POETA

 

 

Pudera eu ser poeta

Da vida, da arte

Da dor e da alegria

Que se sabe

Que se sente

Permanece, mostra e surge.

A todo tipo de gente

Quisera eu ser poeta

Ver na pele a aberração do público

Do leitor Sagarana

Desejara eu (des)agradar pessoas e pessoas

Que conheço e desconheço

Quisera eu ser poeta, a viajar

Na história complexa e colorida

Do universo

Pudera eu ser poeta ao in/verso?

Ser poeta

Somente poeta

 

 

 

 

 

 

ESTUPRO

 

 

Corpo violado

Mente massacrada

Sonho assombrado

Mal de animal

Impurezas retidas

No interior

Psicanálise, familiares e amigos

Nova guarida

Quem contava que

Seria desmembrada

Por um ser baixo

Que fincou profunda

Ferida

Consequências ruins

Trouxe para vida

Da alma feminina

Antes intocada

Hoje desapropriada

Noite ou dia

A ela

Mulher

Arrepia

Estupro, estupro.

 

 

 

 

 

 

A DOR NA COLUNA

 

 

A dor na coluna

Simboliza a coluna na dor

A dor de saber que se está envelhecendo

A coluna na idade a se extinguir

Pouco a pouco, minuto a minuto

Finitude é o destino de todo ser

E a coluna lateja

E a coluna estala

E lembra que não sou invertebrada

A coluna me mostra a sua força contrária

Que tento combater com doses de bem-estar

E me diz que é um maquinário perfeito

Integrada está aos braços e pernas

E ao movimento deste corpo nada pueril

A dor na coluna

Ensina, torna mais e menos audaz

De acordo com o momento e a situação

O ciático chama a atenção...

A coluna solicita maior descanso diário

Comprimidos e comprimidos, e exercícios a fortalecê-la

A coluna experiente está em mim

O meu desejo é que essa dor na coluna

Não esteja em nós

Porque não existe nada pior

Do que a dor na coluna

Herniada

Que mina os movimentos da esperança.

 

 

 

 

 

 

POEMA PRA CAPITU

(E PRO FICANTE BENTINHO)

 

 

Sorri, Capitu

Tu nasceste assim

Mulher

No século XXI

Senta, Bentinho

E pensa, e lima, e sofre

E te autoflagela

 

Capitu trabalha, batalha

Cai na gandaia

Capitu não é privada

E saiu da privada do século XIX

É tão mutante

Que se confunde

 

Capitu-Pagu, Capitu-Chiquinha Gonzaga, Capitu- Leila Diniz, Capitu-Rita Lee

Capitu-Elis Regina, Capitu-Hilda Hilst, Capitu-Clarice Lispector, Capitu-Gal Costa

Capitu-Clara Nunes-Saravá, Capitu-Cássia Eller, Capitu-mulher-transgênero

 

"Uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel"

Capitu canta e renega o folhetim

Bentinho singular

Capitu plural

Usa os olhos como as outras partes do corpo

E fica de ressaca conscientemente

Capitu Mistura Fina

 

Hoje Bentinho por rechaça secular

Se recicla, retrata-se

E pensa:

"É doce morrer no mar"

Ao ver os olhos de ressaca

 

 

 

 

 

 

TEMPO DE REFLEXÃO

                                                                     

 

Levo a palma lívida e doce

Às tuas formas surpreendentemente chinesas

E, quando a palma se cansa,

Em mim nasce a tristeza

Da limitação que tenho sobre meu corpo

Cansado, quase morto, perante ti

Assim ficamos a lembrar nossos tempos de

Mocidade

A vagar clandestinamente pela cidade

De liberdade dotados

Em nossas almas quanta tranquilidade...

O tempo é arteiro

Deixa suas marcas ao derradeiro ano

Nos levando amigos, amores, amantes

Chicoteando de dor

Sôfrega forma ...

Alegro-me, pois ainda nos encontramos

Plantados em terra nossa

Apesar da ventania de todo dia

Curtindo a antiga, imortal, Bossa

Coisas nossas, querido amado

Vejamos nosso legado

É tempo de reflexão

Do nascimento até o momento atual

Ocasião para passarmos as novas raízes

Meios de germinação

E é bom fazê-lo

Rápido, querido amado,

Antes

Que sejamos levados

Que passe o vento anfitrião

Para arrancar as nossas raízes do chão.

 

 

 

 

 

 

A MULHER DO ARTISTA

 

 

Pinta

Desenha na tela o meu corpo

Rente ao seu

Cola ali

O nosso tato e o perfume

Molda o prazer

Brinda na tela

O sabor

Com olhos em êxtase

Assume

Ousa com as tintas

Meu amor

Lança-se

Na arte

E faz lume

 

 

 

 

 

 

UMA NOITE E NADA MAIS

 

 

Olhares cruzados

Esse sorriso branco e instigante

Corpo masculino normal

Postura interessante

Música na mente, noite fresca

E eu com a sua insistente lembrança

No fundo o instinto feminino

Desafia o meu comportamento habitual...

O cérebro corresponde, não pode ser

Mas é...

Sinto um arrepio

Você aparece novamente

Como talhado em madeira

Da forma que veio ao mundo

Que maravilha!

E pena que não é real

Fecho os olhos e penso:

Uma noite e nada mais — esse é o meu desejo.

 

 

 

 

 

 

DO SEXO

 

 

Eu

Contemplava a beleza do teu olhar

Uma vez que o calor invadia

O recinto

E provocava

O nós...

Do sexo

 

 

 

 

 

 

PULSA UM ATABAQUE

 

 

No meu coração, pulsa

Pulsa um atabaque

E faz arrepiar a pele

De toda a matriz de origem africana

Não me engano

Há muito a África e a Bahia estão em mim

E eu, sem resistir,

Entrego-me a elas.

A todos os seus mistérios

Seus ritos de passagem

E orixás

Suas festas e gingados

Pela eternidade.

 

 

 

 

 

[imagens ©id-iom] 

 

Renata Emily. Carioca, graduada em Letras e em Pedagogia e pós-graduada em Língua Portuguesa. É autora de Mutações, obra composta por poemas e micronarrativas (Editora Biblioteca 24 horas). Além disso, já participou de várias antologias organizadas por editoras como Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Litteris e Celeiro de Escritores. Acadêmica, ocupa cadeiras na Litteraria Academia Lima Barreto e na Academia Luminescência Brasileira (ALUBRA).