©brian day

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

KOISAS DA POLÍTIKA

 

 

Marcar a hora das visões equilibristas que desfiguram castelos de entrar para comprovar por si mesmo a escuridão que um isqueiro risca esquecido distraidamente enquanto as pedras ruborescem como se no interior daquele horrendo castelo de ponte levadiça e ameias góticas realmente habitassem os fantasmas mais temerosos que a essa hora caminhavam grudados no corrimão da escadaria central por onde sua majestade subia levando o cetro e o copo de veneno, digo, a taça de vermute que em determinado momento havia de ser sorvida na alcova por um outro personagem sisudo que ali penetraria na calota da noite enluarada que lembrava um quadro francês de Watteau talvez com meninas de babado balançando no parque e lá dentro do castelo a carnificina talvez e o sacerdote arrepiado tomado (pelo vinho) em cima do baú do tesouro encalacrado com o selo imperial e tudo mais que o conde desviou para a amada e os conspiradores queriam tomar de qualquer jeito também pois constava que havia algumas pipas do bom ocultas do invasor nalguns pontos e uma almofada à luz das tochas mostrava as pernas de um piano e a bunda de uma cortesã pois sua alteza continuava dando seus festins e não contava com a ira desmedida da plebe mal aquinhoada que entrava pelas gretas do quadro enquanto o cupim daquele tempo ia comendo a moldura colocada sobre um móvel tipo bufê no qual havia um pequeno espelho para o triunfante escorrer e papar por sua vez a papa-fina do castelo do esquartejado poder simbolizado pelo espaço solene e o rio divisório que os piratas transpunham como autênticos bonecos da dinastia seguinte.

 

 

 

 

 

 

PASSAMANARAGEM

 

 

         O passado — que não existe — é talvez

minha única invenção gloriosa. Por ele eu crio algumas linhas

         que me iludem na dissolução

         da hora presente sem finalidade.

Por não lembrar de mais nada, exatamente como foi,

         eu falsifico uma pessoa

         que tende a ser melhor do que eu sou

         e a agir brilhantemente

         em qualquer aperto.

Minha ideia de mim é como a história

         de um país que se idolatra em seus mortos

         enforcados ilustres.

Afirmo ter estado nas paisagens do armário

         que sonhei ou são

mas não encontro jamais uma das caras possíveis

         por essa peregrinação da cabeça

         em minhas sendas.

Só a hora presente é o meu país sem progresso

         e sem grandeza.

         Só as aves entendem

         o que estou olhando ao longe

         sem pensar mas sentindo

         minha insignificância perfeita.

 

 

 

 

 

 

TROÇO

 

 

O rapaz tinha chegado com a moça e era de enlouquecer replicar quando chegaram realmente com o carro preto parou. Falta de gasolina ele disse — a ela pareceu replicar que era de enlouquecer realmente. A chave do rapaz consertar tinha ficado lá em casa e a moça ia falando de novo quando o carro preto explodiu. Havia margaridas na beira, era de fato uma aventura falar sentar com ele uma pedra enquanto os dois se irritavam. Para ela a gasolina da lata que era igual à dos filmes que o mocinho enguiçou. Para ele a chave-mestra da vida que o calor esqueceu.

         Estava realmente de tarde quando os dois. A moça tinha dado outro passo — o troço aparecia, a moça para ele o calor que era de fato espantoso. Tirou o lenço da cabeça e cuspiu. O carro estava preto suando no meio do pó da estrada enguiçado com a moça perto do step. Era dar um pinote — era realmente uma luta achar a lata e sentar. A moça da perna dele estava começando a mexer.

         Para ela aquilo tudo sonhava no lado da direção que era ele quando a porta se abriu. O troço aparecia de banda no brilho do motor em detalhes. Vela bobina carburador platinado gasolina uma lata, então o que seria de novo na solidão do lugar um morro em frente.

         Então seria o quê. Do perfil da menina, nesse instante, saiu em frente um morro um cachorro — capim, orelha, velhas recordações de leitura como a boca-fontana. No toque do perfil vegetal de estar olhando as raízes que embolavam derretiam na cara pela vista do homem. Ele estava com um calor dentro dele na primeira pergunta de encontrar um posto. Havia o morro o cachorro.

         Também havia no contorno da pedra a marca cinza de ser um suas pernas quando ele mesmo começou a gemer se procurando sem fim a chave-mestra. Tinha enguiçado o carro preto da altura na miséria de um vale. Não existia o decantado sossego e nem estavam por exemplo eles dois porque era leve existir. Era leve demais estar com raiva de um carro ou da mulher por tabela que o suspendia nas asas.

         Foi por isso que eles dois se trocaram quando um morro um cachorro a cara os cachos — um forro de céu no chão de terra. Foi por isso que era o carro que estava. Grandes bancos negros largados retirados da alma para o mundo deitar. Quando estava na pergunta de um posto que na verdade ele não quis achar. Para ela aquilo tudo sonhava no lado da direção que era ele o morro o céu o estalo das folhas secas quebrando no cabelo puxado. Assim que uma mulher vê as nuvens como ele estava, os olhos de folha seca um perfil.

         O troço apareceu como às vezes passa um cachorro. Havia o troço a pedra a perna o banco o para-choque — a cama de poeira da estrada com a terra seca rachada gravada pela pata dos bois.

 

 

[De Sibilitz. Chão de Feira, 2015]

 

dezembro, 2015

 

 

Leonardo Fróes nasceu em Itaperuna/RJ, em 1941, e foi criado no Rio, onde estudou no Colégio Pedro II e na Escola Nacional de Belas Artes. Além de sua obra poética, que está contida em dez livros, tornou-se conhecido por seu trabalho como tradutor. Em meio século de atividade, traduziu várias dezenas de títulos, de autores como Shelley, Goethe, Swift, Faulkner, Virginia Woolf, Malcolm Lowrie, Ferlinghetti, J.M.G. Le Clézio, La Fontaine. Desde 1971, mora em Petrópolis/RJ. Ganhou o prêmio Jabuti de poesia, em 1996, e os prêmios de tradução da Biblioteca Nacional, em 1998, e da Academia Brasileira de Letras, em 2008. Dois meses após lançar no Rio, pela Azougue, seu livro Trilha, uma antologia  de seus poemas escritos entre 1968 e 2015, Leonardo Fróes lançou em Belo Horizonte, em dezembro, pela Chão da Feira, uma nova edição de Sibilitz, que publicou pela primeira vez em 1981. Definido por um leitor como exemplo de "literatura insólita", este livro mistura a musicalidade e os recursos da poesia a procedimentos narrativos de uma ficção sem enredo. O autor parece ter pretendido, no seu Sibilitz, ir além da divisão da literatura em gêneros. Um vídeo com o poeta em seu sítio, reflorestado por ele, foi feito em 2015 por Alberto Pucheu, Gabriela Capper e Sergio Cohn. Clique aqui e veja Leonardo Fróes, um animal na montanha.

 

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