desestruturação diabólica

 

 

recebo seu aconchego

quando fuma apressado

na altura branda dos olhos.

 

se puder me reter

não escorrerei nunca

e seus braços serão

meu extermínio supremo.

 

se puder me esconder

não o aniquilarei nunca

e seus olhos serão

minha urna funerária.

 

suas cinzas de cigarros

moram dentro de minha

máquina de escrever.

 

 

 

 

 

 

chama

 

 

é um corpo

uma febre, uma infelicidade.

júpiter cobrirá a lua

em poucos dias,

já é quase um novo mês

e o alecrim cresceu troncho

no vaso de barro cru.

 

hey you,

traga minhas encomendas

afetos de padaria,

delírios irremediáveis.

tranque a porta,

sou bala de goma

e você pode me chupar.

 

se você for escuridão,

dentro de mim

haverá uma chama.

 

 

 

 

 

 

refém

 

 

aqui não há céu

é cheiro de mijo

e gente acamada.

 

há um tubo nasogástrico

e quatro paramédicos zumbis

que me invadem no grito.

 

há um rasgo no tempo

um arrepio endoscópico

minha lágrima é sublime

uma fértil anunciação

de que o pior ainda virá.

 

 

 

 

 

 

heterogêneo

 

 

sou um diamante

sua ostentação

um estampido.

 

sou suas falsificações

das telas do mark ryden

seu garoto de programa

seu taurus titanium dourado

sua putaria translúcida

 

a morte, sua condenação.

 

 

 

 

 

 

aviso

 

 

se você me empurrar feito uma pena / voltarei certeiro feito uma lança. / se você me soprar feito um fósforo / voltarei aceso feito uma flama. / se você se sentir muito engraçado / eu não acharei graça alguma. / se você vomitar no meu tênis / eu o colocarei de molho em ácido sulfúrico. / se você for preguiçoso demais / eu direi adeus.

 

 

 

 

 

 

procura-se

 

 

digo que não quero encontrar

mas meus olhos procuram

digo que me esforço nos desvios

mas o coração teima no retrocesso

digo que darei uma chance

mas meus sentidos são radioativos

digo que não haverá volta

mas daria tudo para voltar no tempo

digo que não gozarei antes

mas, no fundo, não queria estar ali

digo que falta pouco tempo

mas meus sinais de alertas

dizem que continua tudo igual.

 

 

 

 

 

 

dor

 

 

ingredientes:

 

01 escroto cozido

01 coração partido

01 escroto cru

01 pitada de ira

02 colheres de solidão

220 gramas de agonia

¼ de silêncio

½ xícara de saudade

 

modo de preparo: nunca saberemos como temperar a dor. então leve ao forno e deixe queimar queimar queimar...

 

 

 

[imagens ©lucas zoltowski]

 

 
 
 

Stefanni Marion é autor dos livros Inventário (Patuá, 2014) e Temporário (Patuá, 2012). Participou de antologias, teve poema em italiano musicado e poemas em catalão publicados na Espanha. No projeto "Arte na Balada", expôs seus escritos com batom vermelho nos vidros do banheiro de uma casa noturna paulistana. É um dos organizadores e editores da antologia É que os Hussardos Chegam Hoje (Patuá, 2014), entre diversos outros pormenores planetários do universo literário.