©emilian chirila

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Poesia mineira

 

 

Eu só quero

Um dedinho

De prosa.

 

 

 

 

 

 

Inútil unção dos enfermos

 

 

O poeta não vai para o Céu

Já cometeu todos os

Pecados capitais

E mais uns

Que ele inventou

Não espere a correção do poeta

O poeta é torto, empenado

E, de verdade

Nunca obedece a ninguém

Jogue água benta no poeta

E verá

Onde há fumaça

E fogo.

 

 

 

 

 

 

Prozac é na farmácia

 

 

Enquanto eu me preocupava

Com as palavras amenas

Para impedir os suicidas

 

Minha poesia

Se jogava da escada.

 

 

 

 

 

 

Entrevista com a cafetina

 

 

Para brincar de messalina

Já passei da idade

Cato minhas meninas

E dirijo ao vigor da

Experiência

 

Hora de vestir

Vestir

Hora de tirar

Tirar

 

(O carinho nas

Palavras

Tem que ter

Medida)

 

Se o cliente gosta

Se deve mesmo à

Firmeza

 

Ou sai um poema frouxo.

 

 

 

 

 

 

Pântano

 

 

A minha casa está vazia

O lar se apagou

Anteontem

Como dizem os da Grécia

E os das Minas

Antigas

 

Ninguém ganha a poesia

À toa

É aquele sinal na testa

Com que você sai

Na rua

 

Se acham aquele objeto

Caro

Precisam ver o que é viver

Com essa coisa

Que não se vende

 

Por dentro o poeta é verde

Musgo

Dele escorrem algas

Se reparar bem

São úmidos

 

Não chame um para a sua

Casa

Verá que eles molham

Os tapetes.

 

 

 

 

 

 

João

 

 

Quando eu cheguei na boca

Da baía banguela

E vi o cheiro

Dos peixes mortos

Eu anunciei o fim da vida

Enquanto um enorme

Gafanhoto

Parado no ar procurava

O autor da bala perdida

Encontrada no corpo do

Pequenino

Vendedor de biscoito de

Polvilho

Tudo isso eu vi

E cheirei

E uma placa dizia

Linha Vermelha em letras

Pretas

Uma multidão se ajuntava

Na praia

Onde fungos descontrolados

Comiam células

Sob a bola de fogo

Chorei

Porque poetas não ficam em riste

Feito os profetas

E tombam ante o fim do mundo

E choram.

 

 

 

 

 

 

Acima da manada

 

 

O poeta sobe no

Monte das Oliveiras

Quer silêncio e

Não tem discípulos

(Se os tivesse

Decerto

Subiria mais vezes)

 

Ainda há oliveiras no Monte

Mas o bom azeite foi só o

Extra virgem

O resto é como este

Poeta:

Últimas prensas

 

É com este óleo que desce

Na ilusão de ainda

Ungir as testas.

 

 

 

 

 

 

E é por isso que os vivos dormem

 

 

Escrever sobre o silêncio

Esse incômodo torniquete na garganta

O poeta que agora só consegue

Pensar sobre

Os cães que latem

Espaçados mas por todo o breu

 

Intacto

Acordarem-me a manhã

Antes mesmo de amanhecer

A impressão de que sequer nasci

E a de que os cães latem

Atrapalhando o ensaio

 

Porque ao contrário do que pensamos

Os cães são muito mais sábios

Do que os gatos

Que se arrepiam e fogem

Quando avistam fantasmas

 

Os cães enfileiram-se nas grades

Dos portões

Avisam (e dói)

Que nunca estrearemos.

 

 

 

 

 

 

Luta antimanicomial

 

 

Fechado o manicômio

Mandaram-na morar

Comigo

(é poeta)

 

Brigo com ela

Todos os dias

(louca nua pela rua).

 

 

 

 

 

 

Vaca ritmada

 

 

O poeta não ganhará o pão

Estornado desta pedra

 

E o leite desta pedra

Será o maná do poeta

 

Decerto uma vaca gorda

Uma vaca magra

 

Decerto tetas murchas

Tetas fartas

 

A depender da fome

De quem olha.

 

 

 

 

 

 

Distração

 

 

O mundo e seus assuntos

Mundanos

A beleza da xícara trincada

Ficando despercebida

Entre os gritos dos socos

Na mesa

Todos resolveram parar

O trabalho e os dias

Para gritar

Truco!

Ganha quem engana melhor

Ganha a perspicácia

O poeta perdendo

Palavras como

Acácia

Uma feiura de implorar

Música

A Beleza (coitada)

Desarrumadinha

Do lado

Esperando vez.

 

 

 

 

 

 

Nua

 

 

Poesia, meu cansaço tu

Carregas e causas

Não tenho as nuvens de

Calças

Nem a calma para olhar as

Vidas bestas

Das janelas

 

Não

Ninguém trouxe meu peixe

Para o jantar

Menos ainda

Levantou-me a saia

Na cozinha

Meu lirismo não é comedido

Nem é lirismo!

 

Quando eu nasci

Faltou Malaquias

Torto nenhum

Não tinha anjo

Nem pai

 

Era como hoje

Eu e eu

O berro que eu dei

Eras tu

Poesia.

 

 

junho, 2015

 

 

 

Adriane Garcia. (Belo Horizonte/MG, 1973). Poeta, historiadora, funcionária pública, arte-educadora, atriz. Escreve poesia, infantojuvenis, contos e dramaturgia. Foi a vencedora do Prêmio Paraná de Literatura 2013 (Prêmio Helena Kolody, poesia) com o livro Fábulas para Adulto Perder o Sono, publicado em 2014 (edição da Biblioteca do Paraná). Publicou também O Nome do Mundo (Armazém da Cultura, 2014).

 

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