Pedras, rosas

 

 

Nesta noite

não te amarei em Singapura

entre as cores da Pequena Índia

e o cheiro que falta

à profusão de perfumes

 

Nesta noite

não te verei em Andrômeda

aprisionada em

azuladas bordas de estrelas velhas.

 

Nesta noite

não te verei em Guadalupe

embora insista em extrair

rosas das pedras.

O que umedece em mim

não são os meus olhos.

 

Nesta noite

não te verei na Praça Sete

onde é negra a roupa da juventude.

Rodas de skate deslizam

em poças de urina

e no meu sonhar todos os teus lábios.

 

Um pássaro grita dentro de mim.

Afundas, indiferente,

na irreparável treva do nunca.

 

 

 

 

 

 

Sobre arder

 

 

Eu sei

Ousei flertar com claridades

Mas sou filha do breu

E agora me recolho

Barroca e contorcida

 

(Minhas frágeis asas de cera...)

 

E ela era um verão

inteiro em minha cama

ardendo

 

 

 

 

 

 

Dança lunar

 

 

O vento lambia

O mar em nós.

 

Eu singrava o mar em ti,

Dilatando os sais

De tuas paredes aquosas.

 

Cristais de areia

Feneciam

Sob as fibrosas esquinas dos joelhos,

Os meus,

Onde mora, inexpugnável,

Das quedas, a memória.

 

Sofrer de ausência tua

Em plena noite

De dança

De luas

Recém-descobertas!

 

Depois que choro

Troco de pele.

 

 

 

 

 

 

Jardinagem II

 

 

O jardim era belo

Visto por qualquer passante.

Visto de qualquer ângulo,

era incrivelmente belo.

 

Tulipas

Gérberas

Miosótis

E cravos.

 

De qualquer ângulo,

Não havia dúvida.

 

Mas não para quem

ousasse se deitar

Entre os canteiros.

 

Não para quem

atraído pelo pulsar das cores

enxergasse o jardim pelo avesso

 

ao se aproximar demasiado

deixando o olhar escorrer

por um caule

até encontrar

sob a umidade da terra

fixadas

monstruosas raízes.

 

 

 

 

 

 

Não era

 

 

Não era vento:

era ser forte

era ser fraco

e, às vezes, sem rumo.

 

Não era chama:

Era um gosto na língua

Era umidade entre as pernas

Era angústia de amar.

 

Não era outono:

era a superfície da pele

alcatifada por rugas.

 

Não era um trilho de trem

uma estação ferroviária

um aeroporto

nem mesmo o mar

com um barco distante:

era a vida que restava

acorrentada à ausência.

 

Não era chuva:

era tristeza pura.

E só.

 

 

 

 

 

 

Restos de saxofone

 

 

Fico sempre

cheirando a tabaco.

 

Sempre linda

aquela sua luz úmida.

 

Fogo incendiando

rastros de sax.

 

Aprender as tardes.

Abrasar este coração despetalado.

Arrebentar em cores.

 

Sempre linda

aquela sua luz

úmida.

 

Restos de sax.

Fico sempre

cheirando a tabaco.

 

 

 

 

 

 

No inverno

 

 

Teu perfume dói à maneira de violinos

Desejos de minha boca bêbada:

Sorver o vinho de teus lábios e língua

Tua umidade

Dançar demente em teu corpo etéreo

E, diluída, desmaiar sobre ti.

 

 

 

 

 

 

Galeria dos Sussurros

 

 

Observas, de longe, as luzes da torre fria onde outrora agonizou teu pai.

(unhas de leopardo estraçalham teu peito)

As ruas cinzentas ao crepúsculo. É verão, mas é como se nevasse.

Chumbo do céu e luzes de entardecer

Te oprimem,tal qual pantera faminta.

 

Não sabes dentro de qual noite terrível ecoa teu grito

Perfuras as camadas dos ventos, veloz, entre carros ferozes, como se galopasse no desespero.

Fumaça enche teu peito de tristeza funda como um buraco negro,

Na solidão do universo escuro...

 

O céu melancólico evoca sonatas

 

Numa esquina antiga

Silhuetas de crianças encardidas

Soltam pipas de plástico transparente

Numa nuvem de poeira.

 

Esse lugar que cheira a coisa queimada quando o céu umedece.

 

De uma extremidade, a noite de tua indagação te devolve o grito. Estás na Galeria dos sussurros. No extremo oposto.

Dedos indicadores nos ouvidos.

Contemplas, em silencio, o estilhaçar das vidraças.

 

 

 

 

 

 

Deserto

 

 

A tarde se fratura.

E o outono tem sempre

esse gosto de fim, que te aniquila.

 

O vento escuro suga tua alma

(aberta confusamente)

para a solidão das pedras frias: a matéria triste das montanhas.

 

Melancolias alcoólicas te povoam.

 

Bolhas de sonhos explodem no ventre

infecundo das estrelas.

 

Em vão, estendes os braços trágicos

a procura da alavanca que possa

frear o irreversível.

 

Estás só, estática esfinge

sem enigma

 

 

 

 

 

 

Metrô domingo à tarde

 

 

Pedras sob trilhos.

 

Anemias de sol

flutuam através das fendas.

 

Curvas cospem solidão.

 

 

 

 

 

 

Mortalha

 

 

Pétalas mortas na rua molhada:

Violência de chuva ultrajada

No eu estar só

A delirar-te.

 

 

 

 

 

 

Profanação na teia

 

 

Tirar a roupa dela

enquanto vermelha lua arde.

 

 

Romper cascas, desfiar casulos.

 

Contrair-me em

aracnídeo  inseto

 

Patas e pelos, perfurar

a pele profanada

 

E ela se contorce toda

presa em minha teia:

Era pétala amputada

tornou-se flor inteira.

 

 

 
 
 
Simone Teodoro nasceu em Belo Horizonte em 1981. É leitora compulsiva de poesia. Distraídas Astronautas (Patuá, 2014) é seu livro de estreia.