente à sua atividade principal como escritor, é funcionário público estadual pelo Governo do Paraná. Em 2004, formou-se em Letras Português/Espanhol pela Unioeste. Em 2009, formou-se em Métodos e Técnicas de Ensino pela UTFPR. Tem uma produção literária bem ampla, onde não há um estilo literário específico. Escreve romances voltados para o público infantil, adolescente e adulto e tem cinco e-books publicados pela Amazon.