©alex timmermans
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

noturno

 

 

o rio que molhava

meus pés trazia de

longe a memória acre

das árvores os sonhos

 

íntimos das

pedras

 

transbordava a vastidão

das areias

ancestrais

 

o rio que atravessava

meu corpo levava

pra longe a angústia

muda dos peixes o vigor

 

das

matas

 

saciava os desejos

das margens

desmedidas

 

o rio da minha

meninice revolve se

na lama escura sufoca

 

na aridez mineral

 

o rio da minha

vida arrasta a

morte para todos

 

os lados agoniza

 

a terra

 

o horizonte

 

a esperança

 

 

 

 

 

 

cerrado

 

 

o remoer escuro

da noite povoa este

silêncio indiferente

 

o rumor das ondas

aproxima o mar deste

vazio

 

sombras caladas infiltram se

pelas grandes janelas

fechadas

 

impassível o corpo

assiste espalharem se

as dores

 

um homem desce

a rua olha o tempo

todo pra

baixo

 

houvesse algo a

encontrar talvez

olhasse em

 

mim

 

 

 

 

 

 

solidão

 

 

um rio que não

se cruza mais

uma aurora

 

indecifrável

 

 

uma noite sem

eco um

horizonte

que se

 

nega

 

 

tardes incontornáveis

 

ventos sem direção

 

 

um poema que

 

se

 

repete

 

 

 

 

 

 

desalinho

 

 

o que me afasta este

areal invencível que range

sob o sol

desassossegado

 

a linha azul

indecifrável este horizonte

enfadonho

 

o rugir do vendaval

outonal o silêncio das escassas

aves o que me

 

distancia as

águas deste mar

 

inumerável

 

 

 

 

 

 

aurora

 

 

meus

olhos descobrem indícios

enluarados na

manhã

 

uma brecha morna

de luz inventa

memórias inadiáveis de teu

corpo

 

minhas mãos surpreendem

alvuras nas

sombras íngremes

de tuas pernas

 

na janela o sol

inflama teu pescoço

vulnerável em meus

lábios

 

o dia espreita

o encontro de nossos

abismos a rendição

de nossos

tremores

 

dorme em mim

o sabor do teu

 

cio

 

 

 

 

 

 

jabuticabeiras

 

 

                                      para Júlia

 

 

soberanas na claridade

dos dias indiferentes

à serventia das nuvens

ao rumor

das cachoeiras

 

debruçadas sobre as corredeiras

indiferentes ao rumo

das águas à austeridade

das pedras

 

cingidas ao silêncio

dos quintais indiferentes

ao fado das horas confiam

troncos folhas frutas

 

aos sorrisos

 

das meninices

 

 

 

 

 

 

verbo

 

 

chama-se mar a líquida

imensidão de teus

olhos sol a

incandescência de tua

voz nos

meus

vazios

 

chama-se brisa a carícia

branda de tua

boca fogo a

ardência de teu

corpo longe

do

meu

 

ignoro o nome desta ausência

que me preenche os dias

 

 

 

 

 

 

promessa

 

 

o desejo inaugura a

manhã ensaia nos

cachos dos cabelos

soltos

 

aconchega se nas

sinuosidades do

corpo irradia se tarde

afora

 

circunda os olhos adentra

abismos arromba

impossibilidades atropela

se

 

e tomba sobre si

mesmo

 

 

 

 

 

 

bordas

 

 

o poema que

procurava escreveu

se inteiro nas suas

costas na

 

agonia da sua

boca

 

nos largos ombros da

noite no cheiro dos seus

atormentados

vãos enquanto

 

sussurrava em seus

olhos abria suas

pernas

 

desenhou se na

lua abandonada entre

as estrelas perdidas no

 

silêncio miúdo do seu

choro

e descobriu

horizontes onde antes

 

precipícios

 

 

 

 

 

 

infiel

 

 

no meio da noite fulgura

inteiro o sol

no teu

corpo

 

não há lua

que perdoe tamanho

desejo

 

furtivo

 

 

 

 

 

 

testamento

 

 

se eu fosse

morrer escolheria um

dia de chuva

fina e céu

claro

 

e uma varanda aberta

pro poente

 

andaria o dia

inteiro num caminho

de terra fresca iluminado

 

pelo sol que se

comprime entre as árvores

 

se eu tivesse que

morrer andaria toda

a noite num caminho

banhado de

rio escolheria

 

uma árvore de tronco

robusto e abundante

copa

 

e me deitaria

no seu abrigo úmido

junto de meus cães

 

 

 

 

 

 

 

encoberto           

 

 

decerto eram felizes

aquelas casas brancas

e azuis de janelas

aos pares por onde

 

entram manhãs e altas

montanhas

 

eram felizes aqueles

quintais com meninos

pelados correndo

atrás de galinhas

 

decerto eram felizes

aquelas casas pequenas

que se espalham

entre árvores sobem

 

nos morros atrás

dos animais

 

felizes aquelas águas

que fartam os cães

e fazem verdes

os horizontes

 

decerto eram felizes

aquelas casas acesas

onde queima o fogo

das tardes frias

 

aqueles homens crus

de pele puída

que trabalham sol

a sol

 

e apenas esperam

a noite chegar

 

 

 

dezembro, 2015

 

 

  

Adair Carvalhais Júnior (Governador Valadares/MG). Poeta, professor da UFMG, edita o blogue Desencontrados ventos, onde publica sua produção poética. Vive em Belo Horizonte.

 

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